Descontos são insuficientes para permitir compra de caminhão; deputado propõe incluir negócio com seminovos

Nelson Bortolin

O novo programa do governo federal para renovação de frota – criado pela medida provisória 1.175 – deixa de fora quem mais precisa: o caminhoneiro autônomo. A iniciativa, que já está em vigor, prevê descontos de R$ 33,6 mil a R$ 80,3 mil na compra de um caminhão zero quilômetro. Para ter direito ao bônus, o transportador precisa deixar na concessionária seu veículo velho, com pelo menos 20 aos de fabricação, para ser desmanchado.

“O degrau financeiro entre o bônus e um veículo zero km é muito grande”, ressalta nota de avaliação do programa divulgada pela Confederação dos Transportadores Autônomos, a CNTA. De que adianta um desconto de R$ 80 mil, se o caminhoneiro ainda precisará de mais aproximadamente R$ 600 mil para adquirir um caminhão euro 6 na categoria pesado?

“O ideal seria um financiamento em 96 meses com juros fixos de 1% ao mês, no máximo”, diz a entidade. O incentivo do governo, conforme afirma a CNTA, deveria se concentrar nos autônomos, que hoje tem uma frota com idade média de 22 anos. Mas a medida provisória, publicada dia 6 de junho, deu exclusividade aos caminhoneiros e pequenas empresas somente por 15 dias. Ou seja, a partir de 22 de junho, o programa também estará disponível para médias e grandes empresas.

A pedido a entidade, o deputado Toninho Wandscheer (PP/PR) apresentou 14 emendas à medida provisória que ainda não foi apreciada na Câmara dos Deputados. Uma das mais importantes é que permite a compra com desconto de caminhões seminovos com até 10 anos da fabricação. O benefício é apenas para caminhoneiros autônomos e a compra precisa ser feita em concessionárias.

Outra emenda aumenta o limite até o qual o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços está autorizado a conceder os descontos patrocinados para o transporte de cargas, de R$ 1 bilhão para R$ 1,450 bilhão. São R$ 150 milhões a mais para compra de cavalos tratores e mais R$ 300 milhões para compra de implementos rodoviários, que não estavam previstos na MP.

O desconto dos implementos, segundo uma das emendas, deve ser de 30% do preço público dos produtos. Também neste caso o transportador precisa entregar uma carreta velha para desmonte à concessionária ou ao fabricante.

O deputado também quer ampliar o prazo de validade do programa, de 120 dias previsto originalmente pelo governo, para um ano. Durante os primeiros 120 dias, os benefícios seriam exclusivos para transportadores autônomos.

Ele propôs ainda aumentar o valor dos descontos. O bônus para aquisição de veículos semileves passaria de R$ 33.600 para R$ 42.000. No caso da categoria de leves, iria de R$ 38.000 para R$ 58.000. Os veículos médios teriam o desconto aumentado de R$ 45.000 para R$ 66.000. Já o bônus dos semipesados sairia de R$ 60.000 para R$ 97.000. E, por fim, o dos pesados, de R$ 80.300 para R$ 144.000.

Outra emenda proposta pelo deputado paranaense estabelece que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá criar linha de crédito específica para os caminhoneiros para o financiamento integral do valor do veículo, deduzido o desconto patrocinado utilizado no negócio. A emenda não estabelece as condições desta linha de crédito.

Mercado ainda não sentiu impacto nas vendas

A medida provisória 1175 ainda não teve impacto no mercado de caminhões, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Concessionários Mercedes-Benz (Assobens), Joel Alberto BeckenKamp. “A gente vem avaliando a medida provisória desde a edição, e encontra alguma dificuldade de entendimento”, explica. A entidade tem buscado esclarecimentos junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Ele ressalta que dificilmente um cliente com caminhão de 20 anos ou mais tem condições de trocá-lo por um zero quilômetro, mesmo com os descontos. “Por várias questões ligadas efetivamente à capacidade de pagamento e ao crédito junto às instituições financeiras”, avalia.

Há também uma outra questão a ser sanada. “Se a pessoa tem um veículo na faixa de desconto (proporcionado ela medida provisória) de R$ 50 mil e chega na concessionária com seu caminhão que tem valor de mercado de R$ 60 mil, R$ 70 mil, não faz sentido para essa pessoa entregar seu caminhão e pegar um crédito menor”, alega.

Só faz sentido realizar o negócio se o transportador tiver um caminhão cujo valor de mercado é menor que o do bônus a ser ofertado pela concessionária. “O cliente entrega um caminhão que vale R$ 30 mil e pega um crédito de R$ 50 mil”, ressalta.

Não está claro se o mercado terá condições de pagar algo pelo caminhão velho além de conceder o desconto para a compra do novo. “O cliente vai ter de sentar com a concessionária para negociar. É preciso lembrar que há um custo para fazer a destinação do veículo. Isso tudo nós estamos tentando esclarecer”, complementa.

BeckenKamp espera que o programa venha a ser bem sucedido e ajude na renovação da frota. “Estamos dialogando com o setor e o Ministério. Temos algumas questões a serem esclarecidas para seguirmos em frente e tentar negociar (a venda de caminhões por meio da proposta do governo)”, conta.

Ele alega que existem clientes interessados, mas há uma “certa insegurança na cadeia em relação a forma de aplicar” a MP.

CASCATEAMENTO

Para o presidente da Assobens, é preciso haver um “cascateamento” para renovar a frota brasileira. “É preciso que o caminhoneiro autônomo que tenha um veículo com 20 anos ou mais possa comprar um de 15 anos. E que fosse repassado esse crédito tributário. A pessoa que vendeu o de 15 anos compra um de 10 anos, também utilizando o crédito. E quem vendeu o de 10 anos compra um de 5 e assim por diante”, exemplifica.

Esse formato, de acordo com ele, “faria mais sentido”, mas é mais complexo, leva mais tempo e o prazo de duração do programa é de apenas 120 dias.