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Entidades criticam possível taxação de pneus importados

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Processo do governo pode levar medida antidumping também para a entrada de pneus montados em rodas; implementadoras e transportadoras são contra

Nelson Bortolin

Uma decisão da Secretária de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, está preocupando transportadores e a indústria de implementos. Circular do órgão, publicada em dezembro do ano passado, abre espaço para o governo estender aos pneus montados em rodas para caminhão e ônibus a medida antidumping já em vigor há duas décadas para a importação de pneus desmontados.

José Carlos Spricigo, presidente da Anfir

Tecnicamente, dumping é uma deslealdade cometida por exportadores que vendem produtos para outros países com preços muito baixos, visando prejudicar as indústrias desses países compradores. Medidas antidumping, portanto, são tomadas para evitar a concorrência desleal e proteger os fabricantes locais.

Desde o início dos anos 2000, as importadoras já pagam 16% de taxa a mais para trazer os pneus de carga ao Brasil. E, mesmo assim, vendem mais barato que as multinacionais que fabricam pneus no País. Se a nova medida for aprovada, as implementadoras brasileiras dizem que as carretas irão encarecer.

A Anfir, associação que representa a indústria nacional de implementos rodoviários, vem se posicionando contrária à possibilidade de nova taxa. O diretor presidente da entidade, José Carlos Spricigo, explica que uma parte dos pneus utilizados na produção de carretas é comprada montada em roda no exterior.

Para ele, considerar o preço de entrada desses produtos como dumping é dar “um passo atrás”. “Não favorece em nada o mercado nacional. Qualquer nova taxação vai impactar em perda de competitividade e gerar inflação.”

De acordo com Spricigo, as implementadoras não estão preocupadas só com preços. “Quando vem montado em roda de fábrica, o pneu tem um nível de segurança maior para a implementadora”, alega.

O presidente da Federação das Empresas Transportadoras de Cargas de Santa Catarina (Fetrancesc), Dagnor Schneider, também vem se posicionando contrário ao possível antidumping. “Essa é uma forma de buscar mais reserva de mercado para a indústria multinacional instalada no Brasil. Nós, por outro lado, buscamos competitividade para o transporte”, critica.

Segundo ele, os preços praticados pelas multinacionais que fabricam pneus no Brasil é “quase um cartel”. “São quatro indústrias que não têm capacidade de atendimento da demanda nacional. Já teve época de veículos ficarem parados porque essa indústria não conseguia abastecer.”

Dagnor Schneider, presidente da Federação das Empresas Transportadoras de Cargas de Santa Catarina (Fetrancesc)

Schneider lembra que o pneu é um dos principais custos variáveis do setor juntamente com o diesel. “Qualquer aumento de preços acaba nos afetando.”

De acordo com o presidente da federação, o setor apoia os importadores por se tratar de um assunto que afeta diretamente a atividade. “Buscamos trazer cada vez mais competitividade para o setor e isso deveria interessar também ao governo. Quanto mais competitividade, melhor para toda a sociedade.”

Segundo Schneider, as indústrias que produzem pneus no Brasil costumam convencer o governo de que, por serem geradoras de milhares de empregos, merecem que a concorrência estrangeira seja taxada. Mas, na opinião dele, a importação não traz perigo para a geração de empregos. “Até porque essas indústrias trabalham quase que à plena capacidade.”

Ao contrário do que dizem os caminhoneiros com os quais a reportagem conversou (leia abaixo). Schneider não vê diferença na qualidade do pneu produzido no Brasil e o importado. “Nos primórdios, nas primeiras importações, isso acontecia. Hoje não é mais assim. Tem muita gente produzindo pneu lá fora especificamente para a realidade brasileira.”

Já o preço, segundo ele, é sempre bem melhor no caso dos importados.

A reportagem procurou a Associação Nacional da Indústria de Pneus (Anip) para tratar do assunto. Por meio de nota, a entidade nega que pediu ao governo federal o aumento da taxa de importação para pneus importados.

“Recentemente o governo abriu um procedimento de avaliação de escopo em relação aos direitos antidumping aplicados às importações de pneus de carga para ônibus e caminhões, aros 20”, 22” e 22,5”, Circular Secex nº 49/2023, que estão sendo importados montados em rodas, fato que não descaracteriza o produto pneu”, diz o documento.

