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Salário não é ruim, dizem motoristas empregados

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A falta de infraestrutura na estrada e a distância da família, na visão dos caminhoneiros, explicam a falta de interesse pela profissão

Nelson Bortolin

A vida na estrada é muito sofrida. Por isso, as novas gerações não querem saber da profissão de caminhoneiro. Essa é a explicação dada pelos motoristas para o fato de o número de habilitações nas categorias C e E despencar ano a ano no Brasil (clique aqui e leia mais).

Os salários, segundo os caminhoneiros celetistas, não são ruins.

Eriberto Bela Fonte: salário tem de ser de no mínimo R$ 6 mil

O empregado Eriberto Bela Fonte, 44 anos, considera que, para arcar com a responsabilidade de levar cargas País afora, é preciso ter um rendimento mínimo de R$ 6 mil (salário fixo mais comissão e diária).

Morador de Cambé (PR), Fonte sempre foi empregado e se diz satisfeito com sua situação. Ele conta que conseguiu o atual emprego por indicação. “Geralmente é assim que a gente consegue, por indicação de outra pessoa.”

Sobre novas gerações na boleia, o paranaense acredita haver muitos jovens que entram na profissão e desistem porque veem que a vida de motorista é mais difícil do que pensavam. Mas, na visão dele, também tem muito jovem irresponsável que não para no emprego porque as empresas querem pessoas mais “comprometidas e sérias”.

Já Cassiano Vieira Pedroso, 41 anos, de Sorocaba (SP), tem uma hipótese bem pessoal para justificar a falta de motoristas: a exigência de exame toxicológico, que passou a vigorar em 2016. “O exame tirou da estrada muita gente que usava rebite. Hoje ninguém usa”, justifica.

Coincidência ou não, foi naquele ano que a quantidade de CNH nas categorias C e E começou a cair. Hoje, as multas previstas para quem não faz o exame estão suspensas. Segundo uma medida provisória que tramita no Congresso, elas só serão retomadas em 2025.

Faz cinco anos que Pedroso está na estrada. Antes, ele era motorista de ônibus urbano. Conseguiu emprego de caminhoneiro numa empresa vizinha da casa dele. “Mandei currículo. Eles estavam precisando e me contrataram.”

Para o paulista, é nítido o desinteresse dos jovens pela boleia. “Eles querem saber de tecnologia. Não querem saber de caminhão.”

Apesar de a remuneração não ser ruim – ele tira R$ 6 mil livres por mês -, Pedroso chama atenção para o problema da qualidade de vida. “É complicado ficar longe da família. A gente fica 10 dias fora e 3 em casa”, conta.

Ele não fez curso superior. Por isso, acha que seria difícil encontrar um emprego no qual ganhasse mais. “Na cidade, eu ia ganhar no máximo R$ 2 mil.”

Pedroso já tentou ser autônomo. Mas não conseguiu comprar o caminhão. “Onde a gente vai achar R$ 100 mil para dar entrada num caminhão. Por enquanto vou tocando como empregado. Não mudaria de profissão, eu gosto de que faço.”

Deoclécio de Souza Amorin: ainda vale a pena trabalhar

Deoclécio de Souza Amorin, 68 anos, de Londrina (PR), também acha que não conseguiria um emprego melhor tendo estudado só até o “primário”. “A empresa é boa, paga certinho. Ainda vale a pena continuar trabalhando”, conta.

Ele se aposentou em 2016. Na época, o patrão queria que Amorin continuasse dirigindo. “Eu falei que trabalhava desde garoto e que queria experimentar como é ficar à toa.”

Mas a experiência não foi boa e durou só um ano. “Começou a inchar tudo. O dia não acabava nunca”, recorda. O ex-patrão o levou de volta para a estrada.

Ele acredita que o grande problema da falta de mão de obra é que o “jovem não tem responsabilidade”. “Tem de obedecer muitas regras. Meu patrão não gosta de contratar jovens.”

