SETEMBRO DE 2010
A onda é forte, e atinge principalmente os agregados: as transportadoras querem que eles abram empresas individuais, para evitar que, algum dia, eles aleguem que tinham um vínculo semelhante ao de empregados – e cobrem direitos extras por disso. Lideranças dos autônomos são contra, mas é difícil segurar a “onda”. Esta reportagem dá um panorama da situação e ainda responde esta importante pergunta: o que é mais vantajoso em relação aos impostos – continuar autônomo ou se transformar em “pessoa jurídica”?
NELSON BORTOLIN
Em relação a impostos, você sabe, existem dois tipos de “pessoa”: a pessoa física, que é quem tem CPF – um empregado ou um autônomo prestador de serviços, por exemplo – e a pessoa jurídica, que tem CNPJ e é sinônimo de empresa, mesmo que seja uma empresa bem pequena, sem empregados, tocada pelo dono. Num caso e no outro, as obrigações em relação ao pagamento de impostos são diferentes.
No Brasil, caminhoneiro que tem seu próprio caminhão e anda por aí prestando serviços a terceiros sempre foi sinônimo de autônomo. No resto do mundo, em geral, também é assim. Mas, entre nós, essa realidade tem sofrido mudanças, em parte por causa de uma situação econômica em que todos, na cadeia do transporte, andam com as margens de lucro cada vez mais apertadas, em parte por causa do arrocho dos impostos, do qual todos querem se livrar.
O fato é este: muitos autônomos andam abrindo firmas – ou seja, virando pessoa jurídica – pela conveniência de atender, assim, ao desejo das transportadoras para as quais trabalham. De imediato, pode-se dizer que existe algo a ganhar com isso: como pessoa jurídica, o autônomo pode oferecer seus serviços diretamente ao embarcador – ele, afinal, é uma transportadora, com nota fiscal e tudo. Mas existem outras reflexões a fazer. Em relação aos impostos, por exemplo, se o faturamento for baixo, sei mais caro do que para o autônomo (veja demonstração na pág. ___).
As transportadoras preferem contratar quem tem firma. De cara, não precisam recolher a contribuição patronal ao INSS, como recolhem para o autônomo. Num frete de R$ 4 mil, isso representa uma economia de R$ 160. Além disso, evitam o risco de serem alvos de ações trabalhistas movidas por ex-agregados.
A Rota 90 apresenta outras razões. Com sede em Ibiporã (PR), a empresa conta com 500 terceirizados – 85%, pessoas jurídicas. “A negociação de apólices de seguro é mais difícil e mais cara com pessoas físicas”, diz o gestor de Frota, Fernando Delfino.
A empresa quer trabalhar apenas com pessoas jurídicas no futuro. “Os 15% que faltam são o pessoal mais antigo, mas estamos orientando a todos sobre o processo de abertura de empresas”.
De acordo com Delfino, a Rota 90 investe em carretas e rastreadores para os terceirizados utilizarem em regime de comodato, “mas para isso eles têm de ter um CNPJ e caminhão com no máximo cinco anos de uso.”
A Rodonaves, de Ribeirão Preto (SP), que tem 50% da frota de distribuição nas mãos de agregados, também quer todo mundo com CNPJ. “É importante que o terceiro trabalhe dentro da mesma cultura que a gente. Então, nós treinamos todos. E estamos vendo melhores resultados com os microempresários”, conta o gerente de tráfego da empresa, Mário Sérgio Assumpção.
Segundo ele, o microempresário é mais estável que o autônomo e “retorna mais rápido” o investimento feito pela transportadora. “O vínculo com a pessoa jurídica se mostra mais duradouro”, afirma.
Assumpção admite que a contratação de pessoas jurídicas é uma forma de a empresa se resguardar da lei trabalhista. “Muito motorista trabalha aqui seis meses, recebe treinamento e depois sai pedindo hora-extra, por exemplo”.
A terceirização, segundo ele, é uma tendência no setor de transporte e 80% dos terceiros da Rodonaves caminham para a constituição de empresas. “Eles receberão o nosso apoio inclusive na hora da renovação da frota”, afirma.
Sindicatos pedem “cuidado” e querem redução do IR na fonte
A maioria das entidades de autônomos acredita que a abertura de microempresas é vantagem apenas para a transportadora. O presidente do Sindicam-SP, Norival de Almeida, diz, por exemplo, que é preciso tomar cuidado com os impostos. “O caminhoneiro tem de ver que vai tirar um prolabore (isto é, o seu “salário”) e haverá impostos sobre esse prolabore. Tem que fazer as contas para ver se compensa virar empresário.”
