Nunca se viu tanta mudança e turbulência no transporte rodoviário de carga. O ano de 2012 teve Euro 5, restrições aos caminhões na Marginal Tietê, greve de tanqueiros, Lei do Descanso… Foram muitas as novidades. Algumas produziram alegrias, outras, contrariedade, e outras ainda, incertezas. O governo também fechou o cerco às empresas que pagavam caminhoneiros autônomos por meio da carta-frete, e passou a multá-las. Além disso, proibiu a transformação de bitrens em bitrenzões, tema que ganhou destaque na Carga Pesada em 2011. Para dar impulso à indústria de caminhões e tentar renovar a frota brasileira, o governo fez dois cortes de juros nas linhas do BNDES. As taxas de Finame PSI e Procaminhoneiro foram ao patamar mais baixo da história: 2,5% ao ano. Descontada a inflação, o juro é negativo. Ainda que considerado insuficiente pelos transportadores, o governo anunciou um Programa de Investimento em Logística para a construção de ferrovias e duplicação de rodovias ao longo de 30 anos. Também em 2012, começou a vigorar a obrigatoriedade de Conhecimento Eletrônico de Frete (CT-e) para uma lista de 278 transportadoras brasileiras. As demais terão de aderir ao longo de 2013. É o aperto dos impostos… Os caminhoneiros autônomos receberam uma boa notícia: para eles, o Imposto de Renda passa a ser calculado, em 2013, com base em 10% do valor do frete, e não mais em 40%. A Carga Pesada convidou representantes dos caminhoneiros, empresários do TRC e embarcadores para analisarem as recentes transformações e apontarem as perspectivas para 2013.
Nelson Bortolin
Para sindicalistas, o caminhoneiro saiu ganhando
O presidente da União Nacional dos Caminhoneiros do Brasil (Unicam), José Araújo China da Silva, chamou a atenção para a redução da base de cálculo do Imposto de Renda para autônomos de 40% para 10%, antiga reivindicação da Unicam.
Pelos cálculos dele, um caminhoneiro que fatura perto de R$ 40 mil, brutos, pagou em 2012 cerca de R$ 3.800 por mês de imposto, e esse valor vai cair para perto de R$ 200 em 2013. “É uma mudança muito grande, que incentiva a categoria a se formalizar.”
China cita também a redução dos juros do Procaminhoneiro para 2,5% ao ano. “Tudo se liga: com a redução do imposto de renda e o fim da carta-frete, o caminhoneiro tem como comprovar renda e aproveitar os juros baixos”, destaca.
Ele acredita que a categoria só tem a ganhar com a Lei 12.619, a Lei do Descanso. Limitando o tempo de direção, vai haver demanda por mais mão de obra, que já é escassa. “O resultado é a melhoria do frete”, acredita.
China lamenta que a presidenta Dilma Rousseff tenha vetado o artigo que obrigava as concessionárias a construírem pontos de parada para os caminhoneiros. Mas diz que a Unicam conseguiu fazer com que o governo incluísse essa exigência nas novas concessões.
Para o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos do Estado de São Paulo (Sindicam), Norival de Almeida Silva, as mudanças de 2012 vão mostrar “quem é quem” no setor de transporte. “O caminhoneiro precisa entender que é melhor trabalhar na formalidade, com segurança, cumprindo uma carga horária que o corpo aguenta.”
Segundo o sindicalista, um ponto negativo foi a
exigência de Código Identificador de Operação de Transporte (Ciot) somente para a contratação de autônomos. A categoria reclama que essa exigência provocou o fenômeno da “pejotização”: embarcadores passaram a obrigar autônomos a abrirem firmas para não precisar gerar o Ciot e, assim, deixar de pagar impostos. “Mas essa vantagem está com o tempo contado. A partir de 2013, todas as transportadoras terão de trabalhar com Conhecimento Eletrônico de Frete (CT-e), que terá a mesma função do Ciot no controle fiscal.”
