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Mais um caminhão desembestado arrasta 19 carros no Anel de BH

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Truck-caçamba, carregado de entulhos de madeira, faz sete vítimas na rampa de Betânia

Luciano Alves Pereira – Revista Carga Pesada

Um truck-caçamba, carregado de entulhos de madeira, com 13 mil quilos, perdeu o freio no rampado km 538 (o marco quilométrico é da BR-040) e desceu fazendo devastação. Foi na manhã de 5 de abril. A pista estava seca e o sol intenso no horizonte. Foi a 171ª ocorrência neste princípio de ano. Descontrolado, o motorista Maneceses Florentino abalroou 19 veículos. Entre eles um Renault Sandero, espremido contra a traseira de um três quartos, com carroceria de madeira. Ao ser desencaixado, só sobrou a bagaço. Nele havia dois ocupantes, um deles ficou bem ferido.  Outras cinco pessoas esparsas também foram registradas como vítimas. Diante do estado dos carros, os presentes concordaram que houve um milagre. Mais um.

Imediatamente o clamor geral não se virou contra o caminhão e seu condutor. Atacou “as autoridades que não conseguem estancar a carnificina”, termo usado pelo prefeito novato da cidade. Ele correu para as TVs e jornais locais e com ares de magister dixit prometeu assumir a operação da maldita travessia rodoviária da capital e “tentar resolver” a sequência de sinistros cada vez mais assombrosos.  São 27,5 quilômetros, sob a jurisdição do Dnit federal, inaugurados pelo presidente da época, o João Goulart (1963), com objetivo de ligar as hoje BRs-040/381/262. A atual geração de jornalistas local teima em informar que o ARBH é da década de 1950. Não é. Eu e minha Lambreta fomos testemunhas de sua abertura. Já a duplicação ocorreu em 1982, após anos de extrema saturação e a via não ganhou retraçado.

Diante de opiniões agressiva e repetitivas, o meio técnico isento de paixões políticas sabe que ao ARBH não cabem soluções baratas, de curto nem médio prazos. Isto quanto a obras para sua correção, ampliação, adequação, etc. Em nó parecido, vale lembrar o final dos anos 1970, quando São Paulo padecia do mesmo mal. A Via Anhanguera, que liga a capital a Jundiaí, Campinas, Limeira, Ribeirão Preto, vivia entupida com seus 40 mil veículos diários (entre os caminhões predominavam os trucks), procurando passar por suas quatro esmirradas faixas em ambos os sentidos. Eram congestionamento frequentes acidentes, mortes, deseconomia. Tanto que diz um relatório da época: “a saturação da estrada, que serve à região desencorajou e retraiu a instalação de indústrias ou a expansão das já existentes”. A saída foi a construção da Via Norte, cujo nome mudou para a conhecida Rodovia dos Bandeirantes.

Por que a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) paulista preferiu construir uma nova e não ampliar a Anhanguera? Claro, foram outros tempos, mas o critério não se aplicaria ao ARBH? Qualquer leigo percebe que a rampa da Betânia é muito inclinada. Quanto a isto, manuais de engenharia contraindicam  a via para o colossal VMD (volume diário médio) superior a 100  mil passantes. Mesmo sem consultar o topógrafo, pode-se afirmar que no trecho há segmentos de inclinação superior a 10%, Tal ‘antiguidade’ é vista como um aleijão geométrico.

Para transformar o ‘precipício’ da Betânia em via segura não poderia subir ou descer mais de 5%. E já é muito. A Rodovia dos Bandeirantes foi feita com rampa máxima de 4,5% e distância de frenagem de 145 metros, além de curvas de raio mínimo igual a 582 metros.

QUEBRA-MOLAS − Mas alguém tem o dever de pôr um paradeiro no morticínio do ARBH. Na visão de gente mais decidida, impõe-se nova abordagem, desdobrada em ações radicais. José Natan, veterano líder classista dos caminhoneiros, disse tempos passados que a única solução salva-vidas naquela descida serão os quebra-molas, “e bem pronunciados”. O recurso drástico levaria a via a um trancamento permanente de fora a fora, no entanto os sinistros tenderiam para zero.

De toda forma, os respectivos usuários têm de se conscientizar que o trecho não comporta fantasias. Basta saber, por exemplo, que antes da primeira máquina começar qualquer corte no terreno, a construtora escolhida terá de reassentar alguns 10 mil ocupantes que habitam sua faixa de domínio desde o século passado. Por isso o veterano entendido de caminhões propõe a medida oblíqua das lombadas físicas ao longo da descida fatídica.

Dispositivos normais de controle de velocidade não têm conseguido ‘segurar’ os profissionais do volante, despreocupados com a sinalização. Despreocupados é força de expressão, filtrada das declarações dos próprios agentes de trânsito. O tenente Barreiros, da Polícia Militar Rodoviária, presente no acidente do Florentino, reclamou às TVs que os condutores não obedecem à sinalização, inclusive radares, abundantes naquele trecho crítico.

Confirmando a, vamos dizer, queixa, o inspetor (PRF) Émerson João Soares chega a se espantar com a disparada alucinada das carretas numa outra ‘via da desobediência’, a Fernão Dias, proximidades de Pouso Alegre (MG). Ele pegou várias a mais de 100 km/h. Efeito imediato? Cinco tombamentos diários naquela rodovia. A maioria em curvas, comprovando o inadequado uso do pé em velocidades mal avaliadas para o segmento, mesmo duplicado. O caminhoneiro veterano, Ericson Meireles, frequentador da rodovia há 45 anos, resume que “a turma perdeu o respeito pela estrada”.

Os ‘desabafos’ não surpreendem porque qualquer rodo-viajante sabe que a fiscalização nas estradas é de tímida a inexistente, não importa o destino. Ciente da crônica deficiência, o engenheiro e consultor em transporte e trânsito, Osias Baptista Neto, sugere carregamento exatamente na fiscalização, operando-a de “forma ostensiva”. Talvez mais: desaforadamente, suponho. No entanto, falta pessoal. Para muitos é nesse vazio que o azar prospera. E não precisa ser insistente. No dia seguinte ao do acidente, desci os seis quilômetros do ARBH, na exata serra dos Olhos d’Água e atento, seguia um Iveco truck, com os freios traseiros pegando fogo. Não parou até chegar à baixada e o superaquecimento fumacento se extinguir espontaneamente. Eram 16 horas e sua placa tinha final 15. Ninguém da PMR à vista, à qual caberia o dever de parar o ‘bota-fogo’ e enquadrá-lo.

Já José Aparecido Ribeiro, integrante da Comissão Técnica de Transporte da Sociedade Mineira dos Engenheiros prescreve outro remédio: as mal conhecidas rampas de escape. Solução de engenharia que permite ao desembestado fugir da pista principal e jogar o caminhão/carreta numa caixa com pedra britada, impondo-lhe uma parada com pouco ou nenhum dano ao veículo, carga e condutor. Lembra, porém da necessidade de desapropriar os terrenos lindeiros e arcar com os correspondentes custos. O saudoso líder rodo-classista, José Carneiro, insistiu muito nessa tese. Em vão.

 

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