RASTREADOR “ENJOADO”

Francisco de Assis: rastreador inferniza a vida

Outro que não avançou muito na escola foi o potiguar Francisco de Assis, 45 anos, que mora em São Paulo desde 1997. Ele foi até a “8ª série” e está satisfeito com a profissão e a remuneração. Mas, para Assis, não é todo mundo que encara essa vida. “É por causa do rastreador, que é muito enjoado. Ele inferniza a vida da gente.”

Na opinião do potiguar, o fato de ter a vida controlada a distância pela tecnologia desagrada. Ele mesmo, que carrega carga em geral, não quis encarar uma oportunidade de mudar para o transporte de combustível. “Ia ganhar mais, mas no tanque é mais enjoado ainda. Tem câmera dentro da cabine. Já pensou trabalhar com uma câmera te vigiando o tempo todo.”

Assis tem um filho de 21 anos que não quer nem saber de estrada. “Nunca se interessou. Não gosta de jeito nenhum.”

Aos 66 anos de idade, o caminhoneiro empregado Luiz Carlos Ferrari, de Rolândia (PR), não pensa em parar. “Enquanto tiver saúde, a gente continua”, conta.

Pilotando um bitrem com produtos agrícolas, ele tira “seis mil, seis mil e poucos” reais por mês e está bem satisfeito com o atual emprego, no qual está há 15 anos, de um total de 40 anos de estrada.

Tendo estudado apenas os quatro primeiros anos de escola, diz que dificilmente teria uma oportunidade melhor que essa. “Pelo grau de estudo é o melhor que consigo.”

E é só elogios para o patrão, que o deixa viajar com a mulher, Fátima Ferrari, e escolher as cargas e rotas. “Sou empregado, mas faço praticamente o que eu quero.”

O rolandense não entende por que, mas “pelo jeito” não tem motorista bom disponível. “O patrão tem outro caminhão que já passou uns 15 motoristas num ano, mas não para nenhum.”

A mulher já está há mais de 30 anos acompanhando o marido pelas estradas, tendo parado alguns períodos para ter os filhos, que a mãe dela ajudou a criar.

Como toda cristal, reclama da dificuldade que é usar banheiro nas rodovias. E também de embarcadores que não deixam ela entrar no pátio onde o marido vai descarregar. “É difícil ficar numa portaria. Esses dias me pediram para deixar a frente da empresa. Tive que ficar no sol. “

Nenhum dos filhos do casal quis ser caminhoneiro. E Fátima também não gostaria que eles seguissem esse caminho.

Já o marido tem um filho caminhoneiro empregado, que está muito satisfeito com a profissão. “Ele trabalha numa empresa boa (transporta combustível). Ganha de R$ 8 mil a R$ 10 mil sendo motorista”, declara.

NEM CARONA

Caminhoneiro autônomo de Apucarana (PR), José Cristo diz que o filho, de 18 anos, não quer nem pegar carona com ele no caminhão, quanto mais tornar-se motorista. “Essa gurizada mais nova está nessa era da tecnologia, da informação. Não vai quer saber de caminhão.”

Além da tecnologia, Cristo ressalta que os filhos de caminhoneiro só ouvem histórias ruins da estrada. “Ouvem o pai falar que é roubado, é assaltado. Que é maltratado em algumas empresas. Que tudo não dá, não pode para o caminhoneiro. Que tem muita regra em cima do caminhão”, afirma.

Por isso, para ele, mesmo ganhando menos, os jovens preferem trabalhar na área da computação.

Apesar de a indústria de caminhão ter colocado muito conforto na cabine, Cristo acha que ainda está longe de a profissão tornar-se atrativa para o jovem. “E o pessoal mais antigo está se aposentando, está deixando o caminhão. Não sei o que vai ser.”

Ele entende que falta a sociedade dar valor ao profissional. “Lá na escola você vê a professor falando para o menino ser um engenheiro. Nunca vi uma professora falar de ser caminhoneiro.”

Com um Mercedes-Benz ano 1994, ele faz pequenas viagens e diz que sobram uns R$ 6 mil ao final do mês.

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1 comentário

  1. Itamar Alves dos Santos on

    Fantástico essa matéria. É uma verdadeira aula da realidade brasileira no tangem ao transporte rodoviário.

    Parabéns,

    Itamar Santos

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