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Transportadores do Mato Grosso testam rota para exportação de grãos para a asia

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Grupo de transportadores rodoviários de carga de Mato Grosso do Sul escreveu mais um capítulo na longa novela da busca brasileira por uma saída pelo Oceano Pacífico para os nossos produtos – principalmente os agrícolas – que são exportados para a Ásia. O frete marítimo ficaria mais barato. Mas ainda há muitos obstáculos para uma carga brasileira chegar a um porto do Pacífico de caminhão

Nelson Bortolin

Muito grão para pouco porto. A capacidade do Brasil de criar alternativas para o escoamento da produção nacional está bem aquém das necessidades. A primeira estimativa da colheita que vem aí diz que passaremos de 186,8 milhões de toneladas, colhidas este ano, para até 195,5 milhões de toneladas em 2014.

Olhando para daqui a 10 anos, a safra brasileira pode chegar a 274 milhões de toneladas, segundo os mais otimistas. Como mais ou menos metade da soja (grãos e farelo) e 35% do milho serão exportados, é fácil deduzir que os gargalos logísticos tendem a piorar muito mais.

Aflito com a situação, um grupo de 90 pessoas, entre transportadores, representantes do agronegócio, de fábricas de caminhões e implementos, viajou cerca de 2.300 km para testar uma saída pelos portos do Chile, no Oceano Pacífico.

A Expedição Ligando Povos Unindo Oceanos foi organizada pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de Mato Grosso do Sul (Setlog-MS). A convite da Scania e da Noma, duas das patrocinadoras, a Carga Pesada teve o prazer de participar da aventura.

O sonho brasileiro de chegar ao Oceano Pacífico é acalentado há mais de 30 anos. O que há de novo é que, há seis meses, o caminho pela Bolívia tornou-se asfaltado de ponta a ponta. Com financiamento brasileiro, do BNDES, o governo boliviano pavimentou o primeiro trecho naquele país, de 300 km, entre a fronteira brasileira e Santa Cruz de La Sierra. Estrada de concreto, coisa de primeira. Mas só nesse trecho. Você vai conhecer as dificuldades que vêm antes (para entrar na Bolívia) e depois (má qualidade das estradas), e os investimentos que ainda precisam ser feitos para viabilizar a exportação agrícola brasileira pelos portos do Norte do Chile.

Tem uma Bolívia no meio do caminho

Em 26 caminhonetes Amarok, a expedição com empresários e executivos, que incluiu o vice-presidente de Economia e Finanças da Scania Latin America, Fredrik Wrange, e o diretor superintendente da Noma, Marcelo Noma, viajou entre os dias 27 de setembro e 2 de outubro, de Campo Grande em direção ao Chile, através da Bolívia. Rodando cerca de 500 km por dia, a caravana parou em Corumbá (MS), Santa Cruz de La Sierra, Cochabamba e La Paz (na Bolívia), e Arica e Iquique (Chile).

Caravana se aproxima da aduana chilena

Na volta ao Brasil, os transportadores fizeram um percurso diferente, passando pelo Paraguai, onde foram recebidos, no dia 5 de outubro, pelo presidente Horácio Cartes, em Assunção.

As primeiras pedras no sapato da expedição foram a burocracia e a demora da autorização para entrar na Bolívia, no dia 28 de outubro. Para adiantar o processo, o grupo se dirigiu à alfândega na véspera com os passaportes. A conferência dos documentos das pessoas e das caminhonetes demorou quatro horas. No dia seguinte, mais uma hora e meia de espera.

O trecho de cerca de 300 km até Santa Cruz de La Sierra ficou ótimo. O único inconveniente são os animais na pista. Já o trecho seguinte, até Cochabamba, é problemático. Além de perigoso, devido ao traçado e ao relevo, o asfalto está péssimo.

De lá até a fronteira com o Chile, há problemas no pavimento, mas, por toda a parte, há homens e máquinas trabalhando. O governo boliviano vem fazendo manutenção e até duplicando trechos. No Chile, o asfalto é ruim na travessia do deserto do Atacama.

