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Novos destinos para a safra do Centro-Oeste

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Estradas precárias, longas distâncias, custos elevados, congestionamentos em portos abarrotados. Esse tem sido o panorama do transporte (basicamente rodoviário) de grãos das ricas safras agrícolas do Centro-Oeste. Mas isso vai começar a mudar já na próxima safra, com o crescimento da participação dos modais fluvial e ferroviário. Muita soja que hoje vem para o Sul/Sudeste poderá ser exportada pelos portos do Pará e do Amapá. Não estamos falando só de planos – existem obras em andamento. O que deve mudar no transporte de produtos agrícolas e em quanto isso pode afetar os transportadores rodoviários é o que apresentamos nesta reportagem

Nelson Bortolin

Já na próxima safra, deverá ter início um importante processo de mudanças no transporte rodoviário de grãos em Mato Grosso.

A primeira: com a conclusão das obras de pavimentação da BR-163, até Santarém, no Pará, poderão entrar em funcionamento os terminais fluviais paraenses de Miritituba, no Rio Tapajós, inaugurando uma rota rodoviária que tende a crescer muito.

Num segundo momento, daqui a uns cinco anos, a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO) chegará a Lucas do Rio Verde (MT), novidade que, estimam as autoridades, terá grande impacto no transporte de grãos. Em Campinorte (GO), seu ponto inicial, a ferrovia vai se interligar com a Norte-Sul, permitindo a subida dos grãos para os portos do Maranhão.

E espera-se por um terceiro momento, um projeto ainda sem nome, mas que já atraiu a atenção de investidores chineses: uma ferrovia margeando a BR-163 ao longo dos 1.700 km entre Cuiabá e Santarém. Isso afastaria os caminhões do transporte de grãos a longas distâncias.

Levar a soja rumo ao Norte é questão de vida ou morte para o agronegócio, tendo em vista o esgotamento da capacidade dos portos do Sudeste e Sul e o desejo crescente de conter custos de frete. A saída “por cima” é mais barata e também representa três ou quatro dias a menos de viagem de navio do Brasil à Ásia, o que torna o grão do Centro-Oeste mais competitivo.

Desta vez, parece que o governo está mesmo se mexendo para incluir outros modais no transporte de grãos. Resta saber o quanto eles serão eficientes para concorrer com os caminhões num cenário de sucessivos recordes de produção. A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) estima que, em cinco anos, a FICO, a hidrovia a partir de Miritituba e outros projetos hidroviários serão capazes de levar 21 milhões de toneladas de grãos. No mesmo período, a safra deve crescer em 18 milhões de toneladas.

No ano passado, a Transportadora Bergamaschi, de Rondonópolis, fez experiências em direção a Miritituba. A falta de pavimento em cerca de 500 km provocou gastos excessivos com pneus, mas o teste foi suficiente para o diretor da empresa, Dirceu Capeleto, ter uma noção do que os terminais graneleiros vão representar. “Vai ser um dos maiores portos fluviais do mundo. Creio que estamos diante de um novo corredor de exportação, sem comparação com outros”, afirma. A Bergamaschi está com toda a energia voltada para explorar a rota.

Fonte: Plano Nacional de Integração Hidroviária (PNIH)

A chegada da Ferronorte (ALL) a Rondonópolis neste ano, apesar da promessa da concessionária de levar muito mais grãos, não deve ter um peso muito grande. Segundo Capeleto, ninguém acredita que a ALL fará grandes investimentos em novas composições. “Esses 200 km de trilhos de Alto Araguaia até aqui foram feitos mais por interesse de movimentos políticos do que por razões técnicas”, acredita.

De acordo com o empresário, o terminal, que deve ser inaugurado nos próximos meses, servirá mais para “atrapalhar” a logística. “Se em Alto Araguaia já é o caos, imagine como será aqui. O trânsito de caminhões vai deixar a cidade inteira travada. No mínimo, esse terminal deveria ter sido construído além de Rondonópolis”, avalia.

Já a FICO, quando ficar pronta, na visão de Capeleto, vai reduzir bastante a necessidade de caminhões. Mas ele estima que o transporte rodoviário continuará sendo necessário em outra região do Centro-Oeste que não será atendida por essa ferrovia. Trata-se do Noroeste de Mato Grosso, onde pastagens degradadas estão sendo trocadas por soja. Essa produção terá que ser levada aos portos do Pará.

Genir Martelli, da Martelli Transportes, afirma que há ainda muito a ser explorado pelo segmento rodoviário em Mato Grosso. Levar a soja até Miritituba representará cerca de 200 km a mais no “tiro médio” dos caminhões, que hoje é de 800 km. “Esta é uma alternativa positiva para nós e para o produtor rural, que terá um frete mais baixo”, afirma.

Com a FICO, que ele acredita que só ficará pronta em 2020, a coisa começa a preocupar. “Não tenho receio dos próximos cinco anos”, diz ele. Martelli também ressalta que, apesar de ser inevitável o crescimento dos outros modais, a produção continuará crescendo e precisará ser transportada.

