Em São Paulo a situação está assim. Com despesas em alta e fretes baixos, seria um alívio para o transportador poder rodar mais. Mas como rodar mais, se as empresas não têm boa infraestrutura para a descarga e nem querem indenizar a espera, como manda a lei?
Nelson Bortolin
Não está fácil pra ninguém. Em 2015, a economia do Brasil andará para trás. As estimativas dos especialistas apontam que o Produto Interno Bruto (PIB) vai cair mais de 1%, pior resultado em 20 anos. O Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) foi fortemente afetado pelo momento econômico. Custos mais altos e dificuldade de fazer os clientes pagarem a diferença formam um cenário desesperador para muitos, como os caminhoneiros autônomos que realizaram bloqueios de rodovia em fevereiro e em abril.
Esta não é a primeira vez que o País e o TRC sofrem uma crise. A revista Carga Pesada, em seus 30 anos de existência, já reportou vários momentos de muita dificuldade. Fugir do aumento do óleo diesel – o maior custo – não é possível. Obrigar o embarcador a pagar o frete justo, também não. Mas, o transportador pode e deve lutar por produtividade. E conta com o apoio de uma lei para isso. Além de definir novas regras para a jornada de trabalho dos caminhoneiros, a Lei 13.103 atualizou o valor de diárias previsto na Lei 11.442, de 2007, que regulamentou a atividade de TRC. Após cinco horas de espera para carga ou descarga, o transportador (empresa ou autônomo) tem direito a uma remuneração de R$ 1,38 por tonelada/hora ou fração. Antes, esse valor era de R$ 1.
O diretor técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis, ressalta outra importante mudança. A nova lei aboliu o parágrafo da anterior que dizia que o pagamento da diária não se aplicava se as partes combinassem outro valor. “Na forma anterior, o pagamento da diária era quase opcional. Agora é obrigatório e nós estamos orientando nossos associados a não deixarem de cobrar depois das cinco horas”, informa Neuto, lembrando que o embarcador é obrigado a fornecer o comprovante da hora de chegada do veículo para descarga.
Se o transportador passar a exigir seu direito, certamente perderá menos tempo parado. E vai produzir mais.
A TDB Transporte, de São Paulo, não deixa por menos. Sempre cobrou a partir da quinta hora de espera. Mesmo assim, o diretor comercial da empresa, Thiago Menegon, acredita que poderia trabalhar com uma frota 15% menor se houvesse mais agilidade por parte dos embarcadores. Menegon, que também ocupa o cargo de diretor adjunto de Abastecimento e Distribuição do Sindicato das Empresas de Transporte do Estado de São Paulo, é um dos responsáveis pela pesquisa que resulta no Índice de Eficiência no Recebimento (IER), elaborada anualmente pelo sindicato desde 2000.
No ano passado, o levantamento foi realizado pelo Ibope de 24 de abril a 27 de junho, em 357 empresas de 11 setores na Grande São Paulo. E o resultado mostra que, cada vez mais, os transportadores de carga fracionada estão perdendo tempo parados nas sedes dos clientes.
A pesquisa tem duas partes: uma, respondida pelos embarcadores, trata da infraestrutura e procedimentos aplicados para recebimento de cargas; a outra investiga o tempo de espera junto aos transportadores.
O Setcesp divulga o IER Inicial, no qual dá pontos às empresas de acordo com sua estrutura e procedimentos, sem levar em conta o tempo de espera. Já o IER Final considera os dois aspectos. Comparando 2013 com 2014, o IER Inicial até melhorou, de 61% para 62,41%. Mas o tempo médio de descarregamento (TMD) subiu de 2 horas e 54 minutos para 3 horas e 23 minutos, causando uma queda no IER Final de 40,26% para 35,94%. A demora para descarregar aumentou muito. No IER de 2009, ele era de 1 hora e 52 minutos. Ano a ano, só aumentou.
Analisando a pesquisa por setores, centros de distribuição (CDs) e distribuidoras apresentam os maiores TMDs: 4h49 nos primeiros e 4h22 nas distribuidoras. Por rede, o maior tempo de espera é de 9h13 nas Lojas Americanas, seguido do Carrefour, com 6h17. Telhanorte tem o menor TMD, de 2h28. O segundo menor é o do Makro – 2h47.
