Os caminhões semipesados nunca estiveram tão em evidência. Até tradicionais fabricantes de pesados, como Volvo e Scania, viram o potencial e entraram no segmento. Isso acirrou a disputa entre as marcas. Cada uma quer apresentar uma solução mais completa que a outra. E os semipesados ganharam atributos que, pouco tempo atrás, eram reservados apenas aos extrapesados
Dilene Antonucci e Nelson Bortolin
A última novidade em semipesados foi lançada em abril. A Mercedes-Benz apresentou o Atego 2430, na linha Econfort (veja nossa edição nº 173, pág. 20). O veículo ganhou câmbio automatizado PowerShift de 12 marchas, nova suspensão e várias mudanças na cabine para dar mais conforto ao motorista. As demais montadoras já haviam apresentado suas armas para disputar a atenção dos compradores.
O segmento dos semipesados representa mais ou menos um terço do mercado brasileiro de caminhões. É o mais atrativo de todos, afirma João Herrmann, gerente de Marketing de Produto da MAN Latin America. Todas as marcas estão nele. Todos acham que esse é o segmento com mais chances de crescimento”, afirma.
A Volkswagen, marca da MAN, é a líder do segmento. “Os outros miram na gente e tentam se igualar a nós para ganhar participação no mercado”, ressalta Herrmann. O Constellation 24.280 é o caminhão mais vendido no Brasil. Segundo a Fenabrave, foram emplacados 4.255 deles, de janeiro a julho deste ano. O segundo mais vendido é o pesado Scania R440, com 3.693 emplacamentos.
Considerando apenas o segmento de semipesados, o vice-líder, de acordo com a Fenabrave, é o Volvo VM 270, com 2.377 caminhões emplacados no mesmo período. “O nosso 24.280, que vem do 24.250, é referência há seis anos, pelo conforto e pelo consumo”, declara o gerente da MAN. Outro trunfo do caminhão, lembra ele, é a tecnologia EGR, dispensando o uso de arla.
Herrmann ressalta que a concorrência vem lançando semipesados na configuração 8×2 e que a Volkswagen também já oferece esta opção. Mas ele admite que a marca também corre atrás das outras para não perder a liderança. “Quando vimos que a Scania começou a ganhar espaço no segmento porque ofereceu o câmbio automatizado, também colocamos o nosso.”
Mesmo assim, o gerente diz que a montadora fez questão de oferecer “algo diferente”. “Em vez de pegar uma caixa de um caminhão extrapesado, que tem 12 marchas, desenvolvemos uma solução interna em conjunto com a ZF, que, na nossa visão, é sob medida para esta categoria”, diz ele. A opção da Volkswagen foi por uma caixa de seis marchas, que é mais leve, combinada com relação de eixo de dupla velocidade. “A caixa e o eixo conversam entre si e fazem as trocas que o caminhão precisa. Então, o nosso é um caminhão com mais marchas, mas sem o custo de uma transmissão pesada.”
A diferença de preço de um caminhão semipesado para um extrapesado, segundo Herrmann, é de pelo menos R$ 60 mil.
TIROS LONGOS – Os semipesados são a única categoria de caminhão que atende todos os setores da economia: o agronegócio, a indústria e os serviços. “É por isso que eles estão em evidência, diz o gerente de Vendas de Caminhões da Volvo, Francisco Mendonça. Embora seja mais comum encontrá-los no mercado de distribuição e de curtas distâncias, há muita gente utilizando semipesados em outras operações, segundo Mendonça. “Tenho cliente que sai de Laguna (SC) para entregar camarão e peixe em Fortaleza, sem parar. Você projeta um caminhão para atender uma operação, mas o cliente extrapola.”
Por isso, de acordo com ele, os caminhões do segmento passaram a sofrer alterações significativas. “Uma está no diferencial, que teve de ficar mais longo, senão o consumo sobe muito”, explica. Segundo Mendonça, a Volvo também tratou de tornar os motores mais robustos para durarem mais. “O motor de um semipesado, de qualquer marca, não foi feito para durar tanto quanto o de um pesado, que roda mais de um milhão de quilômetros. Como nossos clientes começaram a exigir mais do semipesado, tivemos de nos adaptar”, declara.
Agradar o motorista deste segmento também é muito importante. A Volvo foi a primeira a trazer a cabine-leito quando lançou a linha se semipesados VM. “De forma geral, os semipesados hoje têm o mesmo conforto dos extrapesados de cinco anos atrás”, diz Mendonça.
A quarta geração da Linha VM, apresentada no ano passado, trouxe um novo desenho para as cabines além das versões 8×2 e 8×4. E, a partir deste ano, a consagrada caixa automatizada I-shift que equipa mais de 90% dos extrapesados da marca. Em breve, estima o gerente, apenas 30% dos caminhões do segmento sairão de fábrica sem caixa automatizada. Hoje, esse percentual é de 50%.
Segundo Mendonça, embora haja transportadores experimentando os semipesados para diversas finalidades, esses caminhões só devem ser usados em tiros longos de aplicações específicas. “Não é o caso de substituir os pesados pelos semi. Todos os nossos clientes que tentaram usar um caminhão de 300 cavalos para fazer o trabalho de um de 380 cavalos viram que não dá certo e voltaram atrás.”
A diferença de preço entre um extrapesado FH 6×2 e um semipesado VM 6×2, segundo o gerente, pode chegar a R$ 145 mil. O primeiro custa em torno de R$ 360 mil e o segundo, R$ 215 mil. Os autônomos e as microempresas com até três caminhões representam 85% do público comprador do segmento.