Para Norival, as mudanças vieram para tirar os aventureiros do setor. “Precisamos andar certinho, de forma a ter como comprovar renda para chegar no banco e conseguir financiar o caminhão. Se você recebe pelo seu trabalho com um cheque que só pode ser trocado no meio da rua, no posto, na autopeça, você não existe”, declara.
Com o fim do mandato do prefeito Gilberto Kassab, o presidente do Sindicam espera para 2013 que sejam revistas as restrições ao tráfego de caminhões na Marginal Tietê. “O novo prefeito (Fernando Haddad) se comprometeu a negociar. Temos esperança que, se não for revogada a restrição, ela será flexibilizada”, afirma.
EMPREGADOS – Para o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), Luís Antônio Festino, a Lei do Descanso representa um avanço histórico.
A lei foi recebida com desconfiança pelos caminhoneiros empregados. Como ela proíbe comissões com base na carga de trabalho do motorista, de imediato houve queda de rendimento de muitos – que foi respondida com protestos. Mas logo foram feitas as correções necessárias.
Festino alerta, porém, que existem fortes pressões
sobre a nova jornada, principalmente do setor do agronegócio. “Alegam que o frete encareceu muito por causa da lei”, salienta. Mas a CNTTT vem trabalhando para defendê-la no Congresso.
Festino critica o governo por não oferecer cursos para motoristas e não obrigar as empresas a fazerem seguro de vida de seus empregados, como manda a lei. “Creio que estão promovendo um desgaste em torno da lei para fazer com que ela não pegue.”
Ele elogia a atuação do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, que vêm realizando juntos as operações da Jornada Legal. “Foram feitos comandos no Brasil inteiro. Pegaram situações absurdas: um cegonheiro que estava dirigindo havia 26 horas”, conta.
Segundo ele, nem toda a Polícia Rodoviária Federal acatou a resolução 417 do Contran, que suspendeu por seis meses a fiscalização nas rodovias. No dia 13 de novembro, a CNTTT se reuniu com representantes da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais e, de acordo com Festino, obteve o apoio para a fiscalização do tempo de direção dos caminhoneiros. “Sabemos que as corporações de Mato Grosso, Ceará e Paraíba já estão fazendo esse trabalho nas rodovias federais”, destaca.
Salário
Em publicação feita para dar esclarecimentos aos motoristas sobre a Lei 12.619, a CNTTT procurou demonstrar que a remuneração dos motoristas empregados não seria prejudicada com a proibição do pagamento de comissão pelas empresas. A comissão pode ter sido substituída, no todo ou em parte, pelo pagamento de horas extras, horas de espera e diárias. Veja simulação apresentada pela CNTTT:
Motorista de carreta
Média nacional de piso: R$ 1.235,11
+ 60 horas extras (máximo permitido pela lei) a R$ 8,42 = R$ 505,20
+ 40 horas de espera a R$ 7,30 = R$ 292
+ diárias (24 por mês) a R$ 39,84 (média nacional) = R$ 956,16
Total bruto mensal: R$ 2.988,47
Motorista de bitrem
Média nacional do piso: R$ 1.334,39
+ 60 horas extras a R$ 9,10 = R$ 546
+ 40 horas de espera a R$ 7,88 = R$ 315,20
+ diárias (24 por mês) a R$ 39,84 = R$ 956,16
Total mensal bruto = R$ 3.151,75
Empresas olham o futuro com otimismo
“Que venha o Euro 6; empresário tem que pensar lá na frente.” São palavras do coordenador nacional da ComJovem (Comissão Nacional de Jovens Empresários, ligada à NTC&Logística), Baldomero Taques Neto, 39 anos, também diretor comercial da Utilíssimo Transportes. Para ele, as transformações pelas quais passa o transporte rodoviário de cargas são naturais e vêm para o bem. “O Euro 5 é uma inovação maravilhosa por vários motivos. Um deles é que o setor é um grande poluidor”, afirma.
Do ponto de vista econômico, a tecnologia também é benéfica, diz ele. “Pode observar que os preços dos veículos Euro 3 e Euro 5 já estão nivelados. Mas o consumo de combustível do Euro 5 é 12% menor”, diz.
