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Um jogo em que só o caminhoneiro perde

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Consorcio-Fenatran2024

SETEMBRO DE 2010

Com a condição de não ter o seu nome publicado, o representante de uma transportadora explicou à Carga Pesada como funciona a carta-frete. Essa empresa perderá vantagens com o fim da carta-frete. E é fácil entender por quê.

Quando o motorista sai em viagem, recebe 70% do frete adiantado em forma de carta-frete. Esta é trocada num posto de combustível, e só depois de 12 a 20 dias o posto vai cobrar a transportadora. “Como damos um prazo de 30 dias para o embarcador nos pagar, praticamente não tivemos custo nenhum com o adiantamento feito ao caminhoneiro”, explicou o transportador.

Os outros 30%, o autônomo só vai receber, também em carta-frete, após entregar a mercadoria. “Muitas vezes, quando chega a cobrança dessa segunda parte, o embarcador já nos pagou”, afirma.

Os postos não têm prejuízos com essas operações, porque obrigam o caminhoneiro a abastecer – e cobram o preço a prazo do diesel. E o saldo da carta-frete nem sempre é entregue em dinheiro, mas em cheque, para ser descontado em outro lugar.

Então, se o embarcador tem 30 dias para pagar, se o transportador só é cobrado pelo posto depois de 20 dias, se o posto obriga o caminhoneiro a comprar diesel pelo preço a prazo, quem é que ficou com o prejuízo dessa operação toda feita com a carta-frete? O caminhoneiro.

“Vamos precisar de um bom tempo para nos adaptarmos à nova realidade”, acrescentou a fonte.

IMPOSTOS – Sabendo que a intenção do fim da carta-frete é tornar visíveis as transações de frete, o transportador disse que “a maioria dos motoristas também não declara tudo o que ganha para o imposto de renda e, no novo sistema, serão obrigados a declarar”.

Mas esse é um preço que vale a pena pagar ,“pela moralização do setor”, na opinião do presidente do Sindicam-SP, Norival de Almeida Silva. O imposto de renda é cobrado sobre 40% do valor bruto do frete. “Eu acho que o razoável seria como o INSS: 11% sobre 20% do valor do frete”, diz.

Empresários estão divididos

Entre lideranças do empresariado, o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Carlos Silvano, chega a dizer que pensa em pedir a revogação da Lei 12.249. “O governo está querendo mexer numa prática muito antiga do setor. Se começar a engessar muito, vai acabar travando o transporte de cargas”, afirma.

Ele admite que o carreteiro perde com a carta-frete. “Mas se o cartão-frete for criado, alguém vai operar. As empresas de cartão estão loucas para entrar neste filão. E quem vai pagar as taxas é o carreteiro. Será mais um custo.”

Já o presidente da NTC&Logística, Flávio Benatti, é favorável ao fim da carta-frete. “Esta lei tira o setor da informalidade. Quando reclamamos um marco regulatório, nós temos que entender que estaremos sujeitos a um pouco mais de controle. Não se faz omelete sem quebrar os ovos”, diz ele.

Segundo Benatti, as empresas organizadas já pagam o autônomo por transação bancária ou cartão. E arcam com os custos. Questionado sobre a posição do Setcergs, ele afirma que respeita “a opinião de todos”.

Posto diz que cobra preço à vista

Quem parece não gostar do fim da carta-frete são os postos de combustível. O presidente do sindicato dos postos de Mato Grosso, Aldo Locatelli, diz que “esta é uma invenção para tirar dinheiro dos motoristas”. “As administradoras de cartão vão cobrar 2% do frete do caminhoneiro”, acredita.

Sobre as reclamações dos autônomos de que pagam mais caro pelo combustível na carta-frete, ele afirma que isso não ocorre nos postos dele.

Mas a reportagem não teve dificuldade em encontrar dois postos na PR 445, no Norte do Paraná, que cobram mais pelo diesel na carta-frete. E ainda: cobram valor a prazo do caminhoneiro que paga em cartão de débito, com o qual o dinheiro é creditado na hora para o vendedor. 

Esse fato faz o autônomo Nelson Szpak, de Campo Largo (PR), desconfiar que o fim da carta-frete pode não ser aquela maravilha. “No cartão, é sempre mais caro”, alega. No posto onde ele falou com a Carga Pesada, o preço do diesel à vista era R$ 1,889. E com qualquer cartão, mesmo de débito, R$ 1,95.

O presidente do Sindicam-SP, Norival de Almeida Silva, lembra que essa prática “é crime”. Se o posto não cobrar o valor à vista com cartão de débito, podem ligar para o sindicato. “Chamamos a Polícia se for preciso”. O telefone do Sindicam-SP é 11 2954 4622

Foi um pleito da categoria, diz ANTT

O superintendente de Marcos Regulatórios da ANTT, Hedeverton Andrade Santos, diz que foi o “aprisionamento dos caminhoneiros aos postos” que levou o governo a propor o fim da carta-frete.

