São cinco medidas que entrarão em vigor em diferentes datas, até 2014. Melhorarão a segurança e reduzirão prejuízos ao meio ambiente – mas, em certas atividades, deixarão o caminhão novo até 30% mais caro do que hoje, dentro de três anos.
Nelson Bortolin
O preço de um conjunto cavalo-trator + bitrem, hoje em cerca de R$ 470 mil, vai passar de R$ 607 mil em 2014 (sem contar a inflação). Isto é, 30% a mais. Será esse o impacto financeiro de um conjunto de leis e resoluções que afetam o TRC, e que entrarão em vigor até lá, algumas já no ano que vem, outras mais tarde. Os 30% incluem a volta do IPI de 5% dos caminhões, que não foi cobrado nos últimos tempos.
As exigências de cavalos com tração 6×4 para puxar bitrem e de protetor lateral para implementos, são as primeiras novidades e vão significar 10% a mais no valor do cavalo-trator e cerca de R$ 3.500 em cada carreta. Elas começam a valer já em 1º de janeiro de 2011. A partir de 1º de abril, as montadoras terão que entregar veículos novos com dispositivos antifurtos. Mais R$ 2.500 no preço do cavalo e em cada implemento – bitrens ou rodotrens terão três rastreadores obrigatórios.
Em 2012, será dado mais um passo para a redução da emissão de gases, com a introdução dos motores Euro V, e os cavalos ficarão de 10 a 15% mais caros. Em 2013, 40% dos cavalos-tratores e das carretas produzidas no Brasil terão de dispor de freios ABS. Finalmente, em 2014, todos os cavalos-tratores e carretas (e não apenas 40%) terão que sair de fábrica com ABS instalado.
As medidas visam o combate do roubo de veículos e de carga, a redução de danos ao meio ambiente e, principalmente, o aumento da segurança no trânsito. Já são aplicadas há muitos anos na Europa e nos Estados Unidos, mas sua necessidade por aqui divide opiniões entre transportadores e até nas montadoras.
A Carga Pesada ouviu várias fontes ligadas ao TRC, e apresenta um painel dessas opiniões.
O engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, diretor da Transtech Ivesur Brasil, de Curitiba, respeitado especialista em segurança no TRC, diz que os avanços tecnológicos previstos “são fundamentais para melhorar a eficiência e a segurança dos veículos de carga”. O Brasil está atrasado nesse aspecto, mas a forma gradual de colocar em prática as medidas previstas “é melhor que nada”.
De acordo com Melo, o freio ABS, que equipa os caminhões europeus desde os anos 90, reduziu os acidentes em até 10% em alguns países.
Sobre a tração 6×4 para puxar bitrens, Melo afirma que também trará um ganho expressivo em segurança, porque haverá mais freio motor nos eixos, e reduzirá os danos no asfalto, onde os 6×2 deixam ondulações ao patinar nas trocas de marcha nas subidas.
O vice-presidente da Coopercarga, de Concórdia (SC), Osni Roman, também apoia as novas medidas, apesar do custo, “que terá de ser absorvido por todos: transportadores, embarcadores e consumidores”.
Ele concorda que os cavalos 6×4 são mais adequados para puxar bitrens e, sobre os freios ABS, já equipam algumas carretas da Coopercarga. “Posso dizer que são muito mais seguros. Custam um pouco mais, mas vale a pena. Os semirreboques apresentam muito risco de L [derrapagem da carreta ao frear, formando um L em relação ao cavalo]e o ABS ajuda a evitá-lo.”
Para o G10, era melhor investir em rodovias
O Grupo G 10, de Maringá (PR), é o maior transportador de grãos do Brasil e trabalha basicamente com bitrens. Será grandemente afetado pelas novas exigências. Seu presidente, Claudio Adamucho, torce o nariz para elas. “Com tanta rodovia em situação precária, a preocupação deveria ser melhorá-las e não em aumentar o custo dos transportadores e da sofrida agricultura, que vai pagar o investimento em veículos mais caros.”
O protetor lateral das carretas pesa 200 kg num bitrem, lembra Adamucho. “Serão 200 kg a menos de carga”, acrescenta, para uma melhoria da segurança discutível. “Evita que uma motocicleta vá parar embaixo da carreta num acidente, mas, para aumentar a seguranças nas rodovias, a construção de terceira pista daria mais resultado. Não tem protetor que vá salvar uma vida numa situação séria. Mesmo assim, a solução que eles encontram é colocar a mão no bolso do transportador”, afirma.
Ele também discorda da exigência de 6×4 para bitrem. “Existem 200 mil bitrens com cavalo 6×2 pelo País e isso não aumentou os acidentes nem o desgaste da pavimentação. Quanto ao ganho em frenagem com o 6×4, é pequeno”, disse Adamucho.
Uma medida que considera “viável” é a exigência do rastreador. “Não é tão caro e é positivo porque os roubos de veículos têm sido muitos, com grandes prejuízos para os transportadores”.
Montadoras têm opiniões diferentes
Nas montadoras, também há opiniões divergentes sobre as novas exigências legais. Álvaro Menoncin, gerente de Engenharia de Vendas da Volvo, apoia. “Acho que temos que parar em pensar somente em custo e pensar mais na segurança”, disse.