Para Cláudio Adamuccio, presidente do G10, de Maringá, o avanço dos outros modais no transporte de grãos é “uma tendência normal e natural”. Ele diz que, no Sul do País, as longas distâncias rodoviárias já são exceções. “Quando começamos, o normal era trazer a soja de Mato Grosso para Paranaguá. Há 10 anos que a gente traz para Maringá (onde é transbordada para o trem)”, explica. Ou seja, viagens de 1.500 km foram substituídas pelas de 500 km ou 600 km.

Na previsão de Adamuccio, dentro de poucos anos, 90% das viagens de caminhões serão médias ou curtas.

Governo quer apenas 30% das cargas nas rodovias

No Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT), lançado no ano passado, o governo federal propõe uma meta extremamente ousada: quer reduzir a participação do modal rodoviário no transporte de cargas para menos da metade. Hoje, 61,1% dos produtos são levados por caminhão; em 2025, esse volume não passaria de 30%. O modal aquaviário é o que mais deve crescer, de 13,6% para 29%, segundo estima o governo.

Isso significa elevar o volume de cargas levadas por barcos de 240 para 440 milhões de toneladas no período de 2015 a 2025, segundo o recém-elaborado Plano Nacional de Integração Hidroviária (PNIH), que abrange cinco bacias hidrográficas brasileiras. No grupo dos granéis sólidos agrícolas (açúcar, cereais, arroz, café, cana, milho, soja e trigo em grãos), a quantidade subiria de 34 milhões de toneladas para 86 milhões de toneladas.

Para Miritituba, o plano prevê 3,3 milhões de toneladas de grãos em 2015 e 4,4 milhões em 2020. Depois haverá uma redução para 1,6 milhão de toneladas em 2025, porque, até lá, o governo quer viabilizar a hidrovia Teles Pires-Tapajós, levando as barcaças para mais perto das áreas de produção, ligando o Norte de Mato Grosso ao Rio Tapajós.

Tradings já estão em Miritituba, no Pará

O Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (DNIT) garantiu à Carga Pesada que as obras de pavimentação da BR-163, no Pará, estarão prontas ainda neste ano. Com isso, o acesso rodoviário a Miritituba – distrito do município de Itaituba –, no Oeste do Pará, estará viabilizado. A distância de Miritituba a Cuiabá é de 1.400 km. De lá, pelo Rio Tapajós, a soja vai até o Rio Amazonas e, depois, tem duas opções de destino: os portos marítimos de Vila do Conde, em Barcarena, no próprio Pará, e de Santana, no Amapá.

Obras na BR-163: ainda existem 500 km para serem asfaltados

Segundo Adalberto Tokarski, superintendente da Navegação Interior da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), existem várias empresas interessadas em se instalar em Miritituba para explorar o transporte de grãos pelo Rio Tapajós. As tradings ADM, Bunge e Cargill são algumas. A Hidrovias do Brasil e a Companhia Norte de Navegação e Portos (Cianport) também.

“Depois do licenciamento, a construção de um terminal desses não demora muito. É de se esperar que na próxima safra o porto esteja funcionando a todo o vapor”, afirma Tokarski. O superintendente destaca que o transporte de soja pelo Rio Tapajós vai requerer nova infraestrutura de recepção, já que o porto de Santarém estaria sobrecarregado. “Até o ano que vem teremos dois novos terminais aptos para receber os grãos, na região de Belém, na Vila do Conde”, afirma.

Tokarski, da Antaq: porto deverá funcionar na próxima safra

O diretor de Planejamento da prefeitura de Itaituba, Dirceu Frederico, é menos otimista em relação ao prazo. Ele conta que somente a Bunge obteve até agora a licença de instalação e está construindo o terminal. Mas ainda falta o licenciamento para funcionar, que é conferido pelos órgãos estaduais.

Ele disse que a Hidrovias do Brasil e a CIanport realizaram audiências públicas e aguardam licença para construção. As demais estão mais atrasadas. “Talvez na próxima safra essas três estejam trabalhando”, afirma o diretor.

Dirceu Frederico informa que os terminais não servirão somente aos grãos. As barcaças também trarão produtos fabricados em Manaus em direção ao Sul e ao Sudeste do País.

“Onde vão ficar as carretas?”

O município de Itaituba, segundo seu diretor de Planejamento, Dirceu Frederico, é cortado por um rio enorme, o Tapajós, mas seus recursos são escassos – não dispõe nem de água tratada. Ele estima que, em época de safra, os terminais de transbordo da soja chegarão a movimentar duas mil carretas por dia.

“Onde vão ficar essas carretas, quais serão as condições de tráfego, haverá um entreposto?” – são perguntas que ele faz, preocupado com as respostas que elas precisarão ter.

A cidade, que tem 97 mil habitantes segundo o IBGE e 131 mil de acordo com a prefeitura, está fazendo a revisão do seu plano diretor. “Estamos negociando contrapartidas com as empresas que vão explorar os terminais de grãos. Teremos aumento de demanda no que diz respeito à saúde e à segurança pública”, diz.

