SETEMBRO DE 2010
Vizinha de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, a cidade tem uma vida – e uma indústria – voltada para o caminhão. “Só não construímos caminhão porque nos falta montadora”, diz o prefeito
Guto Rocha
Na praça da Matriz, no centro de São Marcos (RS), um monumento confirma que esta é uma cidade dos caminhões: a concha acústica, tão comum em cidades do interior, aqui tem um formato de cabine de caminhão. Em plena Serra Gaúcha, São Marcos acaba de completar 47 anos de emancipação da vizinha Caxias do Sul, de onde veio a ligação ao caminhão e ao transporte de cargas. “São Marcos é o que é hoje por causa do caminhão”, diz o prefeito Evandro Bonella Ballardin, 43 anos.
Com largas avenidas pavimentadas com paralelepípedos, que dão um charme especial à cidade, São Marcos abriga uma grande frota de caminhões – cerca de 3.500, segundo o prefeito. Como o município tem pouco mais de 20 mil habitantes, são cerca de seis moradores para cada caminhão. A grande maioria dos possantes é Scania, o que fez a marca declarar São Marcos “a cidade Scania do Brasil”.
Ballardin observa que, há não muito tempo, as empresas de transporte eram a grande força econômica da cidade. “Mas por uma questão de logística e por causa dos pedágios, muitas acabaram indo embora”, observa. São Marcos já foi sede da Rodoviário Michelon, empresa pioneira que foi considerada, na década de 90, a maior do ramo na América Latina. Ainda assim, muitas transportadoras, pequenos frotistas e autônomos continuam lá.
Só que, hoje, o principal motor da economia da cidade está na indústria metal-mecânica e nos serviços ligados aos brutos. “O setor metal-mecânico representa 60% da arrecadação do município, sendo que, desse total, 40% vêm das fábricas de autopeças”, comenta o prefeito. Mas o transporte de carga representa 20% do orçamento municipal.
A indústria voltada para o caminhão também é expressiva. Em São Marcos são produzidas capas, cortinas, tapetes para cabines, peças, surdinas, tanques e outros equipamentos rodoviários. A maior empresa do município em produção e em geração de impostos é a Instaladora São Marcos, que produz os componentes automotivos Bepo.
Em São Marcos existem empresas especializadas em pinturas, reformas, alongamento de cabines, chapeação, recapagem de pneus, entre outros serviços. “Hoje, a gente só não monta o caminhão por falta de montadora. O resto a gente faz”, garante o prefeito.
Diminuíram as mortes em acidentes. Será que foi a fé?
Na década de 1950, carretões com tração animal levavam toras de araucária para a indústria moveleira da região de São Marcos. Logo em seguida, com a pavimentação da BR-116, que cruza a cidade, o caminhão começa a substituir as carroças. Segundo o presidente da Associação dos Motoristas São-marquenses, Ary Mário Renon, a rodovia abriu uma nova frente de trabalho para os moradores locais, que viviam basicamente da agricultura: muitos aderiram ao transporte de carga.
Em pouco tempo, São Marcos virou cidade do caminhão. E onde tem caminhão, em geral, tem história de fé. Renon lembra que no início dos anos 1970 um número incomum de caminhoneiros do município perdeu a vida em acidentes de trânsito pelo país. “A comunidade ficou preocupada e procurou o padre para pedir ajuda”, conta. Então foi formada uma comissão de caminhoneiros que foi até Aparecida (SP) para buscar uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. “A santa foi recebida com uma grande procissão. Desde então, não se sabe se por conscientização dos motoristas ou pela fé, os acidentes diminuíram bastante”, diz Renon.
Foi quando surgiu, há 39 anos, a Festa de Nossa Senhora Aparecida e dos Motoristas de São Marcos, que é realizada em outubro. A festa também envolve negócios. “Este ano tivemos 40 expositores, 14 a mais que no ano passado”, comenta Renon. No último dia, um domingo, há sempre uma grande procissão de caminhões e carros de passeio entre a Igreja de São Cristóvão, padroeiro dos motoristas, e a Matriz. Ali, padres dão a bênção, diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida.
A festa, que começou organizada pela Igreja Católica, passou a ser promovida pela Associação dos Motoristas São-marquenses. Renon diz que hoje a associação reúne 1.500 sócios, dos quais apenas 30% são caminhoneiros. “Mas a diretoria toda tem ligação com caminhão”, comenta. A associação, diz ele, ainda mantém um fundo para auxiliar os caminhoneiros com dificuldades nas rodovias e oferece um seguro de vida para esses profissionais. “Também estamos planejando criar uma escola para a formação de novos motoristas”, diz.
Ele mesmo foi caminhoneiro durante seis anos. “Assim que tirei a carteira de motorista, fui trabalhar com caminhão”, conta. Seus quatro irmãos também foram caminhoneiros. Eles se juntaram depois para abrir uma transportadora. E mais tarde abriram uma recapadora, que hoje ele comanda com um irmão.
O motorista Leandro foi quase perfeito. Faltou paciência
“Nunca gostei de trabalhar na roça. Mas, naquela época, aqui ou era enxada ou era caminhão. Então, quando fiz 18 anos, tirei carteira e seis dias depois já estava dirigindo caminhão”, conta o aposentado Henrique Dal’Lago, 56 anos. Ele diz que aprendeu a dirigir com o irmão mais velho. E, dos oito irmãos, seis foram caminhoneiros. “Três ainda estão na estrada”, comenta.
Dal’Lago trabalhou como empregado e como autônomo. E com 25 anos de profissão se aposentou. Mas não parou de trabalhar. Hoje ele é sócio, com os filhos Leandro e Leonardo, de uma pequena transportadora, que tem três Scania e três carretas. O filho mais velho, Leandro, 36 anos, é caminhoneiro há 18 anos. “Com 18 anos e 35 dias também já estava fazendo minha primeira viagem de caminhão”, recorda. Antes, ele havia sido office-boy do Banco do Brasil. “Mas optei pelo caminhão, é de família, está no sangue”, comenta.
O amor pela profissão fez com que Leandro buscasse formação complementar. Ele conta que fez um curso de Caminhão-escola Avançado, da Fabet, em Concórdia (SC) e o curso Master Driver da Scania, em São Bernardo do Campo (SP). Com isso, conseguiu se destacar no concurso nacional promovido pela Scania. Na fase regional, em 2008, ficou com o primeiro lugar. Na fase nacional, ficou em segundo. Quase foi considerado o melhor motorista do Brasil. “Só não peguei o primeiro lugar porque falhei nas manobras. Me faltou o que todo motorista precisa ter: paciência e sangue frio”, disse.