Segundo Norival, o que precisa mudar para o autônomo é incidência do imposto de renda sobre o frete. Ele defende que o IR seja cobrado sobre 15% do valor do frete e não sobre 40%, como é hoje. “Apresentamos essa solicitação ao governo. Acredito que as negociações vão avançar após as eleições”.
O governo teria a ganhar, de acordo com o dirigente, porque, provavelmente, diminuiria a sonegação. “Estima-se que os fretes movimentam R$ 66 bilhões por ano no País, mas só R$ 22 bilhões são tributados. Com menos imposto, todos vão querer andar na linha”, alega.
O presidente do Sindicam-PR e da Fenacam, Diumar Bueno, tem posição semelhante. Na ótica dele, só é vantajosa a abertura de firma se o motorista tiver uma frota de mais de dois caminhões. “Quando isso acontece, fica difícil o profissional continuar atuando como autônomo. E o sindicato é sempre a favor de que ele prospere”, explica.
José Araújo Silva, o “China”, da Unicam, engrossa o coro dos descontentes. “A atual situação não é certa. Descaracteriza a figura do autônomo”, diz.
Para o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí e Região (Sinditac), Carlos Alberto Litti Dahmer, se os autônomos se submeterem às pressões das transportadoras será o fim da categoria. “Nossa luta deve ser para modificar a tributação sobre o trabalho do autônomo”, enfatiza.
Uma voz que desafina nessa música é a do presidente do Sindicam de Londrina, Carlos Delarosa. Para ele, qualquer caminhoneiro que tenha um “bom frete” deve abrir uma firma. “Principalmente aquele que carrega para a mesma empresa e que tem desconto de imposto de renda em quase todos os fretes.”
DOIS CASOS, DUAS SOLUÇÕES
Terceirizado da Rodonaves, o ex-autônomo João Batista de Almeida diz que já pensava em abrir firma antes de receber o incentivo da empresa. “Eu acreditei que poderia deixar a condição de agregado para ser dono do meu próprio negócio”.
Almeida relata que sempre teve apoio da transportadora para adquirir um caminhão melhor. Tem um MB 1938 (ano 2001) e está finalizando a compra de um Iveco Stralis 410 novo. “Minha vida melhorou muito no decorrer desses seis anos [de parceria com a transportadora]. Estou só somando”, avalia.
Ele acha que paga “um pouco mais” de impostos como microempresário do que quando era autônomo, mas se diz muito otimista quanto ao futuro. Por enquanto, não pensa em ter mais de um caminhão. Ele mesmo dirige o dele.
Quanto a ter que administrar sua microempresa, ele diz que é fácil. “O contador ajuda”.
Silvio prefere ser empregado
Paranaense de Telêmaco Borba, Silvio Cardoso Nascimento colocou seu caminhão à venda e vai aceitar uma proposta de emprego como motorista para puxar madeira na sua região. Como autônomo, ele trabalha três embarcadores de açúcar de São Paulo. “Mas está todo mundo querendo que a gente vire empresário. Eles não querem pagar INSS”, justifica.
Segundo Nascimento, as empresas do grupo Cosan já não aceitam autônomos há algum tempo. Ele acredita que não vale a pena abrir firma para continuar trabalhando como autônomo. Atualmente, ele tira cerca de R$ 6 mil líquidos por mês, mas desse valor tem que sair a manutenção e os pneus do bruto. “No emprego, vou ganhar uns R$ 3 mil, acho melhor”.
Seu caminhão, um Mercedes 1944 (ano 2004), já está quase pago – faltam oito parcelas. Com o bitrem deve valer R$ 190 mil. “Vou comprar uma casa e ficar sossegado no emprego”, planeja.
Consultor avisa: ex-autônomo pode virar um concorrente…
Para o consultor jurídico Marco Aurélio Guimarães Pereira, o fim da carta-frete (ainda a ser regulamentado) reforça a necessidade de as transportadoras discutirem a melhor forma de contratação de agregados. Ele trabalha para os sindicatos Setrans, do ABC paulista, e Sindipesa.
Pereira ressalta que, ao contratar autônomos, as transportadoras que trabalham na modalidade lucro real só podem recuperar 75% de PIS e Cofins, ao passo que, se contratarem outra pessoa jurídica, podem recuperar 100%. Sem contar a economia na parte patronal do INSS.
Ele também destaca a questão trabalhista. “O autônomo está presente no transporte em todo o mundo, porque ganha melhor que o empregado. Mas uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho diz que nenhuma empresa pode terceirizar sua atividade fim, e isso dá margem para ações trabalhistas movidas por agregados pleiteando vínculo empregatício”.