Os caminhoneiros é que levaram o pleito ao governo, segundo ele. Questionado sobre os custos de outro sistema, disse que o contratante é que vai pagar.

Santos admite que a sonegação de impostos no meio do transporte foi outra preocupação do governo. “O fato de os autônomos não declararem formalmente sua renda é um problema de ordem fiscal”.

Ele acredita que, abolida a carta-frete, será possível traçar uma boa radiografia do TRC. “Poderemos saber o valor médio do frete”.

Autônomo se quei xa: descontou IR na fonte, mas…

A reportagem da Carga Pesada teve uma conversa bastante ilustrativa com um caminhoneiro autônomo, em Ibiporã (PR), enquanto ele esperava carregar. Ele diz que não conseguiu financiamento pelo Procaminhoneiro por não ter como comprovar rendimentos. Segundo ele, certas transportadoras descontam imposto de renda em seu conhecimento de frete, mas não recolhem.

O que o sr. acha do fim da carta-frete?

Sou a favor. A carta-frete é um desrespeito com o motorista.

O sr. consegue trocar carta-frete em qualquer posto?

Depende da transportadora. Se é conceituada, é fácil. Mas você precisa gastar 30% no posto, senão não tem negócio. E tem que pagar 12, 14 centavos a mais por litro de diesel. Me cobram juros por um dinheiro que já era meu…

O sr. declara tudo o que ganha ao Imposto de Renda?

Eu declaro o que posso. Não consegui cadastro no Procaminhoneiro por disso. Só pude informar o que ganhei da transportadora onde sou agregado. As outras cobram de mim, mas não declaram.

Explique melhor?

Você vai trabalhar para uma transportadora e, se o frete é alto, eles te descontam Imposto de Renda. Só que não repassam isso para o governo. Aí eu não posso declarar um dinheiro que não aparece para o governo.

Mas com esse novo formato o sr. terá de declarar tudo, não é?

Claro. E acho correto. Como cidadão brasileiro, estarei fazendo minha parte, contribuindo com o meu País.

Quanto o sr. declarou no ano passado?

Eu declarei R$ 18 mil. Mas trabalhei para outras empresas. Liguei para elas e fiquei esperando até a última hora para fechar a minha declaração. Numa me disseram: “Nós não temos nada aqui para mandar para o senhor, o senhor não trabalhou para nós”. Eu falei: “Mas eu tenho um monte de recibo aqui”. Aí, disseram: “Então o senhor não declara porque será pior para o senhor”.

NOTA DA REDAÇÃO: Consultado pela Carga Pesada, um contador disse que, num caso como o narrado ao lado, o autônomo pode declarar os valores ganhos que constam dos recibos. Não há necessidade de anexar o informe de rendimentos emitido pelo contratante. Mas é preciso manter os recibos guardados. Essa é a maneira correta: declarar e arcar com os impostos. Sempre se espera que as empresas façam o mesmo.

Já existem alternativas em forma de cartão

Desde 2004, a Pamcary oferece o cartão Pamcard, com o qual as empresas pagam aos caminhoneiros o frete e do vale-pedágio em separado, “como exige a legislação”, diz o diretor de Produtos e Negócios da Pamcary, Luis Felipe Dick.

O cartão pode ser utilizado em toda a rede Visa. Sua emissão é grátis, não há anuidade nem taxa para o pagamento de compras à vista em lojas. O portador só paga uma taxa em cada saque nos caixas do Bradesco. “O sistema é bancado pelo embarcador, transportador ou operador logístico”, explica Dick.

Segundo ele, o Pamcard está perfeitamente apto a ser usado nos pagamentos de frete. “Mas estamos aguardando a regulamentação da ANTT”.

A Dbtrans, que já possui uma espécie de carta-frete automatizada (Rodocred), também se prepara para atuar no novo sistema. “Vamos caminhar para uma operação onde o caminhoneiro recebe pelo Rodocred e, com o mesmo cartão, compra combustível, pneus, molas, faz manutenção”, diz o diretor comercial Marcelo Nunes.

O cartão poderá ser usado em compras e para saques na rede bancária 24 horas. “Dentro de um pacote mínimo, o caminhoneiro não terá custos [nos caixas eletrônicos]. Somente se exceder este pacote”. O cartão vai se chamar Rodocred Profissional.

A Rodoviário Schio é cliente da Pamcary há 18 meses, e obteve uma redução de custos usando o Pamcard para pagar os 1.200 motoristas empregados e os 300 terceirizados, segundo o gerente financeiro Alceu Oss Ener. A empresa paga 0,02% por operação à Pamcary.

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