Na empresa dele, os caminhões com motores Euro 5 fazem manutenção a cada 40 mil km e os antigos a cada 25 mil km. “E ainda: os veículos novos vêm com sensores que melhoram a produtividade. Por isso eu digo: que os Euro 6 venham logo.”
O coordenador da ComJovem considera que a Lei 12.619 não deveria causar polêmica, uma vez que a carga de oito horas e duas extras para todos os trabalhadores já é lei há muito tempo. “Alguns empresários insistiam em tirar o máximo dos empregados. Esses vão ficar pra trás. O futuro é dinâmico, é integração, é resultado.”
O diretor comercial do Grupo Gafor, Luiz Carlos Magalhães, concorda com Taques Neto quanto à “falta de novidade”. “A lei traz o que a CLT já pregava”, afirma.
Magalhães diz que a Gafor já respeitava a jornada para as operações de curta distância no País e não sentiu impacto nessa área. “Sentimos os efeitos no mercado internacional, para a Argentina, Chile e Uruguai”, conta. Foi preciso contratar mais motoristas e isso obrigou a aumentar o frete em até 40%.
O diretor afirma que a maioria dos clientes entendeu a necessidade do reajuste. “Até porque eles sabem que são corresponsáveis. Os que não aceitaram o reajuste, nós deixamos de atender”, declara. Ele está animado com as perspectivas do mercado de transporte para 2013. “A gente aposta num crescimento superior aos 15% deste ano.”
GRÃOS – “Foi um ano atípico em todos os sentidos”, diz Cláudio Adamuccio, presidente do grupo graneleiro G10. Além da nova legislação, o segmento foi pego de surpresa por uma supersafra de milho no segundo semestre. “Nos últimos 20 anos, a concentração do transporte de grãos se deu no primeiro semestre, com a soja.”
Na opinião de Adamuccio, a Lei do Descanso “não é perfeita”, mas tinha de ser implantada por questões de segurança. Ele calcula que a lei trouxe um aumento de custos de 25%. O reajuste médio nos fretes também chegou a esse patamar. “São muitas operações e muitos clientes. Alguns estavam com valores muito defasados. Então os reajustes variaram de 10% a 50%”, declara.
O G10, conforme Adamuccio, nunca havia terceirizado mão de obra. Este ano, devido a uma “análise interna”, começou a contratar agregados. A Lei do Descanso teve a ver com isso. “O autônomo está mais livre para trabalhar e é mais produtivo”, justifica.
O grupo, que tem 1.500 motoristas empregados, cresceu menos que o hábito em 2012, mas tem expectativa otimista para 2013. “Teremos uma boa safra e um mercado de transporte aquecido”, resume.
De fato, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) prevê que, em 2013, serão transportadas 81 milhões de toneladas de soja, 73 milhões de toneladas de milho e mais 28 milhões de toneladas de outros grãos.
O caso especial das cargas excepcionais
Para o vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Transporte e Movimentação de Cargas Pesadas e Excepcionais (Sindipesa), João Batista Dominici, as mudanças ocorridas em 2012 são frutos de cobranças feitas pelo próprio setor, mas também mostram uma “maior efetividade” do governo e das instituições. “A gente vê, por exemplo, o Ministério Público atuando no controle do excesso de peso”, declara.
Segundo ele, o segmento de cargas excepcionais foi confrontado com uma novidade extra: uma lei regulamentando a escolta. “Ela prevê, por exemplo, a exigência de radiocomunicação nas operações”, explica. E muda a responsabilidade dos batedores. “Em caso de escolta sem a presença do policial rodoviário, o batedor vai desempenhar suas funções.”
Isso representa novos custos para o segmento, de acordo com Dominici. “Em algumas operações, será necessário aumentar em 30% a 40% a quantidade de caminhões e motoristas.”
