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Fernão Dias faz 60 anos

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A respeitável senhora completa seis décadas diante de um impasse. Sua rodabilidade cobra intervenções caras para corrigir aleijões de nascença que matam e ferem. O governo (novo) reconhece e quer dar-lhe recursos via aumento do pedágio

Luciano Alves Pereira

Dia 25 de janeiro, a Fernão Dias (originalmente BR-55, depois BR-381) completou 60 anos. Acompanhei o antes, o durante e o atual desta que, como já se sabia, tornou-se a principal via troncal de carga e passageiros entre Minas e São Paulo, estendendo-se ao Espírito Santo e a todo o Nordeste. Equiparou-se em importância à Estrada Real nos tempos da colônia e substituiu a Estrada de Ferro Central do Brasil na primeira metade dos anos 1900.

A foto da inauguração no trevo de Betim (MG) mostra o início das mudanças ocorridas no país. A frota era de carros importados, já aparecendo a Mercedes bicudinha L-312 no canto esquerdo superior (Posto Veiga)

Em 1959, Juscelino Kubitschek inaugurou a sua pista única asfaltada, na realidade a obra não estava concluída. A oposição ao PSD, partido do presidente JK não deixou passar batida a oportunidade de criticar. Os ataques vinham da UDN, liderados por Roberto Marinho, sucessor de Irineu e dono do jornal carioca O Globo.Naquela manhã, JK e comitiva foram para o trevo de Betim (antigo km 10) e descerraram a placa de bronze aos pés do obelisco, ainda existente. Nele vinha estampado o brasão do bandeirante Fernão Dias.

FAMA − A Fernão Dias logo pegou fama de via de trânsito perigoso. O seu tráfego era escasso e ainda assim não faltou quem morresse e se ferisse em suas centenas de curvas dos anos 1950, ainda hoje presentes. Caso do advogado, professor e político João Pimenta da Veiga, em meados de 1960. Ele era pai de outro João, que foi prefeito de BH, deputado federal constituinte e candidato derrotado para governador em 2013. O primeiro morreu em Itaguara (MG), a 90 quilômetros da capital.

Projetada conforme conceitos de engenharia rodoviária da época, só contou com recursos e equipamentos disponíveis. Seu traçado definitivamente não ficara bem resolvido diante do relevo desfavorável ao longo dos seus 562 quilômetros de extensão. O brasileiro mais distante do litoral começava a se familiarizar com essa máquina chamada automóvel, rolando sobre pistas asfaltadas e o número de fatalidades assustava. Tanto que o caminhoneiro José Roberto Silva, de Itapeva (MG), às margens da via, acreditava que “devido à energia vinda do mundo dos mortos, ao longo do trajeto, fazia qualquer viagem ficar ‘carregada’ [do ponto de vista da espiritualidade], requerendo orações e outras defesas”. É a crença dele. Silva esteve agregado na Empresa de Transportes Minas-Goiás (descontinuada), de BH.

LERO-LERO − Enquanto isso o DNER, cada vez mais sem verbas, deixava a ‘abóbora alastrar’. No final dos anos 1980, vários quilômetros da sua pista única ainda não dispunham de acostamentos decentes nas cercanias de Três Corações (MG), por exemplo.

Em 1959, o mesmo DNER afirmava que a Fernão Dias estava sendo liberada aos passantes como de Classe I, mediante especificações: curvas de raio mínimo de 100 metros, rampas máximas de 6% e distância mínima de visibilidade de 130 m. Muito lero-lero. O traçado de várias curvas, medido por régua e compasso, não conferia. Em rampas, pior ainda. Várias passavam de 10%.

Aí veio o sonho da duplicação. Ainda no governo de Fernando Collor (anos 1990), iniciou-se com o projeto a cargo do DER-MG. Sua construção contou com recursos da União, no montante de R$ 1,023 bilhão, do qual R$ 144 mi de contrapartida do governo de Minas. Após a concorrência, obras em andamento, apareceu o Plano Real e tudo parou por um tempão. Houve nova concorrência e a segunda pista levou 15 anos para ficar com cara de coisa semipronta.

Àquela altura, o VMD (volume médio diário) impunha à via simples, não apenas altos riscos devido à saturação, como lentidão e tortura. Mas vinha a duplicação para o bem de todos. Tal foi captado pelos governantes sem recursos, o que resultou numa segunda pista, cópia mal ajeitada da primeira, mantendo-se os aleijões originais. Resumindo, ficou bem aquém do que se entende por autoestrada, como as de São Paulo. Opinião reforçada por um engenheiro do DER-MG, atuando na obra: “Uma reles segunda pista pelo trecho serrano [por exemplo]de Igarapé e Itaguara, resultará numa rodovia duplicada sim, mas obsoleta”, conforme registrado na Revista Veiculo  de março de 2006.