MAIS TECNOLOGIA – Victor Carvalho, gerente executivo de Vendas de Caminhões da Scania, diz que a montadora resolveu entrar no segmento de semipesados há três anos devido ao potencial de crescimento desse mercado. A aposta da marca é na configuração 8×2. “A gente percebe que o semipesado 8×2 está fazendo operações de transferência em distâncias que antes eram feitas pelos pesados 4×2 e 6×2”, informa.
A montadora foi a primeira a colocar câmbio automatizado (opticruise), primeiro como opcional e, desde janeiro, de série. Ainda foi pioneira em suspensão a ar e balança digital, atributos de fábrica.
“Este caminhão 8×2 vem se mostrando mais viável que um 6×2 pesado, na conta do transportador”, afirma. Com um semipesado Scania 8×2, é possível transportar cinco toneladas a mais de carga líquida do que com um pesado 6×2. Na comparação com o extrapesado, a vantagem é nas manobras. “Ele chega ao ponto que precisa chegar, melhor que o pesado”, afirma.
O gerente ressalta que o motorista de hoje só aceita fazer longas distâncias se puder dormir com conforto. “Ele quer uma área de descanso, uma cabine-leito. Tudo isso acaba influenciando”, explica. Como a Scania estava fora desse mercado, conforme afirma o gerente, ela resolveu inovar. “A gente pensou: não adianta entrar igual a todo o mundo. Então, vimos a tendência do segmento, que é ter um 8×2, com característica de um ‘semipesado pesado’. E ainda com cabine-leito e caixa automatizada”, declara.
De acordo com Carvalho, outra premissa era oferecer um preço competitivo para o 8×2. “Sabemos que o cliente que vai à implementadora colocar um quarto eixo gasta entre R$ 40 mil e R$ 45 mil. Então, nosso caminhão já sai de fábrica com o quarto eixo e uma diferença de preço que não é maior que essa”, explica.
Outra inovação foi oferecer a suspensão a ar original de fábrica. “Com o aumento do número de balanças pelo País, esse é um diferencial importante. Do painel, o motorista consegue enxergar exatamente quanto ele está carregando no eixo”, diz o gerente. Além do controle do peso, ele ressalta outro atributo da suspensão a ar: “Da cabine, ou por controle remoto, o motorista muda a altura do caminhão, esvaziando ou enchendo os bolsões de ar. Quando chega à doca, é só encostar e fazer o nivelamento. O sistema memoriza essa altura. Da próxima vez, o ajuste é automático.”
O gerente destaca ainda que, com o maior entre-eixos do mercado (6,3 metros), o caminhão pode levar maior volume de cargas. E chama a atenção para o sistema driver suportt, que é de série nos extrapesados e opcional nos semipesados. O sistema analisa quatro parâmetros de direção: rotação do motor, antecipação de frenagem, utilização de freio-motor e aproveitamento de descidas, e dá dicas ao motorista, na tela do computador de bordo, de mudanças na forma de dirigir.
De acordo com Carvalho, de janeiro a julho, a Scania emplacou 1.063 semipesados. Desses, 768 são P 310 8×2 e outros 62 são 8×2 de 250 cavalos. “No total, 78% do que a Scania emplacou no segmento de extrapesados são 8×2”, conta.
Clientes destacam a agilidade nos grandes centros
Trabalhando com carga fracionada de louças sanitárias em grandes centros das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a ES Transportes, de Vitória (ES), foi uma das primeiras a comprarem o Econfort Atego 2430, da Mercedes-Benz. A empresa, que já utilizava os Atego 2425 e 2426, adquiriu 10 veículos do novo modelo. Numa frota total de 60 caminhões, a transportadora só possui um extrapesado, um Actros.
O sócio-proprietário da empresa, Jeferson Sedano, explica por que, embora faça longas viagens – de até 2.700 km – a ES só utiliza semipesados: “A principal razão é que as carretas batem muito atrás e acabam quebrando a carga, que é frágil”. Além disso, ele ressalta que as operações da transportadora são de porta a porta, em grandes centros urbanos. “O caminhão (rígido) tem mais facilidade para circular”, explica.
Com os veículos da linha Econfort, o empresário afirma que os motoristas estão satisfeitos. “O fato de ter câmbio automatizado reduz muito o estresse do profissional. Além disso, a condução é mais macia e o ruído é menor”, destaca.
A Trans Kothe, de São Paulo, já comprou 44 P310 da Scania, na versão 8×2, para o transporte de carga frigorificada. A empresa faz tiros longos, como o transporte de peixes de Santa Catarina para o Nordeste ou de carne com osso do Tocantins para o Sul e o Sudeste. Antes, utilizava cavalos extrapesados com carretas de três eixos nessas operações.
O diretor operacional da transportadora, Josiney Fermino, explica por que trocou uma capacidade de carga
líquida de 28 toneladas por outra de 16,5 toneladas: “A carga é fracionada e entrego basicamente em grandes centros. Ganho muito em agilidade. Em muitos locais nem consigo chegar com a carreta. Aí o cliente tinha de vir com um caminhão buscar a carga em outro ponto”, afirma.
Segundo ele, a combinação de cavalo com carreta LS chega a 18,6 metros de comprimento e o caminhão rígido 8×2, a 11 metros. “Tenho agora um veículo bem mais curto com um equipamento de refrigeração de última geração”, explica.
Ele diz que os motoristas, que chegam a fazer três mil quilômetros no veículo, estão muito satisfeitos com o conforto. “Cabine-leito, ar condicionado, caixa automatizada, suspensão a ar. Dizem que é como dirigir um automóvel”, conta. A empresa, que atua em vários segmentos, tem uma frota de 400 veículos.