Vários fatores contribuem para as longas esperas. “Há situações em que o caminhão fica parado por uma questão de estrutura, o cliente não tem espaço para descarregar”, afirma Menegon. Em outras, existe um descompasso no agendamento da descarga. “Por exemplo, se você vai na Americanas na primeira e na segunda semanas do mês, há filas para descarregar. Já na terceira e quarta tem docas vazias. Não existe comunicação entre o departamento de compras e o departamento de logística.”
O diretor acredita que a maior parte dos transportadores negocie com o cliente uma remuneração pelo tempo de espera. “Na minha empresa, isso está em tabela. Eu já abri mão de negócios porque o cliente não queria pagar. Se não quer pagar, arrume quem faça, eu não faço”, diz ele, recordando que aprendeu com a experiência – já teve uma carreta retida para descarga de uma sexta-feira até a segunda-feira.
Menegon ressalta que o trabalho do Setcesp é municiar o associado de informações para que tenha argumento comercial diante dos clientes. “As empresas médias e as grandes dificilmente deixam de cobrar.”
Questionado pela Carga Pesada, o Carrefour informou, por meio da assessoria de imprensa, que “possui rigorosos procedimentos de abastecimento e trabalha constantemente para otimizar o recebimento de mercadorias em seus centros de distribuição”. A companhia afirma que, em 2014, fez a troca dos sistemas de agendamento de entregas e cadastro de notas fiscais para obter maior agilidade e eficiência nesses processos.
“A empresa também tem atuado para melhorar sua infraestrutura, o que contempla a renovação de pátios, docas, equipamentos de movimentação e áreas de apoio aos caminhoneiros. A rede ainda adota um rígido cronograma de entregas e orienta regularmente fornecedores e caminhoneiros sobre a importância de atender a este calendário”, diz a nota do Carrefour.
A reportagem também tentou falar com as Lojas Americanas e Walmart, mas não obteve retorno.
No transporte de grãos, a situação é pior
Se para distribuir carga de alto valor agregado num grande centro, como São Paulo, o transportador perde quase 10 horas em fila, imagine quanto sofrem os que transportam grãos. Estes dificilmente conseguem descarregar em menos de 24 horas. E ainda enfrentam um problema mais sério: “Pior que o tempo de espera é o problema de troca de notas, que se agrava a cada dia”, afirma o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de Mato Grosso (Sindicam-MT), Roberto Costa.
Antes de chegar ao destino, os motoristas são obrigados pelas tradings a fazer trocas de nota. “Um caminhoneiro que sai de Sorriso e vai até o terminal da ALL em Rondonópolis (pouco mais de 600 quilômetros) chega a ter de trocar quatro vezes”, diz Costa. O troca-troca de notas é corriqueiro pelas bandas de Mato Grosso. No ano passado, a Carga Pesada tratou desse assunto e tentou entrevistar as tradings sobre o porquê deste mecanismo. Ninguém fala a respeito. “Eu suspeito que se trata de uma manobra para driblar o Fisco”, declara o presidente do Sindicam-MT.
Costa reconhece que o tempo de espera para descarga nos terminais da ALL diminuiu nos últimos anos. Depois de intimada pelo Ministério Público, a concessionária da ferrovia tomou providências para se organizar. Desde a safra 2013/14 não se veem mais filas quilométricas de caminhões nas estradas de Mato Grosso. Por outro lado, o sindicalista alega que aumentou o tempo para descarga de fertilizantes, que os transportadores levam para o Estado como frete de retorno dos portos. “Em Rondonópolis, chegam a ficar quatro dias esperando a descarga.”
De acordo com ele, em geral os caminhoneiros não cobram das empresas as diárias a que têm direito após a quinta hora de espera. “Os contratantes, inclusive transportadoras, fazem lista negra. Quem exige diária não carrega nunca mais naquela empresa”, denuncia.
