Empresária mineira não se conforma com as práticas da concorrência no TRC: “Vivemos fazendo caridade”
Luciano Alves Pereira
“Sofremos pressão de um mercado que nos conhece bem e explora nossas fraquezas”, diz Bethânia Horta, diretora da Ultrapress, de Belo Horizonte. Ela é uma rara empresária do TRC e toca o seu negócio há 11 anos, dedicando-se a carga fracionada para São Paulo, Campinas e Sorocaba. É uma inconformada com as práticas da concorrência predominante no meio, e as define com frases de efeito. Por exemplo, ela cunhou a “filantropia voluntária do comércio”, para sintetizar o seu jeito crítico de ver o jogo bruto no campo da captação de fretes FOB, chamado comercial das transportadoras de carga fracionada.
Nascida em Santa Maria do Suassuí, no nordeste de Minas, Bethânia iniciou-se no ramo na Braspress. Ficou de 1993 a 1998, quando, ao ser dispensada do emprego, abriu a Ultrapress junto com o marido, Sérgio Roberto Caldeira, e com César Augusto Faria Simões, que era seu gerente na Braspress.
Penou bastante no começo e admite ter “errado muito porque tínhamos pouco dinheiro e o sócio César achava que deveríamos nascer grandes para concorrer com as gigantes”. Mesmo assim, a Ultrapress mantém o figurino de sempre, com transferências terceirizadas e a coleta e entrega por frota própria (quase toda) nas pontas. Conta com cerca de 30 veículos, entre próprios e agregados, e tem 70 empregados “com carteira assinada”, faz questão de frisar.
Bethânia desabafa: “No Brasil tudo passa pelos baús e carrocerias de nossos veículos. Portanto, o TRC era para ser mais beneficiado, era para ser mais rentável”. A realidade é outra: “Hoje, nós devemos impostos, sabe? Não conseguimos manter a ‘vida’ em dia porque os preços que praticamos estão aquém do necessário”. Para ela, “o TRC é refém do mercado e a reversão dessa coisa depende da óbvia união da classe”, intento do qual ela já desanimou: “Participar de sindicatos é perda de tempo”.
A diretora da Ultrapress dá uma balançada: “Transportar hoje é semear grãos em pedras, adubar com esperança e regar com o próprio sangue”. Mas recupera o chão: “É tempo de trabalharmos em equipe e sermos uma comunidade de golfinhos, que se protege contra os predadores e se une para buscar alimento”.
Vale a pena repetir o enunciado-síntese feito por Bethânia, quando diz que o TRC faz “filantropia voluntária”. “Os preços do frete são verdadeiras doações”, explica. Seu forte é a ironia. Mas também é amar o transporte e trabalhar por ele.