Diferença entre o valor cobrado do produtor e o pago ao transportador varia de acordo com a oferta e demanda pelo serviço
Nelson Bortolin
Entra ano, sai ano e os transportadores de grãos continuam insatisfeitos com o valor do frete. E com razão porque este segmento é o que tem as tarifas mais achatadas. O fato de se tratar da movimentação de produtos sem valor agregado é apenas parte da justificativa para esse problema. Tampouco a lei da oferta e procura contempla toda a explicação. “Tem alguém lucrando em cima do produtor e do transportador”, afirma o representante de uma empresa de transporte que não quis se identificar. “É preciso lembrar que quem negocia o frete com o produtor é a própria trading. Ela tem uma transportadora para isso, embora sem caminhão”, conta.
Essa pessoa jurídica desconta do pagamento feito ao produtor do grão o valor do frete até o porto e subcontrata transportadores profissionais. “Elas descontam por exemplo R$ 350 a tonelada”, explica a fonte da Carga Pesada. E depois vão para o mercado de frete fazer uma espécie de leilão. “Quando está sobrando muito caminhão, elas conseguem contratar frete por R$ 250, R$ 230 a tonelada. A diferença fica com a própria multinacional. Não duvido que ganhem mais com logística do que com a comercialização do grão”, declara.
O frete na safra deste ano, de acordo com ele, está mais baixo que na anterior. As tabelas com valores mínimos previstas na lei 13.703 foram ignoradas pelas tradings. “Na verdade, é uma queda de braço que elas travam. Estão assumindo risco porque estão confiantes que o STF (Supremo Tribunal Federal) vai a decretar a inconstitucionalidade das tabelas.”
O entrevistado diz que a lei teve a intenção de corrigir o desequilíbrio na contratação de fretes no País, que estava ocasionando uma quebradeira geral no setor de transporte rodoviário de cargas. “Não é para instituir um controle estatal no setor como vivem declarando na imprensa os representantes das tradings. A livre concorrência e a livre negociação não acabaram pois os pisos mínimos de fretes correspondem a valores relativos aos custos operacionais dos veículos para realizarem determinadas viagens”, diz a fonte. O lucro, prossegue ele, não está contemplado nas tabelas. “E é aí que o contratado irá negociar com o seu contratante, pois não vai realizar um frete para receber apenas o suficiente para cobrir os seus custos”, ressalta.
Além de apostar que as tabelas serão derrubadas pelo Supremo, segundo o entrevistado, as tradings confiam que não serão denunciadas pelos transportadores. De cada dez, apenas um estaria disposto a apresentar a denúncia à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e reivindicar o pagamento correto na Justiça. Por isso, descumprir a lei, pelo menos por enquanto, tem valido a pena. “Uma multa e um acordo judicial no qual o contratante é obrigado a indenizar um transportador sai bem mais barato que pagar a tabela para todos os dez”, calcula.
E aquele que fez a denúncia e buscou a Justiça não conseguirá mais frete na trading. “Com certeza serão bloqueados por elas.”
A Carga Pesada questionou a Anec, associação que representa os exportadores de grãos, sobre o assunto. Por meio da assessoria de imprensa, a entidade disse que seus associados “seguem as boas práticas do mercado e a legislação vigente”. E que estará presente em todas as audiências públicas convocadas pela ANTT “esclarecendo eventuais dúvidas”.
A reportagem também pediu entrevista na Aprosoja-MT, que representa os produtores de grãos. A assessoria comunicou que a entidade não iria se manifestar sobre assunto. “Nossos interesses são voltados ao produtor.” No entendimento da associação, o tema da reportagem envolve questões das “tradings e dos caminhoneiros autônomos”. “Nem tem como comentar.”
O QUE DIZ A LEI
A resolução 5.833, da ANTT, regulamenta as punições previstas na lei 13.703. O contratante do frete está sujeito à multa no valor de duas vezes a diferença entre o valor pago e o piso devido de acordo com as tabelas. A multa mínima é de R$ 550 e a máxima, de R$ 10.500. Ainda diz que quem divulgar fretes com valores abaixo dos da tabela pode ser multado em R$ 4.975.
Ela também previa multa para o transportador que se submete a trabalhar com valores menores. Mas esse dispositivo foi extinto nesta semana nas negociações entre caminhoneiros que ameaçam entrar em greve e o governo.
A lei 13.703 também prevê que o transportador pode ser indenizado pelo contratante em valor equivalente a duas vezes a diferença entre o valor pago e o que seria devido. Mas, para isso, o transportador tem de ir à Justiça.
Nas negociações realizadas nos últimos dias em Brasília, o governo se comprometeu a firmar convênios com os sindicatos de caminhoneiros para que essas entidades possam fiscalizar o cumprimento da lei junto com a ANTT. Leia mais.