Outros desafios esperam o viajante. Um deles é o ar rarefeito da altitude, que chega a 4.600 metros. Na Bolívia, não há óleo diesel S-10. A caravana levou uma reserva em galões, mas não foi suficiente. As caminhonetes equipadas com motores Euro 5 estranharam o velho diesel 1.800. Duas deram problema.

Postos de combustíveis na estrada são raros na Bolívia. E o preço é alto. Para um boliviano, o diesel custa apenas R$ 1,30, mas o estrangeiro paga R$ 3,30 o litro.

Caminhões da Bolívia aguardam para entrar no Chile

De Campo Grande a Iquique, a expedição pagou pedágio somente na Bolívia. Há muitas praças de pedágio, mas, em boa parte delas, os funcionários apenas carimbam o tíquete já pago. Nas 13 praças em que foi preciso colocar a mão no bolso, a soma dos gastos foi de 109 bolivianos (a moeda da Bolívia), o equivalente a R$ 36.

“Hoje eu não teria coragem de colocar meu caminhão nesta rota”, afirmou o maior transportador de grãos de Mato Grosso do Sul, Airton Dall’Agnol, da Transportadora Lontano e diretor do Setlog-MS. “A infraestrutura é ruim, o motorista não tem como descansar e se alimentar. Ninguém ia querer fazer esta viagem”, declarou.

Ele colocou na mesa outro desafio, que é convencer o governo boliviano a viabilizar a rota, desburocratizando e agilizando a entrada de caminhões no país. Em reunião agendada com o governo da Bolívia para o dia 1º de outubro em La Paz, o presidente Evo Morales enviou um deputado para se encontrar com os empresários. O encontro com Javier Santibáñez, presidente do Comitê de Transporte, Turismo e Comércio, não foi nada conclusivo. O deputado ouviu bastante, mas disse apenas: “Nosso presidente tem a missão de unir os dois oceanos (Atlântico e Pacífico). Todas as preocupações de vocês, eu vou levar para o presidente conhecer”.

Ele disse que as negociações precisam ser feitas “em reuniões de alto nível, de presidente a presidente, de ministro a ministro”. E afirmou que a Bolívia precisa de “sócios e não de patrões”, lembrando recentes desentendimentos com o Chile e o Brasil.

Pelas leis deles, bitrem não passa

Entusiasta do projeto de uma saída pelo Pacífico e conhecedor da Bolívia, para onde já levava cargas há 30 anos, o presidente da Mira Transportes, Roberto Mira, afirmou que a rota, do jeito que está, é inviável para os caminhões brasileiros. Lembrou uma dificuldade a mais: na Bolívia e no Chile, o limite de carga líquida para um caminhão é de 25 toneladas, enquanto o bitrem brasileiro leva 37 toneladas. “Não é fácil equacionar esse problema, depende da ação dos governos”, ressaltou.

Para o empresário, a rota só seria viável com a contratação de caminhoneiros bolivianos. “Eu entregaria a soja em Corumbá e eles levariam aos poucos até o Chile”, afirmou.

Fronteira do Brasil com a Bolívia

Outro transportador que não pensa em rodar pela Bolívia é Gelson Pavoni, da Rodobelo Transporte. Segundo ele, mesmo que seja recuperado o trecho entre Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba, a rota não se viabiliza. “É muito longe e muito caro para levar produtos agrícolas”, declarou. O limite para viabilizar fretes rodoviários de commodities agrícolas, na opinião dele, é de 1.300 km.

Para o assessor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) e diretor executivo da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja-MS), Lucas Galvão, é preciso continuar insistindo na saída pelos portos do Chile. Ele destacou que a produção de grãos de Mato Grosso do Sul tem crescido 12% ao ano. Na última safra, chegou perto de 14 milhões de toneladas. “Toda a produtividade da porteira para dentro é perdida pela ineficiência logística do Brasil. Não podemos descartar os portos do Pacífico”, declarou.

A saída é pelo Paraguai

Coordenador da expedição ao Pacífico, o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes do Mato Grosso do Sul (Setlog-MS), Cláudio Cavol, concorda que o caminho que corta o centro da Bolívia se mostrou problemático e diz que é preciso viabilizar rotas mais curtas. Existem duas opções, mas ambas necessitam de asfaltamento e de uma ponte sobre o Rio Paraguai (Veja mapa abaixo).