Mas Pereira faz um alerta: as transportadoras têm forçado os agregados a constituírem firmas e com isso algumas têm dado “um tiro no pé”, porque, ao se tornar pessoa jurídica, “o autônomo pode concorrer com a transportadora, tomando seus clientes.”
“Pessoa jurídica tem mais facilidade nos bancos”
O diretor de Vendas Nacionais da MAN, Antonio Cammarosano, informa que a montadora e o Banco Volkswagen tratam empresas e montadoras da mesma forma, mas admite que “os bancos tradicionais sempre vão preferir a pessoa jurídica em detrimento da física na hora de liberar um financiamento”.
“O autônomo sempre foi um pouco rejeitado no Brasil. Ele tem conta no banco, tenta aprovar um crédito, mas não consegue por falta de histórico e de documentação. Já ficou rotulado”, afirma.
Segundo Cammarosano, os analistas de crédito estranham quando o autônomo permanece nessa condição por muitos anos. “Eles perguntam: ele não vai crescer?”
De acordo com o diretor da MAN, é mais difícil para o agente financeiro reunir informações sobre o autônomo. “Já para buscar as informações de uma empresa é bem mais simples”, declara.
Compare o custo dos impostos e veja o que é melhor para você
Os principais descontos que incidem sobre o frete do autônomo são o imposto de renda e o INSS. Já para quem tem firma (pessoa jurídica), os impostos são cobrados de outra forma. Vale a pena fazer esta pergunta, que não tem uma resposta única: do ponto de vista da tributação, é melhor para o autônomo continuar autônomo ou abrir sua empresa?
A pedido da Carga Pesada, a Consultoria Econet, de Curitiba, arregaçou as mangas e fez duas simulações, para se ter uma ideia aproximada da resposta (veja os quadros).
Para falar numa frase só, é o seguinte: depende de quanto o autônomo fatura.
Primeira situação: um autônomo fez sete fretes para uma empresa durante o mês, e teve um faturamento bruto de R$ 10.400. Nesse caso, ele será descontado em R$ 388,30 de Imposto de Renda e R$ 228,80 de INSS, totalizando R$ 617,10.
Se esse autônomo tivesse uma empresa que declarasse impostos na modalidade Lucro Presumido, a empresa pagaria R$ 616,72 entre Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep e Confins. Mas o dono pagaria também impostos sobre o seu prolabore (seu “salário”). Estimando-se um prolabore de R$ 2 mil, ele vai pagar mais R$ 21,07 de imposto de renda. E ainda deve fazer duas contribuições ao INSS. A primeira é a patronal, numa alíquota de 20% sobre prolabore. E a segunda, dele mesmo, numa alíquota de 11% sobre o prolabore. Ou seja, pagaria mais R$ 620 para a Previdência. Como uma empresa tem despesas de no mínimo R$ 300 com o escritório de contabilidade, a conta chegaria a R$ 1.557,79 – muito mais que os R$ 617,10 do autônomo.
A Econet também fez uma simulação desse mesmo faturamento para uma empresa na modalidade Simples Nacional. Além de alíquotas diferentes, no Simples não há a Contribuição Patronal para o INSS. O total de impostos seria de R$ 1.104,75. Novamente, uma conta bem mais salgada que a do autônomo.
Mas quando o faturamento do autônomo vai ficando mais gordo, esta diferença cai proporcionalmente, mas ainda assim pode ficar acima dos descontos sofridos pelo autônomo. Veja o exemplo: faturamento de R$ 29.100 referente a sete fretes de R$ 3.700 a R$ 4.500 para uma mesma transportadora. Neste caso, o autônomo pagaria R$ 3.043,53 entre IR e INSS. Já como dono de uma empresa na modalidade Lucro Presumido, o valor dos impostos e os honorários do contador chegariam a R$ 3.984,37. E no Simples Nacional o custo é de R$ 3.225,90, também incluindo o contador.
Em nenhum dos casos, a Econet calculou o ICMS porque muitos Estados, a exemplo do Paraná, isentam o setor de transporte deste tributo em determinados casos. Outro item que não consta dos quadros é a contribuição de 2,5% para o Sest/Senat, cobrada tanto das empresas como dos autônomos.
“Orientamos que o profissional tenha uma conversa com um contador de confiança para que sejam analisados seus rendimentos e demais variáveis, a fim de adotar a opção mais vantajosa para a sua situação”, diz Julio César Heyda, consultor federal da Econet.