Engenheiro explica vantagens e desvantagens do implemento que virou febre nacional
Nelson Bortolin
A carreta 4 Eixos, liberada no Brasil após forte pressão dos transportadores e embarcadores, virou febre nacional. Não teria como ser diferente. Afinal de contas, quem é que não quer levar mais carga usando apenas um implemento?
A configuração foi autorizada em dezembro de 2021 pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), por meio resolução 882, conhecida por muita gente como a “Nova Lei da Balança”.
Quase três anos após a 4 Eixos ter sido liberada, já é possível fazer um diagnóstico de sua performance, vantagens e desvantagens.
O engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, da TRS Engenharia, deu uma aula completa sobre essa Combinação de Veículos de Carga (CVC) pelo YouTube dia 8 de setembro. Ainda dá para assistir a íntegra clicando aqui.
Nesta reportagem, vamos tentar resumir o que ele disse.
Em primeiro lugar, para evitar confusão, vamos combinar de chamar de 4 Eixos a carreta que tem um eixo espaçado na frente e três em tandem atrás. Essa da foto:
Teoricamente, conforme explica Rubem de Melo, qualquer carreta que tenha um ou mais eixo espaçado pode ser chamada de Wanderléa. Mas vamos chamar de Wanderléa somente a configuração de três eixos espaçados.
Uma enormidade de carga
O engenheiro lembra que a 4 Eixos permite um peso bruto total combinado (PBTC) de 58,5 toneladas, maior que o do bitrem (57 toneladas) e da Wanderléa (53 toneladas). E, de acordo com o Contran, pode ser tracionada por um cavalo 6×2, embora essa seja uma escolha que o engenheiro desaconselha.
Em relação ao peso líquido de carga, são 36 toneladas para o bitrem, 35 toneladas para a Wanderléa e 38 ou 39 toneladas, dependendo do semirreboque, para a 4 Eixos.
Somente bitrens e rodotrens de 9 eixos, que têm PBTC de 74 toneladas, levam mais carga. São 50 toneladas líquidas. Mas, nesse caso, para rodar, o veículo tem de ter autorização especial de trânsito (AET).
Como se faz uma 4 Eixos
O engenheiro ressalta que há duas formas de se fazer uma 4 Eixos. A primeira é a partir de uma carreta convencional de três eixos (LS). Nesse caso, coloca-se o quarto eixo distanciado à frente do implemento.
A segunda possibilidade é fazer a partir de uma Wanderléa, na qual é colocado um quarto eixo entre os dois eixos de trás. “Lembrando que uma 4 Eixos precisa ter comprimento mínimo de 17,5 metros. Se for menor, não pode levar 58,5 toneladas”, destaca o engenheiro.
Freio tem de ser ABS
Melo ressalta que a transformação não é um processo simples e tem uma série de requisitos a serem respeitados.
A carreta 4 Eixos precisa ter freio ABS, não importa o ano de sua fabricação, lembrando que esse tipo de frenagem tornou-se obrigatória a partir de 2014. Então, se for uma carreta mais antiga, precisa incluir o ABS.
“Um problema que a gente tem visto é que estão instalando o eixo adicional sem corrigir o sistema do ABS. É preciso ter cuidado com o eixo autodirecional. O modelo indicado é o chamado 4S3M, que são quatro sensores e três moduladores. Eu tenho de adicionar uma moduladora pelo fato de eu ter um eixo autodirecional a mais agora”, explica.
Se o sistema ABS não for corrigido adequadamente, há risco de o eixo autodirecional travar.
Precisa ter reservatório de ar adicional
E tem outros cuidados que precisam ser tomados. “Se eu adicionar um eixo na carreta, obrigatoriamente tenho de adicionar um reservatório de ar a mais porque o reservatório de ar é o reservatório de energia do sistema de freio. Ao adicionar um eixo, é importante adicionar 40 litros a mais de ar comprimido. Esse é um outro fator de risco que não estão observando.”
Por “um preço um pouquinho menor”, estão instalando o quarto eixo sem adicionar o reservatório de ar adicional. “O cara diz que não precisa de reservatório adicional. Mas precisa sim. Se não inserir o reservatório adicional, o motorista vai ter dificuldade na serra. O veículo não vai conseguir repor o ar comprimido e haverá dificuldade de frenagem.”
Manga ou rala?
