Carregar excesso de peso em caminhão é costume antigo, que traz mais prejuízo do que vantagem, como revela esta reportagem. Mesmo assim, muitos assumem o risco. Mas o Ministério Público Federal decidiu agir: está processando, na Justiça, aqueles que insistem nessa infração, apesar das multas que levam
Nelson Bortolin
Os dados são só de Mato Grosso, porque a Polícia Rodoviária Federal (PRF) disse que não tem números nacionais: este ano, até 13 de agosto, foram multados 666 caminhões com excesso de peso naquele Estado. Juntos, eles carregavam pouco mais de 4,2 mil toneladas além do permitido – cerca de 6,4 toneladas por veículo. Se todos estivessem dentro da lei, sobraria carga para mais 114 viagens de bitrem.
Com essa amostra, dá para imaginar que são milhares as viagens de caminhões com excesso de peso pelo Brasil afora, ainda mais com as 77 balanças do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) inoperantes por causa de uma decisão da Justiça do Trabalho, desde outubro do ano passado. A falta de pessoal nos órgãos de trânsito impede que muitas balanças funcionem também nas rodovias estaduais e nas concedidas à iniciativa privada, porque a lei diz que uma multa só pode ser aplicada por um agente público.
Um levantamento feito pela Carga Pesada na seção de notícias do site da PRF mostrou que, em 10 blitze, foram flagrados 55 caminhões que levavam mais peso que o permitido, num total de 428,2 toneladas – 7,8 toneladas em média por veículo. Isso significa que eles “roubaram” carga suficiente para 11,5 viagens de bitrem.
Entre as notícias, está o flagrante de um rodotrem carregado de areia que pesou 132,3 toneladas (carga líquida mais tara) – um excesso de 58,3 toneladas, num PBTC que não poderia ultrapassar 74 toneladas. A multa, aplicada em abril deste ano em Mossoró (RN), foi de R$ 39 mil.
O Núcleo de Estatísticas da PRF informou que, de janeiro a julho, o excesso de peso em caminhões multados em todo o País somou mais de 72 mil toneladas, mas não soube dizer a quantos veículos esse total se refere.
Transportar peso além do limite pode parecer vantagem, mas quem faz as contas logo vê que não é. O excesso de peso de um caminhão desgasta o pavimento, cujo conserto é pago com os impostos de todos, põe em risco a vida de quem está na estrada e acelera a depreciação do veículo. Além disso, representa concorrência desleal.
“Se todo o mundo atender a lei, vai sobrar mais frete. É fácil perceber que, onde tem balança funcionando, os fretes são melhores”, ressalta o diretor técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis. “E ser contra o excesso de peso é uma questão de bom senso: você não deve estragar na ida o pavimento que você vai usar para voltar”, ressalta.
O engenheiro João Fortini Albano, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), escreveu uma tese sobre a influência dos excessos de carga na durabilidade dos pavimentos e calcula que os caminhões carregam, em geral, 20% de excesso de peso no Brasil. “Esse problema se deve à ganância de alguns transportadores e ao desleixo e à inoperância da fiscalização pelo governo”, declara. Fazendo testes em laboratório e exames no asfalto da BR-386, no Rio Grande do Sul, Albano constatou que o excesso de peso dos caminhões reduz a vida útil do pavimento em 25% a 60%. Ele critica o recente aumento da tolerância do excesso por eixo de 7,5% para 10%, determinado pela Lei 13.103. “Quando o pavimento é construído, ele não leva em conta nenhuma tolerância”, declara.
O engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, da Transtech, de Curitiba (PR), lembra que o prejuízo do excesso de peso para o veículo é muito grande, com danos principalmente à suspensão, como quebra de feixe de molas e de ponteiro de eixo. “Pneus e outros itens da suspensão também sofrem, sem contar o aumento do consumo de diesel”, explica. Mas as avarias não surgem todas ao mesmo tempo, por isso o transportador não percebe a relação delas com o fato de levar mais peso. “É como fumar apenas um cigarro por dia e depois ter câncer: você achava que aquele pouquinho não era perigoso, mas era.” No trânsito, alerta ainda o engenheiro, caminhão com excesso de peso tomba mais fácil e precisa de mais espaço para frear. “Tudo isso pode provocar acidentes graves. O excesso de peso, associado à falta de manutenção dos veículos, é a maior causa de acidentes com caminhão.”