O ponto de partida para as duas rotas é Porto Murtinho, no Oeste de Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. O trajeto mais curto, com 1.800 km, corta o Norte daquele país e um trecho menor no Sul da Bolívia, para chegar a Iquique, no Chile. Faltam 400 km de asfalto no território paraguaio e 200 km na Bolívia.

Os empresários brasileiros tiveram um encontro com o presidente paraguaio, Horácio Cartes, no dia 5 de outubro, em Assunção, para conversar sobre o projeto. “O presidente está muito empenhado em viabilizar essa rota, já discutiu o assunto com a presidente Dilma. O Brasil pode financiar as obras”, informou Cláudio Cavol. O prefeito de Porto Murtinho, Heitor Miranda dos Santos, acompanhou o encontro.

A rota, que acompanha o Trópico de Capricórnio até o Pacífico, é a menor entre as possíveis. E também obriga a enfrentar menores altitudes, no máximo 3.200 metros, segundo Cavol.

Cláudio Cavol (de gravata) e o presidente Cartes (de branco)

Existe a alternativa de, atravessando o Paraguai, seguir para Jujuy, na Argentina, e depois para o Chile. Não passa pela Bolívia. Mas, por aí, são 2.200 km até Iquique, quase tanto quanto o caminho feito pela expedição.

“Estamos aguardando uma audiência com o ministro dos Transportes (César Borges). O Brasil tem que viabilizar uma dessas três rotas, inclusive ajudando a pavimentar os trechos que faltam”, disse Cavol. Ele ressalta que transportar a produção brasileira pelo Pacífico significa encurtar em até 10 dias a viagem de navio dos grãos até a Ásia.

Portos precisam de adaptações

Os portos de Arica e Iquique, no Norte do Chile, têm todo interesse em exportar parte da produção brasileira de grãos. Mas, para isso, precisam melhorar muito. O primeiro, que embarca a soja da Bolívia, não tem armazém coberto e, de início, só poderia receber cerca de um milhão de toneladas por ano. O segundo ainda precisa fazer toda a infraestrutura necessária para movimentar grãos, coisa que demora três anos, se o Brasil garantir que irá utilizar o porto.

Ambos são pequenos, mas têm condições para expandir a capacidade. O de Arica, próximo à fronteira com o Peru, foi concedido à iniciativa privada em 2004, tem de oito a 13 metros de calado, cerca de 30 mil metros de armazéns cobertos (não para grãos) e 220 mil metros quadrados para contêineres. Foi o que informou Sebastián Montero Lira, vice-presidente da estatal que supervisiona a unidade.

Ele explicou que, desde a privatização, o porto triplicou a capacidade: passou de 1,1 milhão para três milhões de toneladas de produtos exportados por ano. A maior parte vem da Bolívia e só 25% são granéis. “Temos projeto de investir num novo terminal graneleiro, mas depende da demanda. Não vou construir um cais para quatro milhões de toneladas (por ano) se não tenho produto para embarcar”, afirma.

Os dois portos mostram-se bem organizados e limpos. Não há fila de caminhões… “Nosso tempo médio de descarga é de duas horas”, informa o representante de Arica. Além de companhias chilenas, uma empresa do Peru participa do consórcio que administra o porto de Arica. “Foram feitos investimentos de 90 milhões de dólares depois da concessão”, ressalta.

Em Iquique, 400 km ao Sul de Arica, a movimentação de granéis é insignificante, mas o gerente Juan Jose Ramirez Nordheimer diz que há um espaço de sete hectares reservado se o Brasil decidir levar os grãos para o Pacífico.

Com calado de 12 a 24 metros, Iquique tem uma particularidade: parte do porto é privada e parte é pública. O gerente diz que o porto opera com apenas metade de sua capacidade (40 navios por mês) e que praticamente não há limite para expansão. “Com tranquilidade, teríamos condições de receber oito milhões de toneladas de grãos do Brasil”, estima.