Brasil está com estoque elevado de importados


Consultor na área de treinamento de pneus, Roberto Tavares diz que atualmente há um estoque muito grande de pneus importados devido à suspensão da taxa antidumping determinada durante a pandemia da covid-19. Para evitar desabastecimento e mais inflação, o governo federal permitiu durante alguns anos que os pneus entrassem sem taxação no Brasil. A taxa de 16% retornou no ano passado.

A Anip considera que o avanço das importações se deve a preços artificialmente muito baixos, o que gera uma concorrência desleal. “O Brasil deve combater fortemente o comércio ilícito, como os demais países o fazem. A produção nacional envolve uma ampla cadeia produtiva, a qual se inicia na agricultura com a produção de borracha natural e segue com inúmeros produtos de alta tecnologia, gerando empregos e renda no país.”

Para ele, a suspensão foi uma medida importante, tendo em vista os riscos de o País ficar sem pneus. “Foi uma medida correta, mas demoraram muito para voltar a taxar. E agora os importadores querem continuar sem a taxa.”

Tendo trabalhado por muito tempo na Jabur Recapagens e na Renocap (ambas representantes da Bandag), ele conhece o setor como poucos e defende a medida antidumping para pneus desmontados, que começou no início dos anos 2000. “Naquela época, estava de fato bastante descontrolado o preço do pneu importado. Custava metade do nacional. Ficou comprovado que o preço que eles ofereciam era de fato irreal.”

Com a taxação, segundo ele, o mercado se equilibrou. Agora, com o excesso de pneus importados, a diferença de preço ficou grande de novo. “Se continuar desse jeito, fica mais vantajoso para essas marcas fecharem as fábricas no Brasil e passarem a exportar para cá dos outros países.” Ao contrário do direto da Anfir, Tavares alega que os produtos fabricados no Brasil são muito melhores que os importados. Mas o preço também é bem maior. “A situação do transportador está difícil. A estrada está ruim. Os impostos são pesados. E ele precisa comprar um produto mais barato.”

O consultor confirma a informação dada pelos caminhoneiros ouvidos pela reportagem. Um pneu produzido no Brasil permite ao menos duas recapagens. E o importado, segundo ele, apenas uma. Já motoristas entrevistados alegam que os importados não permitem sequer uma recapagem.

Diferença de preço é grande

O caminhoneiro autônomo Marcelo Fidelis, de Londrina, só compra pneu importado. Dono de um Mercedes-Benz 1935 (ano 1996), ele puxa uma LS e, no conjunto completo, usa 22 pneus. “Se eu pudesse, eu comprava Michelin. Mas não tem como”, afirma.

Ele paga R$ 1.400 num importado do qual nem lembra a marca. “Mas eu não recapo nenhuma vez. Uso até acabar.”

Marcelo Fidelis

O paranaense diz que, pelo preço do pneu nacional, ele compra dois importados. Transportando cargas variadas principalmente pelo Nordeste, alega que tem de fazer troca a cada um ano. “Conforme vai precisando eu vou trocando e já deixo a carcaça na loja.”
Já Balbino de Souza, de Porecatu (PR), afirma que, quando tem promoção, prefere comprar nacional de “segunda linha”. “Comprar Michelin tá difícil.”

Dono de um Iveco 410 (ano 2011), ele transporta carga lotação e tem 20 pneus no conjunto. Na maior parte das vezes, opta pelo importado. “Acho que um Michelin deve estar na casa dos R$ 3 mil. Faz tanto tempo que não compro.”
Souza usa a marca XBRI. Cada unidade sai a R$ 1.800. Ele consegue fazer uma recapagem com o importado. Para Souza, valeria a pena comprar Michelin se a marca oferecesse quatro vidas e não três. Cada recapagem sai a R$ 550.

Mais ou menos a cada dois meses ele compra um par de pneus, leva para casa e vai trocando sempre que precisa.

Normalmente, segundo o paranaense, as lojas vendem os importados em quatro parcelas, mas às vezes acha alguma promoção. “No final do ano, comprei dois para pagar em 10 vezes.”

Balbino de Souza

Hildo Passo, de Jacareí (SP), tem comprado nacionais e importados. Ele tem um truck com 10 pneus no total. E comprou recentemente pneus Goodyear a R$ 2.300. “Está um preço bom.“
Geralmente, usa os nacionais na frente e os importados, que compra a R$ 1.200, atrás do veículo. “O importado eu nunca recapo.”

A reportagem conversou com caminhoneiros que preferiram não se identificar que compram pneus de origem desconhecida – provavelmente contrabandeados. Esses produtos são ofertados por meio de aplicativos. “É só você pedir que os caras trazem para você”, contou um deles.

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