Fala, caminhoneiro
Opinião de leitores da Revista Carga Pesada
Tem embarcador que não deixa carregar excesso de peso. Mas, mesmo assim, muitas vezes acontece de ter problema com excesso nos eixos. A balança no embarcador só pesa o total. Pra mim, balança virou fábrica de dinheiro para o governo.
Mauro Henrique, 45 anos, empregado de Ibaiti (PR)
A falta de conhecimento, aliada à crise, leva o caminhoneiro a tomar decisões precipitadas, como transportar excesso de carga. Além de aumentar o risco de acidentes, isso contribui com o desgaste prematuro das peças e pneus. Eu acho que excesso de peso não é solução, nem mesmo em tempos de crise e balanças fechadas.
Sebastião Félix Soares Jr., caminhoneiro de Paulista (PE)
Na nota, não tem tolerância
O chefe de fiscalização de trânsito da Polícia Rodoviária Federal, Stênio Pires, afirma que há duas maneiras de fazer fiscalização de excesso de peso: pela nota fiscal e pela balança, sendo que, no primeiro caso, não existe tolerância. Se um veículo pode levar 30 toneladas de carga e na nota fiscal estiver escrito 30,1 toneladas, ele será multado.
Pires observa que, mesmo com as balanças do DNIT fechadas, a PRF consegue fazer um bom trabalho de fiscalização. “Tem agente que, só de bater o olho no veículo, só de ouvir o ronco do motor, já sabe se há excesso de peso. Às vezes a nota fiscal é fracionada, mas o policial percebe que há excesso de carga, vai até a boleia e encontra outra nota”, informa. Além disso, a PRF tem convênio com a Associação das Secretarias Estaduais da Fazenda e, por isso, pode utilizar as balanças localizadas nas divisas de Estados.
O chefe da delegacia da PRF em Rondonópolis, inspetor Luís Carlos da Silva, por seu lado, acha que o problema do excesso de peso das cargas dos caminhões se agravou devido ao fechamento dos postos de pesagem do DNIT. Mas deve diminuir, lá na região dele, assim que a concessionária Rota do Oeste, que assumiu a BR-363, instalar suas balanças. “Uma delas ficará perto do Terminal da ALL”, afirma o inspetor.
Por enquanto, a Rota do Oeste está com uma balança não homologada em frente ao posto da PRF em Rondonópolis. “Não serve para a aplicação de multas, mas quando um caminhão é flagrado com excesso de peso naquela balança, nós somos informados e levamos o caminhão para pesar numa homologada pelo Inmetro para checar”, ressalta o inspetor.
O problema do excesso de peso também está presente nas vias pedagiadas. O diretor de desenvolvimento e tecnologia da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Flávio Freitas, conta que a operação das balanças no trechos privatizados varia de acordo com os contratos. A maioria fica a cargo das concessionárias. Mas só quem aplica a multa é o agente público. “Em alguns locais as balanças não estão funcionando por falta de agentes. Se não existe o agente, a balança fica fechada.” Isso acontece, segundo ele, nas rodovias pedagiadas do Estado de São Paulo.
Fala, caminhoneiro
Opinião de leitores da Revista Carga Pesada
Não carrego excesso de peso: não dá lucro e a empresa não autoriza. Às vezes, na hora de carregar, o operador da empilhadeira coloca a carga um pouco mais para a frente ou para trás e dá excesso nos eixos, mas dentro dos limites.
Antonio Aparecido Pereira, empregado, 56 anos, São José dos Pinhais (PR)
Carrego explosivos, armas e munições para o
Exército, não tenho problemas de excesso de peso com esse tipo de carga. Mas outro dia fui buscar uma carga de 23 toneladas de defensivo agrícola, sendo que a capacidade era 25 toneladas, e deu excesso de 410 quilos na tração. Fui multado em R$ 101. Eu sou contra levar peso a mais. Só serve para gastar pneu e óleo.
Antonio Vilson Jorge Shwab, 51 anos, autônomo de São
Leopoldo (RS)
Eu transporto óleo (em lata) paletizado. A carga é padronizada, mas mesmo assim às vezes dá excesso em eixo. Não levo excesso. Hoje mesmo estou com 27 mil quilos e a capacidade da Vanderleia é para 35 mil.