Há dois tipos de eixo autodirecional: o eixo manga e o eixo rala. “Qual é o melhor?”, questiona o engenheiro. Ele explica: “No rala, os ângulos do lado esquerdo e do lado direito do pneu são sempre o mesmo. Então você vai ter um maior desgaste de pneu.”
O eixo manga é mais moderno porque gira os pneus no ângulo certo para desgastá-los menos.
O fato de ter três eixos atrás também vai fazer da 4 Eixos uma combinação com mais desgaste de pneus. Quando você tem dois eixos juntos, como no bitrem de 7 eixos, primeiro arrasta 625 milímetros para um lado e o segundo 625 milímetros para outro.
Já com três eixos, o arraste é o dobro. O primeiro eixo arrasta 1.250 milímetros para um lado e o terceiro 1.250 milímetros para outro.
Nem sempre o eixo se comporta como autodirecional
Segundo o engenheiro, muita gente cita o fato de a 4 Eixos ter um eixo autodirecional à frente como um fator que compensaria o arraste de trás. Mas não é bem assim. “O eixo autodirecional funciona de fato com autodirecional nas manobras de raio longo, na estrada.” Quando o caminhão faz manobras curtas, como em pátios e trafegando dentro das cidades, esse eixo se comporta com um eixo comum.
Melo conta que, no Brasil, o ângulo de um eixo autodirecional vai de 8 a 12 graus. “Precisaríamos de ter entre 18 e 22 graus para funcionar como autodirecional o tempo todo.”
Além de mais desgaste de pneus, a 4 Eixos tem mais desgastes em componentes da suspensão e o consumo de diesel tende a ser maior.
Pneus destruídos em poucos meses
As carretas 4 Eixos mais curtas, como as basculantes, apresentam arraste extremamente elevados, segundo o engenheiro. “Já tem casos dessas carretas entortanto lateralmente tamanho é o arraste.”
O resultado pode ser facilmente observado nos pneus. Durante a live, Melo mostrou como ficou os pneus de uma 4 Eixos com apenas 15 dias de uso.
Em outro exemplo, os pneus de uma 4 Eixos estavam totalmente avariados depois de dois meses de uso.
“O desgaste do pneu provocado por arraste pode inclusive inviabilizar sua recapagem no futuro”, alerta o engenheiro.
Pode suspender o eixo autodirecional?
Para economizar pneus, tem gente andando com o eixo autodirecional sempre suspenso, mesmo com o veículo carregado. “Toma cuidado porque pode poupar pneus, mas sacrificar o chassi”, alerta.
Esse risco é extremamente elevado em se tratando de tanque. “Existe o risco de aparecerem trincas no tanque, em dois ou três anos de uso frequente com o eixo levantado, comprometendo toda a estrutura do implemento. Eu tenho visto muita gente rodando na estrada com carreta 4 Eixos com o eixo autodirecional levantado.”
Risco também de acidente
O engenheiro ensina que carretas com eixos espaçados – seja Wanderléa, Canguru ou 4 eixos – apresentam alto risco de acidentes ao trafegar com eixos suspensos em pista molhada, sejam carregadas ou vazias. “Sob chuva é preciso manter todos os eixos no pavimento.”
Veja no vídeo uma carreta com eixo suspenso:
Mais multas por excesso de peso
Diferentemente das Wanderléas com três eixos pneumáticos, onde todos carregam 10 toneladas e não é preciso fazer regulagem manual, na 4 Eixos há uma distribuição diferente de peso. São 10 toneladas no primeiro eixo e 8,5 toneladas nos de trás. Isso exige que o motorista saiba fazer regulagem. “Esse é nosso calcanhar de Aquiles. Nossos motoristas não sabem fazer a regulagem porque nós não os treinamos para isso.”
Cavalo deve ser 6×4
Ao final da aula, Rubem Melo explicou qual seria, na opinião dele, a 4 Eixos ideal para não desgastar tanto pneus, nem consumir tanto diesel, além de oferecer mais estabilidade.
O implemento ideal teria suspensão pneumática em todos os eixos, com recuo do chassi para aumentar o ângulo de giro do primeiro eixo autodirecional. E seria tracionado sempre por um cavalo 6×4.
O engenheiro desaconselha o uso de cavalo 6×2, embora seja permitido por lei. “O 6×4 é mais caro, mais pesado, mas com ele a velocidade média do conjunto aumenta em 10 a 15 km por hora. Sem isso, o 6×2 perde velocidade de rampa.”