Em 2013, Dominici espera ver concluído um projeto que o Sindipesa desenvolve em parceria com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), no Rio Grande do Sul. O objetivo é implantar no Estado uma política de Autorização Especial de Trânsito (AET) nos moldes da paulista. “É o começo de um processo de padronização nacional”, declara. As diferentes regras estaduais para concessão de AET são um dos problemas mais sérios enfrentados pelo segmento de cargas excepcionais atualmente.
Mercado de caminhões deverá crescer 16% em 2013
Com a manutenção dos juros baixos, o mercado de caminhões em 2013 deverá reagir, crescendo cerca de 16% na comparação com este ano. É o que prevê a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Isso significa vender cerca de 158 mil veículos contra aproximadamente 136 mil, que era a previsão da entidade para o fechamento de 2012.
Confirmada a projeção, 2013 deverá ser o segundo melhor ano da história do mercado de caminhões no Brasil, atrás apenas de 2011, quando foram vendidos 172 mil veículos. O presidente executivo da Federação, Alarico Assumpção Júnior, lembra que parte desses 172 mil negócios foi antecipação de compra, em virtude da mudança de motorização para Euro 5, que passaria a vigorar em 1º de janeiro de 2012.
Esse foi um dos motivos que fizeram o mercado recuar cerca de 20% em 2012. Há outros, segundo Assumpção Júnior: “Seca na região Sul, elevação de inadimplência, greve de caminhoneiros, redução da produção das fábricas e principalmente o desaquecimento econômico do País”, enumera.
Embarcadores cobram compensações
Para os embarcadores, o transporte rodoviário de cargas ficou muito mais caro em 2012. Eles defendem medidas para minimizar esse impacto. “Nós achamos que a lei (12.619) é boa porque ela visa segurança e profissionalização. Mas traz novos custos. Alguns fretes subiram até 30%”, afirma o coordenador da Comissão de Logística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Douglas Araújo. Segundo ele, é “óbvio” que esse custo acabará no produto final.
Araújo diz que a Abiquim vem realizando um trabalho com seus associados e com os transportadores para melhorar a produtividade. “Precisamos diminuir o tempo de espera para carregar e descarregar, por exemplo.”
A assessora da Comissão de Logística da entidade, Gisette Nogueira, defende outras medidas para compensar o aumento de frete. “Precisamos reduzir a burocracia governamental na área de exportação e importação”, afirma.
Gisette conta que participou de uma reunião na NTC&Logística, na qual foi discutido esse assunto, além da desoneração da folha de pagamento das transportadoras.
“De fato, estamos trabalhando com empenho para a inclusão do setor de transporte rodoviário de cargas na desoneração da folha de pagamento das empresas, passando para 1% sobre a receita bruta”, afirma Marco Aurélio Ribeiro, assessor jurídico da NTC. Segundo ele, uma emenda à Medida Provisória 582 com este objetivo está para ser votada no Congresso Nacional.
O diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sérgio Mendes, diz que o frete do agronegócio subiu de US$ 81 a tonelada para US$ 98 a tonelada de 2011 para 2012. Parte desse impacto, de acordo com ele, se deve à Lei 12.619. “A gente reconhece que o descanso é necessário e precisa ser feito. Mas gostaríamos de ter um prazo para adequação”, declara.
Mendes reclama que o Brasil já leva uma enorme desvantagem no frete de grãos em relação aos Estados Unidos e à Argentina. Segundo a Anec, os americanos pagam 23 dólares de frete por tonelada e os argentinos, 20 dólares. “Nosso problema é não haver uma infraestrutura com modais apropriados para o transporte de grãos no País”, diz o dirigente.
De acordo com Mendes, o Programa de Investimento em Logística, lançado pela presidenta Dilma Rousseff em agosto, “ajuda”, mas está longe de resolver o problema. Pelo pacote, o governo pretende duplicar 7,5 mil km de rodovias e construir 10 mil km de ferrovias ao longo dos próximos 30 anos. “Esse pacotão está muito focado no modal ferroviário e isso não vai resolver. Como a gente sabe, no Brasil o frete do trem tem como referência o frete rodoviário”, salienta. O ideal, de acordo com ele, seriam investimentos em hidrovias.