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O caos na descarga em Mato Grosso

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Poeira, lama, falta de local para comer e filas intermináveis. Para o desespero dos transportadores, o retrato do caos se repete safra após safra nos terminais da ALL no Mato Grosso. Sem ter a quem recorrer, os caminhoneiros fecharam a rodovia duas vezes neste ano em protesto contra as condições indignas de trabalho. “Não tenho palavras nem de baixo calão para qualificar a administração da ALL”, desabafa Miguel Mendes, da ATC

Eulália Oliveira, de Mato Grosso

Deu no site da Carga Pesada dia 23 de fevereiro: “Os caminhoneiros bloquearam a rodovia nesta tarde, num ponto próximo ao terminal da ALL em Alto Taquari, no Mato Grosso. A exemplo do ocorrido dia 31 de janeiro em Alto Araguaia, eles protestam contra as condições de trabalho no terminal. A principal reclamação é a demora na fila para descarregar”.

Tem sido assim todo o ano. As filas de caminhões que se formavam perto do porto de Paranaguá (PR), na época da safra de soja, se mudaram para os terminais da ALL, detentora da concessão da Ferronorte, em Mato Grosso. Em 2006, os transportadores foram reclamar da situação ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Era o primeiro ano da ALL por lá. A empresa prometeu melhorar o atendimento, mas não cumpriu, segundo o diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Carga (ATC) de Rondonópolis, Miguel Mendes. Nos anos seguintes, a situação se repetiu (veja nossa edição 142, de um ano atrás, no site www.cargapesada.com.br) e, agora, as queixas voltaram.

“Não tenho palavras nem de baixo calão para qualificar a administração da ALL. É um absurdo o que estão fazendo aqui no Mato Grosso, criaram o caos”, afirma Mendes. Segundo ele, a empresa assumiu a logística de sete a oito milhões de toneladas de um total de 20 milhões de toneladas de grãos do Estado, mas nunca deu conta deste volume. “Eles querem ganhar muito dinheiro e não querem investir.”

Negociações já foram feitas em ocasiões anteriores, e haverá mais uma tentativa de obrigar a ALL a melhorar a recepção de grãos nos dois terminais. O MPT vai redigir um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que irá deixar bem claras as obrigações da ALL para com motoristas e transportadores. Para isso, já está marcada uma reunião entre a empresa e procuradores para o dia 28 de abril.

O vendedor de água no meio dos caminhões durante o protesto: uns ganham com a desgraça dos outros

Até lá, as duas partes vão trocar documentos e informações sobre os terminais, de forma a se chegar a um consenso. Se houver acordo, ótimo. Se não houver, diz a procuradora Christiane Vieira Nogueira, ela pode entrar com uma Ação Civil Pública contra a ALL – e aí o assunto será discutido na Justiça.
A procuradora conhece o problema. “A situação a que os motoristas estão sujeitos nos terminais é degradante. Já fizemos várias notificações e não recebemos resposta da ALL. Com o TAC, esperamos que a situação seja resolvida”, ressaltou.

As queixas não são só sobre as filas. Cobrança para uso de banheiros, pátio com buracos e poeira ou lama, falta de local para comer, falta de comprovante de chegada aos terminais (usada para possível cobrança de estadia) e senha para determinar a posição de chegada são algumas das reclamações dos caminhoneiros. Nestes anos, o Ministério Público abriu cinco procedimentos de investigação contra a ALL, que somam mais de 20 volumes de documentos.

A ALL se mexe pouco, mas mexe. O Ministério Público Estadual de Mato Grosso também está fazendo pressão. No dia 12 de fevereiro, a empresa se comprometeu, num outro TAC assinado diante do promotor Márcio Florestan Berestinas, a fazer melhorias no terminal de Alto Araguaia.

Deverão ser construídos dois pontos de enlonamento, após o espaço de classificação – uma medida simples que vai acelerar a descarga, fazendo com que o caminhão gire com mais rapidez. E serão abertas mais 100 vagas para estacionamento, evitando as multas para quem fica no acostamento da BR-364.

Com pressão, vai. Mas tem que ser muita pressão

Depois que os caminhoneiros trancaram a BR-364, em janeiro, como num passe de mágica as filas no terminal de Alto Araguaia desapareceram temporariamente. Em fevereiro, o problema voltou a ser registrado e novos protestos foram feitos sem resultados práticos. O terminal, que tem capacidade para 600 a 700 caminhões por dia, chega a ter filas de cinco dias. “O que podemos fazer para pressionar é trancar a rodovia. Mas, como ela não tem acostamento, apenas o intenso movimento de caminhões já bloqueia a passagem. Ou seja, só nos resta aguardar a justiça, que é lenta”, desabafa Miguel Mendes, da ATC.

Edificações do terminal de Alto Araguaia dão a impressão de que se está numa favela

A ALL prometeu solucionar o problema dos alto-falantes usados para chamar o caminhão da vez. Aquilo funciona a madrugada inteira, ninguém pode dormir. A ALL concordou, em caráter experimental, em colocar um funcionário que, a partir das 22 horas, irá aos caminhões chamar os motoristas.

O que a ALL recusa-se a fazer é asfaltar os pátios dos terminais. “Não asfaltamos porque queremos que os caminhões girem e não que fiquem parados lá”, enfatizou o gerente de terminais André Costa. Ele só prometeu duas manutenções anuais no piso de cascalho e pó de pedra.

O empresário Neri José Schimitt, da Transportadora Imperador, que no ano passado também deu entrevista à Carga Pesada reclamando da ALL, fez um novo desabafo. Para ele, a situação dos terminais piorou após a entrada da ALL, em 2006. “Não aguento mais esses problemas. São as filas, são as péssimas condições para os motoristas, são caminhões que quebram ou têm pneus estourados no pátio. Há 10 anos a coisa funcionava melhor com a Brasil Ferrovias. O caminhão andava mais, porque o terminal de Alto Taquari fica a 100 km de Alto Araguaia, mas fazíamos mais de 50 viagens por mês. Hoje, com estradas melhores e menores distâncias, o caminhão passa mais tempo nas filas do que rodando. O número de viagens caiu para 30 por mês.”

O presidente do Sindicato dos Transportadores de Mato Grosso, Gilvando Alves de Lima, confirmou a situação vivida pelos transportadores. Segundo ele, o que se vê é um festival de descasos por parte da ALL. Mas está otimista com a ação do Ministério Público e espera melhoras.

Acompanhando o problema, o presidente da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), José Araújo da Silva, o China, promete realizar uma grande campanha para mudar a logística do escoamento da safra e evitar o uso dos dois terminais, caso a ALL não se mexa. Ele diz que vai recorrer à ANTT para denunciar a situação.

“Ou fica sem estadia ou não tem carga”

O fato bem simples que é a maior causa de protestos dos caminhoneiros nos terminais da ALL em Mato Grosso é que as tradings que comercializam grãos e agenciam fretes recusam-se a pagar estadia pela demora na descarga. Passadas cinco horas de espera, a legislação garante ao transportador o recebimento de R$ 1 por tonelada por hora de atraso. Mas na prática acontece o seguinte: ao passar a ordem para o transporte, as tradings impõem um “acordo verbal” ao transportador segundo o qual não pagarão estadia, seja qual for a demora para carga ou descarga. Todo o mundo costuma se submeter, para não ficar sem carga. “Chega lá, a descarga não acontece. A trading vai para cima da ALL que não paga estadia e o caminhão é que fica com o prejuízo”, afirma Miguel Mendes, diretor executivo da ATC.

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