Segundo ele, a mentalidade está melhorando: “Alguns embarcadores exploravam a tal ponto o transportador que um ano depois ele não podia repor o caminhão. Mas hoje cobram boas condições do caminhão em análises superrigorosas”, afirma.
Menoncin ressalta que 70% dos caminhões Volvo no Brasil já saem de fábrica equipados com caixa de câmbio I-shift, que exige o uso do ABS.
Ricardo Alouche, diretor de Vendas e Marketing da MAN Latin America, tem outra opinião. “O nosso país não precisa de tudo isso. Temos que ter uma lei adequada para nossa realidade, não precisamos imitar a Europa, onde tudo é muito caro.”
Alouche diz que a MAN trabalha junto à Anfavea para que futuras exigências “procurem não aumentar custos para o transportador”. Ele acha, por exemplo, que não é o caso de falar em caminhão híbrido no Brasil. “Nós temos que desenvolver combustíveis alternativos, somos bons nisso. Temos que viabilizar o biodiesel B100 ou B50, tornando o Brasil líder nesta tecnologia, como aconteceu com o álcool”, completa.
Preço do bitrem pode aumentar R$ 29 mil
As novas legislações podem elevar o custo de uma carreta furgão de 3 eixos em R$ 16.250 e de um bitrem em R$ 29 mil, segundo revela Mário Rinaldi, diretor executivo da ANFIR – Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários.
Os protetores laterais podem custar de R$ 1,5 mil a R$ 3,5 mil, dependendo do tamanho da carreta. Os rastreadores vão custar entre R$ 2 mil e R$ 3 mil cada. E os freios ABS, cerca de R$ 6 mil.
Rinaldi diz que a Anfir está pedindo alteração na resolução que exige o ABS. O documento fala em 40% da produção com o novo tipo de freio em 2013 e 100% em 2014. “Queremos que as CVC [combinações de veículos de carga] sejam equipadas no primeiro ano e as demais carretas no ano seguinte”, explica.
Para ele, tanto o protetor lateral quanto o ABS são “inovações muito importantes” para garantir segurança no trânsito. “Há muito tempo que as transportadoras de combustível no Brasil só utilizam ABS”, informa.
Quanto aos rastreadores, Rinaldi diz que os equipamentos ainda estão em teste nas implementadoras, mas provavelmente será cumprido o prazo de 1º de abril. Ele não acha que seja exagero exigir rastreador no cavalo e em cada carreta. “Hoje em dia, tudo é desengatável. O ladrão pode levar só uma carreta.”
A Randon vem trabalhando nos últimos seis meses para desenvolver os protetores laterais. O diretor executivo Norberto Fabris lembra que a Europa inventou os protetores porque muitos ciclistas morreram lá, debaixo de carretas. No Brasil, a preocupação é com os motociclistas.
A lei brasileira, de acordo com ele, pede um protetor mais robusto que o europeu. “Tem que resistir a uma carga de 500 kg, enquanto na Europa o limite é 100 kg.” Sobre a tração 6×4 para bitrens, ele ressalta que muitos transportadores passarão a comprar vanderleias a partir do ano que vem, pois terão um preço mais atraente. “Mas são carretas que não servem para trabalhar na fazenda, só andam bem em boas estradas”, lembra.
O bitrenzão (9 eixos) parece uma boa alternativa. “Já que terá de encarar um custo maior com o 6×4, o cliente poderá ir logo para uma composição maior, de 74 toneladas”.
Apostando na modernidade
A Transportadora Americana está adiantada em relação à Resolução 323 em pelo menos 15 anos. Segundo o diretor Celso Luchiari, todas as carretas da empresa têm protetor lateral. “Nós temos uma cultura de trazer para cá o que existe de melhor no mundo. Tudo que se traduzir em segurança e modernidade conta com o nosso apoio”, diz.
Luchiari afirma que a empresa pratica a responsabilidade social. “A escova antispray que é colocada nas rodas dos nossos veículos é feita por uma entidade de deficientes visuais. Achamos que são coisas baratas diante do benefício que podem trazer e que revertem em ganhos de imagem.”
Acostumado com as novas tecnologias devido “ao grau de exigência” de seus embarcadores, o presidente da Transportadora Dalçoquio, Guto Dalçoquio, ressalta que as empresas precisam investir em treinamento para os motoristas a cada novidade adotada. “Isso gera custo e os transportadores precisam que seus clientes os ajudem a pagar esta conta”, afirma.
Transportando diversos produtos perigosos, ele diz que a Dalçoquio já conta parte da frota equipada com ABS. “O ganho em segurança sem dúvida é muito grande”, alega. Sobre a exigência de 6×4 para bitrens, o presidente explica que a empresa tem optado mais por vanderleias. “A manobra do bitrem nas usinas em que nós trabalhamos é mais complicada”, justifica.
Rastreadores terão funções limitadas
Os equipamentos antifurtos que serão obrigatórios a partir de 1º de abril terão apenas duas funções: localizar e bloquear o veículo. Portanto, não serão úteis para quem desejar travar baú, controlar temperatura ou saber aonde está o veículo ou sua velocidade.
“Se considerarmos que existem 2,5 milhões de veículos de carga no País e só 400 mil contam com rastreadores, a medida terá grande repercussão”, afirma Cyro Buonavoglia, presidente da Gristec – entidade que representa as empresas de tecnologia.
O dono do veículo poderá optar entre deixar o rastreador inativo ou contratar uma empresa para fazer o rastreamento.