Nelson Bortolin
Em 2007, a mulher de um caminhoneiro entrou na Delegacia do Ministério do Trabalho em Rondonópolis (MT), reclamando que era “viúva de marido vivo”. Segundo ela, por causa da abusiva carga de trabalho e dos rebites, seu marido tinha se afastado do convívio familiar. A mulher fez uma dramática narração das condições de trabalho do marido.
Quem a ouviu foi o médico Lamberto Henry, que, chocado, pensou em convidar alguém do Ministério Público do Trabalho para investigar a história contada pela mulher e verificar qual poderia ser o tamanho do problema. Quantos caminhoneiros estariam vivendo naquelas condições? O procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes se interessou pela questão. Ali começava a se desenhar a Lei do Descanso (12.619).
Paulo Douglas havia acabado de ser nomeado para Rondonópolis. Ele já tinha sido juiz de Direito, mas por pouco tempo. Como havia passado também num concurso do Ministério Público do Trabalho, preferiu esta função. Para ele, o Ministério Público é a ponte entre a Justiça e aqueles que não têm coragem de acioná-la. “A desigualdade no nosso País é muito grande”, afirma. E procura agir com base no sonho “de uma sociedade verdadeiramente justa”, embora ele mesmo faça esta ressalva: “Não sejamos ingênuos, esse dia não será visto por mim ou mesmo pelos meus netos, mas isso não importa. Não importa se desfrutaremos da justiça plena, basta que lutemos por ela”.
Assim pensando, Paulo Douglas partiu para buscar a comprovação do problema, com o apoio de seus colegas de procuradoria na época – faz questão de citar os nomes de Adélio Lucas, Alessandro Batista Beraldo, Priscila Boaroto e Rogério Sitônio Wanderley.
“Nas rodovias, constatamos que a situação narrada por aquela mulher era a realidade de uma grande legião de motoristas”, afirma. Isso foi possível com a realização de exames de urina em motoristas que aceitaram participar de pesquisas feitas em postos da Polícia Rodoviária Federal. Em Rondonópolis, em 104 amostras de urina, 3% deram positivo para cocaína e 8% para anfetaminas (rebite), mas, nas entrevistas, o procurador percebeu que 30% dos caminhoneiros usavam drogas e 31% trabalhavam mais de 16 horas por dia ao volante. E em outra pesquisa, em Diamantino (MT), o resultado de 103 exames de urina falou por si só: 15% deram positivo para cocaína!
Isso fez o procurador Paulo Douglas ajuizar uma ação civil pública proibindo os caminhoneiros de trabalharem mais de oito horas por dia, como diz a lei para qualquer trabalhador, “e, a partir daí, patrões e empregados sentaram para encontrar uma solução”, lembra ele.
Um juiz concedeu liminar mandando obedecer esse limite imediatamente, em todo o Brasil, e aí houve reação… dos próprios motoristas. “Algumas empresas mandaram seus empregados para a frente do prédio onde trabalhávamos para protestar”, diz o procurador. O protesto se estendeu a uma rodovia, lá mesmo em Rondonópolis, que ficou dois dias bloqueada. O desfecho teve polícia, bombas de gás, balas de borracha e mais de 30 trabalhadores detidos. “Usam os trabalhadores, sem nenhum pudor, para que eles lutem contra seu próprio direito”, diz o procurador.