A transportadora que começou carioca em 1948 e encerrou atividades como mineira, em 1995, deixou um acervo fotográfico que permite um notável mergulho ao passado da caminhonagem
Luciano Alves Pereira
Comecemos com uma explicação importante: a viagem ao passado desta reportagem é uma homenagem aos nossos leitores, pelo Dia Nacional do Transportador Rodoviário de Carga, que se comemora em 17 de setembro, conforme decreto assinado pelo presidente Itamar Franco em julho de 1993. Você sabia que existe esse dia?
Vamos à história. No final de 1995, a Caramurú encerrava suas atividades em Contagem (MG), onde ficava sua matriz. Mas a empresa tinha nascido no Rio de Janeiro, em 1948. Seu nome pomposo era próprio do Brasil da época em que o Rio de Janeiro era capital federal e o presidente da República era o general Eurico Gaspar Dutra. Chamava-se Empresa de Transportes Comercial Importadora Caramurú Ltda., com acento e tudo.
Caramuru, em tupi-guarani, quer dizer filho do trovão. Foi assim que os índios tupinambás apelidaram o náufrago português Diogo Álvares, quando este apareceu no litoral baiano, em 1510. Também eram portugueses os fundadores da Caramurú, os irmãos Joaquim e Wilson Chagas. Comerciantes de secos e molhados, eles tinham ligação com a Carlos Pereira Indústrias Químicas, também carioca, fabricante do removedor Faísca, do sabão Platino e do sabonete Cinta Azul. Os produtos contavam com poderosos “empurradores de vendas”, não menos que Manoel Barcelos e César de Alencar, vozes de longo alcance da Rádio Nacional, a emissora mais ouvida no País.
As tardes da Rádio Nacional eram animadas por intérpretes de inesquecíveis sucessos musicais, como Nora Ney, Jorge Goulart, Emilinha Borba, Marlene, entre outros, entremeados de propagandas que repercutiam nos negócios da Caramurú. A empresa logo diversificou atividades e passou a se concentrar no transporte de carga. Comprou caminhões e expandiu as linhas para Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte, levando não apenas produtos da Carlos Pereira, mas de outros também. Foi uma das pioneiras na operação de carretas-baú de um eixo, fabricadas pela americana Fruehauf, marca que antecedeu tudo que existe hoje e serviu de inspiração para a Randon, de Caxias do Sul. No auge da operação, a Caramurú chegou a ter 60 semirreboques, numa frota de 157 veículos, conforme informou Mário de Barros Portela, que adquiriu a transportadora dos Chagas, em 1983.
O parque rodante da transportadora tem importante valor histórico. Seu acervo fotográfico chegou à Carga Pesada através da historiadora e pesquisadora mineira Ana Maria Rezende, que o recebeu de Mário Portela, o último dono. Entre várias imagens, extrai-se um recorte dos caminhões importados dos EUA e da Alemanha, na segunda metade da década de 1940, período marcado pelo esforço dos fabricantes em renovar os veículos, numa produção fortemente afetada pela 2ª Guerra Mundial.
A Caramurú operava com várias marcas americanas, como Dodge, Reo, Studebaker, até Magirus Deutz. Havia ainda a joia GMC 760, caminhão toco, com motor Detroit Diesel, apelidado de marítimo. Tinha ronco característico, decorrente de sua concepção de dois tempos. Estranha-se, no entanto, a ausência dos Chevrolet e Ford, os senhores da praça naqueles anos. Em compensação, a empresa dispunha de vários Mercedões bicudos – inclusive modelos pré-guerra –, aplicados como cavalos mecânicos.
Mário Portela conta que os Chagas prosperaram no TRC e, sentindo a idade avançar, “decidiram ir morrer em Portugal”. Como principal executivo da empresa, topou comprá-la por 2 milhões e 800 mil dólares, em 1983. No valor incluem-se as filiais e a sede própria em Contagem, além da frota. Em decorrência do grande volume de carga retirada da cliente Esab, fabricante de eletrodos (para solda), também de Contagem, o diretor resolveu transferir a matriz para o município, localizando-a na avenida João César de Oliveira local. No final de 1995, Portela fechou a firma.