Para o motorista, ‘chiqueirinho’

Tanto na Bolívia quanto no Chile, as condições de trabalho dos caminhoneiros são duras como no Brasil. O brasileiro Jonas Pereira de Lima costuma levar minério de Corumbá para a Bolívia. A Carga Pesada conversou com ele no dia 27 de outubro, na fronteira. “Quando é rápido, ficamos aqui um dia inteiro ou dois, só para conseguir entrar na Bolívia. Se a gente cair no canal vermelho, e toda a mercadoria tiver de ser conferida, podemos ficar até oito dias”, reclama.

O local onde os motoristas esperam foi apelidado de chiqueirinho. Tem poeira na seca e lama na chuva. Só existe um banheiro. “Se tem água, a gente consegue tomar banho”, diz Jonas. Para comer, o jeito é caminhar até o lado brasileiro, onde a comida “é boa”.

Para entrar no Chile, a demora não é tão grande, segundo o caminhoneiro boliviano Juan Carlos Ulgor (foto). “De um a dois dias”, informa. O problema ali é não ter o que comer. O Chile é bastante rigoroso com a entrada de alimentos em seu território. “Não podemos trazer nada para comer porque teríamos de deixar com os guardas”, conta.

Não há restaurante por perto e não é possível, segundo Ulgor, tomar banho no banheiro da alfândega. “As autoridades precisam pensar numa solução. É desumano o que fazem com a gente.”

A soja que deve ir para o Norte

Os portos do Oceano Pacífico estão na mira dos produtores e transportadores de grãos de Mato Grosso do Sul, mas não dos de Mato Grosso. Para esses, a melhor solução para exportar principalmente a soja é através dos portos do Norte e Nordeste do Brasil, conforme já diagnosticou o Movimento Pró-logística de Mato Grosso, ligado à Associação dos Produtores de Soja do Estado (Aprosoja).

Na nossa edição nº 167, de abril/maio deste ano, já tratamos dessa questão, na reportagem de capa (“Norte – Novas rotas para a safra”), informando sobre as obras em andamento e outras previstas para fazer uma integração de modais, de forma a baratear o transporte da soja mato-grossense destinada à exportação.

Toda a soja produzida acima do Paralelo 16 – linha imaginária que passa perto de Cuiabá, no mesmo sentido da linha do Equador – deve ser escoada pelos portos do Arco Norte, e não mais pelos do Sudeste e Sul, reafirma o coordenador do Movimento Pró-logística, Edeon Vaz Ferreira. O Arco Norte é um conjunto de seis portos (alguns marítimos, outros fluviais) formado por Itaqui, no Maranhão; Outeiro, Vila do Conde e Santarém, no Pará; Santana, no Amapá; e Itacoatiara, no Amazonas.

Segundo Ferreira, atualmente os seis portos são capazes de escoar 13,8 milhões de toneladas – o que é pouco. Mas, com a construção de novos terminais e de obras de infraestrutura rodoferroviária, sua capacidade subirá para 66 milhões de toneladas em 2025 (veja quadro).

Para a soja produzida no Sul de Mato Grosso, abaixo de Cuiabá, o mais viável continuará sendo o escoamento por via ferroviária, pela ALL, até Santos, ou por caminhão até Santos ou Paranaguá.

A novidade para a próxima safra é a chegada do trem a Rondonópolis. O terminal da ALL na cidade foi inaugurado em setembro. Até então, a maior parte dos grãos era levada até o terminal de Alto Araguaia, na divisa com Goiás. Para o diretor executivo da Associação dos Transportadores de Carga de Mato Grosso (ATC), Miguel Mendes, a mudança por enquanto está para pior. “Não vai levar mais grãos porque a quantidade de vagões é a mesma. E o congestionamento de caminhões agora foi transferido para uma cidade maior, o que agrava o problema”, explica.

Batizada de Capital do Bitrem, Rondonópolis já vivia longos congestionamentos antes do terminal da ALL. Agora, de acordo com Mendes, a situação piorou. “Imagine como será no pico da safra”, declara.

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1 comentário

  1. Leonisio Barroso on

    Essa sim é uma obra internacional ( A ROTA PELO PARAGUAI E ARGENTINA ) em que o investimento do BNDES trará benefícios para o BRASIL e não como foi feito com o porto de MARIEL em Cuba ou rodovias na ÁFRICA.

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