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Entrevista: Dilene Antonucci

Texto: Guto Rocha

Respeito e cavalheirismo no trânsito e nas estradas. Esta é a receita muito simples que o “treinador” de motoristas de caminhão Carlos Roberto Esteves, apelidado de Urtigão, oferece a seus alunos. Basta isso para se dar bem.

A intimidade e o conhecimento do Urtigão com os brutos e as rodovias vêm de longe: ele nasceu na boleia do caminhão de seu pai! “Nasci na estrada, em São José dos Ausentes (RS), mas fui registrado e batizado em Adamantina (SP), porque onde minha mãe deu à luz não tinha nem cartório”, informa.

Por 45 anos, Urtigão rodou o Brasil dirigindo caminhões. Hoje, é master driver Scania e trabalha na P.B. Lopes, em Maringá (PR). O apelido, diz ele, é consequência do seu “gênio forte”: Urtigão é um personagem mal-humorado dos gibis de Walt Disney, que vive com uma cartucheira pendurada nas costas. Mas o Urtigão desta história é boa praça e bom de conversa. “Dizem que sou bravo, mas eu apenas gosto das coisas certas”, afirma.

Certa ocasião, Urtigão foi trabalhar numa empresa de transporte de cargas cujo dono também tinha uma autoescola. Como na época havia muito caminhão parado por falta de motoristas, ele foi convidado para treinar e formar novos caminhoneiros. Por três anos e meio, deu aulas de direção e à noite preparava uma apostila voltada para caminhoneiros.

Deu muito certo. Urtigão levou seus anos de experiência na estrada para a sala de aula. “E a minha experiência diz que a primeira regra para se dar bem no trânsito é tratar a todos com respeito e cavalheirismo. Comecei por aí e fui montando um PowerPoint (programa de computador) sobre o tema. Cheguei a ter 60 alunos na sala e todos foram aprovados”, afirma.

E não parou mais de formar motoristas. “Sei o número exato: foram 317 que começaram comigo, e todos estão vivos e trabalhando”, conta, orgulhoso. Segundo ele, seus alunos tiveram três meses de aulas teóricas. Ele mostrava acidentes violentos para chamar a atenção. “Queria mostrar que a profissão exige responsabilidade. O erro de um caminhoneiro pode matar mais gente que o de um médico”, compara.

Em 2008, foi contratado pela P.B. Lopes para ser master driver. Aí aprendeu que o motorista deve se dispor a aprender sempre. “Os caminhões ficam mais modernos, algumas estradas melhoraram, mas a gente tem que entender que as regras de trânsito permanecem”, observa.

Urtigão ensina que o motorista tem que estar “totalmente concentrado no que está fazendo”. “Mais até que um piloto de avião ou um comandante de navio, que têm uma assessoria. Se houver turbulência ou tempestade esperando na frente, eles vão ficar sabendo antes. No caminhão não tem alguém para avisar o que vem depois da próxima curva. Se o motorista não estiver ligado, pode ficar marcado pela tragédia”, comenta.

O professor/instrutor lamenta que o interesse pela profissão esteja diminuindo. Para formar um novo profissional da boleia, segundo ele, é preciso adotar o aluno como um filho. Urtigão comenta que já direcionou muita gente para a profissão de caminhoneiro – e essas pessoas melhoraram de vida. “Tive um aluno que era lixeiro, seus filhos passavam necessidade. Hoje ele é chefe de frota.”

Ele também já livrou um rapaz da dependência das drogas. “Tirei o sujeito da rua em Paranaguá, um ladrãozinho que vivia drogado. Cheguei com ele em casa e minha mulher perguntou quem era. Respondi: um filho. Hoje ele se curou e tem dois filhos dos quais eu sou padrinho”, conta.

Na estrada, ensina o mestre Urtigão, o comportamento tem que ser o de irmãos. Para ele, o maior tem que respeitar o menor. “Imagine você encontrar, na descida da serra de Paranaguá, um carro com um motorista que tem medo de ultrapassar. E esse motorista fica na sua frente. E você vê que tem uma criança no banco de trás. Ora, você tem uma carteira onde está escrito: profissional. Tem que agir com responsabilidade. Tem que cuidar de quem está num carro menor.”

Urtigão afirma que, como instrutor, forma mais a pessoa do que o profissional. “O profissional já está dentro da gente”, diz. E, para encerrar: “Independente de religião, temos que agir como irmãos”.