FLUIDEZ − Embora tenha aumentado sua capacidade, a via enfrentou acelerado aumento de tráfego, frequentemente interrompido em pontos e segmentos críticos. Hoje a operação dessa “estrada sinuosa”  virou desafio. De acordo com a Arteris, sua concessionária desde 2012, a Fernão Dias “completa seu sexagésimo aniversário em janeiro, comemorando a redução de 54%  no total de vítimas fatais em acidentes no trecho entre Contagem e Guarulhos (SP)”. O índice passou de 216 em 2010 para atuais 99. “É o menor número de fatalidades registrado durante os anos de concessão”, acrescenta a Arteris. O total de acidentes também teve queda de 18% durante o período e passou de 9.126 episódios para 7.412, numa redução de 1,7 mil sinistros.

Outros números da Fernão Dias são igualmente expressivos. Ela recebe cerca de 200 mil veículos por dia, sendo 60% de tráfego pesado, ou seja, caminhões de todo tipo. Isto dá 120 mil cargueiros entupindo as pistas e seus oito postos de pedágio, à tarifa de R$ 2,40 por eixo. Apesar do resultado numérico alcançado, a segurança e fluidez fernandianas precisam melhorar. Há um ano, levantamento da concessionária apurou que a estrada ficou ‘parada’ durante três meses, se somados os tempos de interrupção causados pelas ocorrências ao longo do ano. A Arteris fez a estatística no trecho de 300 quilômetros entre Santo Antônio do Amparo a Extrema, ambas em MG. Em muitos casos, as duas pistas ficaram trancadas por horas. Foram 64 ‘deitadas’ de carretas e/ou bitréns. Dão mais de duas ocorrências a cada três dias.

ESCAPE − Visando liberar rápido o tráfego em tais situações, a concessionária criou 11 novos desvios operacionais ao longo da malha administrada “para complementar as ações do plano de contingência já estabelecido”, diz a nota da Arteris.  Melhor explicando, em pontos estratégicos, cerca de 30 m de defensas metálicas ou muretas separadoras fixas foram retiradas. No seu lugar vieram módulos de concreto pré-moldado removíveis por guincho e o canteiro central asfaltado. Na emergência de utilizar a pista contrária ao acidente e abrir uma ‘meia mão’ no contra fluxo, os ‘tapumes’ são retirados e o congestionamento mitigado.

São medidas de baixo custo e encorajadoras. Já profissionais de fiscalização foram diretos. Em recente e privilegiado encontro com três agentes da PRF, registrei opiniões mais taxativas. Eles atuam na rodovia e são unânimes na prescrição do “único remédio para os males da estrada e para os quais não adiantam paliativos”. No entender deles, é preciso corrigir os numerosos pontos e segmentos críticos. Citam, por exemplo, a curva do viaduto dos Quéias, no km 525 da serra de Igarapé. Farta sinalização, radar, reza braba e as ocorrências não caem para o zero acidentes. Diminuíram, mas semana sim, semana não, tem um tombado na virada. E assim, vários outros km entre Contagem e Guarulhos requerem ‘cirurgia de grande porte’.

Não se sabe se tal pensamento contaminou Brasília. O certo é que a Folha de S. Paulo publicou em 12 de fevereiro que o ministério da Infraestrutura estuda aumentar as tarifas do pedágio para sete rodovias do Sudeste e Sul.  A majoração ficaria “na média de 25%”. Já à Fernão Dias “caberia o reajuste de 58%”. Os atuais R$ 2,40 por eixo saltariam para 3,80, com o quê “a concessionária faria frente a R$ 1,2 bilhão em investimentos”, adiantou o titular da pasta, Tarcísio de Freitas.

Seria para as tais ‘intervenções cirúrgicas’? Não se sabe ainda. O ministro afirmou à Folha que “nessas estradas há pedágios muito baixos. A questão é saber se a população aceitaria pagar um pouco mais para ter uma terceira faixa, por exemplo. Para saber, vamos fazer consulta pública”.

Antes de se imaginar que a equação esteja montada, atento motorista da Sitcar, de Poços de Caldas (MG), acrescenta que outros quesitos têm de ser pensados ‘pra ontem’ na Fernão Dias: 1) ainda há absurdos trechos fernandianos sem sinal de celular; 2) não adianta adiar, a estrada precisa de pontos de parada e descanso (PPD) seguros e sem custo para os caminhoneiros; e 3) o socorro da concessionária está demorado, possivelmente pela grande demanda.

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