O diretor afirma que o porto pode ser tanto uma solução para a cidade (vai gerar 25 mil empregos diretos e indiretos), como representar o caos, se as empresas e os governos estadual e federal não ajudarem o município.

Será preciso um grande esforço conjunto para que Miritituba não se torne mais um destino de sofrimento para os caminhoneiros.

Safra continuará crescendo, diz Aprosoja

Nas contas da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), nos próximos cinco anos os novos projetos hidroviários e ferroviários vão passar a transportar 21 milhões de toneladas de grãos. Mas a produção do Estado vai crescer quase o mesmo tanto: 18 milhões de toneladas.

Isso significa que ainda haverá muita carga a ser levada pelos caminhões. A menos que os outros modais surpreendam em produtividade.

O coordenador do Movimento Pró-Logística da entidade, Edeon Vaz (foto ao lado), acredita que, quando
todas as empresas estiverem operando em Miritituba, dois milhões de toneladas poderão ser embarcados por lá. “Será uma excelente opção. Poderia embarcar muito mais, mas o porto ficará limitado à capacidade da BR-163”, justifica.

Com a pavimentação total dessa via no Pará, ele estima que Santarém também poderá embarcar um milhão de toneladas. Já a FICO, chegando a Lucas do Rio Verde, levará, nas contas dele, 12 milhões de toneladas.

Também em cinco anos, ele acredita no fim das obras da BR-158 (que vai até Altamira, no Pará), e mais três milhões de toneladas poderão subir pelo Rio Tocantins. Outros três milhões poderiam chegar à Ferrovia Norte-Sul, quando a BR-080 (em Mato Grosso) estiver pronta.

Alternativa também interessante no ponto de vista de Vaz é a hidrovia dos rios Paraguai e Paraná, que teria como levar mais três milhões de toneladas para Nova Palmira, no Uruguai – obra que ele acredita possível para os próximos cinco anos.

A Ferrovia Cuiabá-Santarém levaria mais 10 milhões de toneladas. Mas é um projeto para ficar pronto, se ficar, dentro de 10 anos, na opinião do coordenador. De uma coisa ele tem certeza: “O governo está realmente empenhado nesses projetos”, afirma.

Otimismo no transporte ferroviário

Janaina Garcia

Vilaça da ANTF: previsão de crescimento das ferrovias

O presidente executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça, diz que, até 2018, a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO) estará em Lucas do Rio Verde e, até 2020, em Vilhena (RO). Quanto ao projeto de trilhos ao longo da BR-163, ele não arrisca um prazo e admite que os chineses são grandes interessados. “Mas eles terão de concorrer nas licitações”, declara.

Representando 11 das 12 concessões existentes hoje – responsáveis por 28,3 mil km de trilhos –, ele se diz otimista em relação à expansão do modal. “Temos uma expectativa muito grande de que as ferrovias, que hoje transportam 26% das cargas no Brasil, passem a levar até 35% em 2020”, afirma. As principais cargas visadas pelos ferroviários são minério, produtos siderúrgicos, carvão, e o complexo soja-açúcar-álcool.

Vilaça lembra que as atuais concessões completaram 16 anos e que há mais 14 pela frente. “Temos no espólio da antiga Rede Ferroviária Federal o nosso maior problema, que é o administrativo, burocrático”, reclama. De acordo com ele, o principal “gargalo” do setor é ter que conviver “com a ineficiência do Estado”.

Ele considera que o governo não ajuda a solucionar problemas técnico-administrativos que vão contra o interesse do usuário de ferrovias. “O usuário só tem um desejo, saber quanto vai pagar de frete e se o frete é mais barato que o do caminhão”, explica.

Scania aposta nos “tiros curtos”

O diretor-geral Leoncini: caminhões pesados sempre serão necessários

“O caminhão deve ser a perna dos outros modais. Não faz sentido carregar soja por 2.500 km de estradas.” São palavras do diretor-geral da Scania, Roberto Leoncini. “O tiro curto é benéfico para o transportador rodoviário, principalmente agora, com a limitação do tempo de direção”, diz ele, em referência à Lei 12.619 (Lei do Descanso).

Isso não quer dizer que haverá menos trabalho para caminhões pesados como os Scania, na ótica do diretor. “Os pesados são mais robustos e podem fazer boas médias horárias, se as estradas forem boas”, diz ele. Atualmente, os pesados estão atendendo as necessidades de um mercado em que os transportadores estão investindo em implementos maiores. “Em virtude da Lei do Descanso, ou eles aumentam a frota pra não perder a participação no embarcador, ou eles vão procurar uma saída de transportar mais carga com o mesmo motorista. E aí entram os nove-eixos”, afirma.

De acordo com Leoncini, o transporte de grãos é responsável por 45% das vendas da Scania. “No ano passado, esses transportadores postergaram as compras e isso refletiu diretamente nos números da Scania”, alega. Neste ano, com a retomada dos investimentos no setor graneleiro, as vendas da montadora subiram. “É um termômetro”, considera o diretor.

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