Caminhoneiros metem bronca e dão sugestões
Se quiser descarregar na ArcelorMittal, em João Monlevade (MG), o caminhoneiro precisa fazer curso e prova escrita a cada 90 dias. Quando soube da exigência, Wellington Forte, de Contagem (MG), ficou irritado. “A prova é ridícula, perguntam qual é o número do telefone de emergência, sendo que o número está ali do lado”, critica. Mas não é a prova que tira Forte do sério. “O pior é ter de retornar com um caminhão carregado uns três ou quatro quilômetros para fazer o curso em um posto de combustíveis. A gente perde um tempão.”
Forte reclamou por e-mail com a ArcelorMittal. “Perguntei por que não deixavam alguém na porta da empresa para aplicar a prova. Responderam que isso representava mais custo para eles. Respondi que voltar à cidade com caminhão carregado representa custos para o caminhoneiro. Disseram que era uma decisão da empresa”, conta.
Ele diz que gosta das coisas bem combinadas, e não se arrepende de agir assim. É uma questão de respeito. “Fui carregar um equipamento em Morro Alto (MG). O embarcador exigiu minha chegada às 7h30. Às 7 horas, eu já estava lá, mas ele só chegou depois das 9. Reclamei e ele se achou no direito de dizer que, ‘pelo sindicato’, o motorista é obrigado a esperar até cinco horas. Entrei no caminhão e deixei a carga para trás. Quando ele viu que eu estava indo embora, me telefonou para dizer que pagaria as horas que fiquei esperando. Mas eu não voltei. O que é combinado não é caro. As pessoas deveriam dar mais atenção ao motorista e vê-lo como parceiro e não como escravo”, são as palavras de Forte.
Outro que não deixa de reclamar é o gaúcho Fábio Luís Roque. Se for necessário, ele também apresenta sugestões. Fábio não se conforma com o tempo de espera para descarregar nos terminais do Complexo Termasa/Tergrasa, no Porto de Rio Grande (RS). Diz que ali o grande gargalo é na amostragem dos grãos. “Iria agilizar muito a descarga se a amostra fosse tirada no pátio de triagem, pois o caminhão muitas vezes chega cinco horas antes do horário agendado”, afirma.
Para evitar o risco de fraude após a retirada da amostra no pátio de triagem, ele afirma que um simples lacre resolveria o problema. Roque mandou um longo e-mail para os terminais com sua sugestão. Disse que diminui o risco de queda do motorista na hora de retirar a lona, pois ele poderá fazer isso com calma, no pátio, e calculou o ganho de tempo. “O porto descarrega 500 caminhões por dia e perde 5 minutos com cada na amostra. No total, são 2.500 minutos, ou seja, mais de 41 horas.” Na hora da amostragem, no sistema atual, chega a haver filas de até 70 caminhões, de acordo com ele.
Fábio afirma que sua sugestão pouparia tempo do motorista, evitaria longas filas no terminal e poderia evitar o pagamento de estadia. “Se hoje o caminhoneiro faz sete viagens ao mês para o porto, ele poderia fazer dez”, estima.
Questionado pela Carga Pesada, o gerente de Controle da Qualidade e Meio Ambiente do Complexo, Marcelo Weyer das Neves, disse que a empresa está investindo para agilizar o processo. “O setor de amostra, que inicialmente contava com dois pontos, foi ampliado para quatro pontos. Existe um projeto para agilizar ainda mais este setor, mas destacamos que nossa movimentação atual gira em torno de 1.200 caminhões por dia”, afirma. O gerente não fez nenhuma consideração sobre a proposta de Fábio. Disse apenas que agradece a iniciativa de “apresentar suas ideias, que são bem-vindas”.
Já a ArcelorMittal enviou uma nota à Carga Pesada dizendo que “preza pela segurança de seus empregados e de todos aqueles que trabalham com a empresa” e que em todas as suas unidades “os caminhoneiros precisam estar em dia com o treinamento de segurança para ter sua entrada autorizada na usina”. Segundo a nota, a prova citada pelo caminhoneiro Wellington Forte é um curso básico de segurança, seguido de teste. “O treinamento é feito enquanto o caminhoneiro aguarda a liberação para ir à usina fazer o carregamento ou a descarga do material que transporta. Ou seja, não há perda de tempo. A espera para a entrada na usina depende da programação da expedição do produto ou do descarregamento de matérias-primas”, diz a nota.