Reinaldo de Almeida, 41 anos, empregado de Cerquilho (SP)
Justiça condena transportadoras
Se o infrator não aprender com as multas, transportadores e embarcadores que “se acostumaram” a levar excesso de carga estão sendo processados pelo Ministério Público Federal (MPF). Há dois anos, o órgão conta com um grupo de trabalho de excesso de carga, coordenado pelo procurador regional da República da 1ª Região (Brasília), Edmar Machado.
Machado diz que muitas empresas assinam termos de ajuste de conduta com o MPF se comprometendo a mudar seu modo de agir e o assunto se resolve aí, mas as mais teimosas são processadas e têm sido condenadas. “Temos muitas decisões favoráveis.”
O MPF decidiu atuar com energia, segundo Machado, porque trafegar com excesso de peso significa causar uma série de problemas para a sociedade. “O infrator deve responder à Justiça porque danificou o pavimento, causou dano moral, acarretou um risco maior a todos que trafegam pela rodovia e violou a concorrência, no caso das empresas de transporte. São motivos para ele pagar uma indenização à sociedade”, declara.
Em geral, as indenizações que as empresas estão sendo condenadas a pagar giram em torno de R$ 10 mil por infração. “Fizemos um estudo onde propomos a apuração desse valor considerando o porte da empresa e o número de infrações”, explica o procurador.
DNIT diz que vai modernizar postos de pesagem
As 77 balanças do DNIT (chamadas de PPVs – postos de pesagem de veículos) estão paradas desde outubro do ano passado porque o Ministério Público do Trabalho (MPT) questiona a terceirização de seus funcionários. A assessoria do DNIT informa que recorreu da decisão da Justiça e que está negociando um acordo com o MPT para reativá-las.
Ao mesmo tempo, está em projeto um novo sistema de pesagem de veículos, chamado de Postos Integrados de Fiscalização (PIAFs), que irão substituir os PPVs. Com ele, os veículos serão pesados na velocidade normal da pista, através de sensores. Só entrará no posto de pesagem o veículo em que for detectado excesso de peso, e será autuado.
Quem deve pagar a multa?
De quem é a responsabilidade legal pelo excesso de peso em rodovias? Quem deve ser multado? Ninguém sabe exatamente as respostas para essas perguntas depois que saiu a atual lei do caminhoneiro (13.103), em março deste ano, dizendo o seguinte: “O embarcador indenizará o transportador por todos os prejuízos decorrentes de infração por transporte de carga com excesso de peso em desacordo com a nota fiscal, inclusive as despesas com transbordo de carga”.
Acontece que o Código de Trânsito Brasileiro atribui responsabilidades tanto para transportadores como para embarcadores em caso de excesso de peso, e define três situações:
1º – a multa vai para o embarcador quando houver excesso de peso no veículo no qual ele é o único remetente da carga, e se o peso declarado na nota fiscal for inferior ao aferido;
2º – a multa vai para o transportador quando a carga pertencer a mais de um embarcador;
3º – a multa vai para ambos quando o peso declarado na nota fiscal for acima do limite legal.
A inclusão da questão das balanças na Lei 13.103 se deveu à pressão dos caminhoneiros na greve do início deste ano. Aparentemente, a intenção foi atribuir sempre ao embarcador a responsabilidade pelo excesso de peso.
A Carga Pesada questionou a PRF quanto à contradição entre as duas leis e perguntamos qual é a norma que está sendo seguida, mas não tivemos resposta até o fechamento desta edição. A assessoria jurídica da NTC&Logística ainda estudava o assunto.
Pelo código de trânsito, o motorista do caminhão, se não for o transportador, não tem responsabilidade pelo excesso de carga. Ele só será penalizado se fugir da balança.
Fala, caminhoneiro
Opinião de leitores da Revista Carga Pesada
Não existe mais balança, elas estão desativadas. E o embarcador diminui o valor do frete por tonelada para o caminhoneiro se sujeitar a levar mais. Ele diz que paga tal valor e que não vai pesar a carga. Você já sabe que vai ter excesso. Você escolhe se quer levar.
Claudemir C. dos Santos, autônomo de Londrina