Ainda existe paixão pelo trabalho na estrada. Mas boas condições de trabalho são para poucos
Nelson Bortolin
Pai de sete filhos, o autônomo Wellington Márcio da Torre, 60 anos, morador de Contagem (MG), pegou a estrada pela primeira vez em 1973. Afastou-se da profissão por 12 anos, aposentou-se como operador de refinaria na Petrobras e voltou ao trecho cinco anos atrás.
Para ele, a maior mudança nesses anos foi a profissionalização de uma parte do TRC. “Tinha pouca empresa grande. Hoje existem várias com mais de mil caminhões.” E o conforto dentro da boleia evoluiu muito. “A gente se cansa menos. Temos ar-condicionado, banco pneumático. A ergonomia melhorou. O caminhão virou uma casa ambulante.”
Quanto à profissão, Torre diz que mudou para pior. “Estamos marginalizados, em parte por culpa do próprio motorista. Muitos depredam patrimônio privado, como os banheiros dos postos”, salienta.
Segundo o mineiro, a categoria está menos organizada. “Os caminhoneiros ficaram mais individualistas. Você acerta um preço do frete com um sujeito atrás dando sinal de que pega por menos”, conta.
Com um ganho de R$ 8 mil de aposentadoria, Wellington poderia ficar no conforto do lar. Por que preferiu voltar ao trecho? “Porque eu tenho caminhão pago, não preciso entrar em concorrência predatória e amo a profissão. É uma realização”, responde.
Já o paulista Donizetti Aparecido do Nascimento, 57 anos, de São José dos Campos, abraçou o ofício em 1980. Sempre foi empregado. Diz que a realidade do transporte é muito diferente hoje. “Os caminhões evoluíram bastante. As estradas também, ainda que tenhamos que pagar pedágio.”
Para o caminhoneiro, no entanto, a situação piorou, segundo ele. “Na década de 80, o que a gente ganhava dava para sustentar a família. Hoje, ninguém quer pegar a estrada porque o salário não compensa. A rapaziada prefere arrumar um emprego mais ou menos na cidade e ficar perto da família”, conta.
Bem que ele tentou, mas nunca conseguiu comprar um caminhão. “Tentei duas ou três vezes. A gente chega lá e tem de dar R$ 20 mil. O caminhão custa R$ 80 mil. Aí tem de financiar. De R$ 80 mil, o caminhão vai para R$ 150 mil. Você fica com uma tremenda responsabilidade de pagar tudo isso. Eu tenho muito medo de conta. O dia de amanhã a gente entrega pra Deus.”
Para Nelson Matter, de Embu das Artes (SP), a rentabilidade do transporte rodoviário de carga caiu muito nas últimas décadas. Quando ele entrou no setor como caminhoneiro empregado, em 1992, era muito mais vantajoso. “Eu saí da roça para trabalhar no transporte e achei que ficaria rico de tão bom que foram os primeiros tempos”, recorda.
Ele conta que chegou a faturar 10 salários mínimos (remuneração fixa mais comissão de 10% do frete). Hoje, seria algo próximo de R$ 8 mil. Matter diz que a frota nacional cresceu muito. E, ao contrário de antigamente, hoje é muito fácil entrar na profissão. “Se o cara colocar na cabeça que quer ser caminhoneiro, ele estará empregado em dois meses”, declara.
Ao mesmo tempo que foram abertas milhares de vagas de trabalho, os fretes, de acordo com ele, foram caindo e as comissões idem. Apesar disso, Nelson Matter evoluiu bastante. Em 2006, tornou-se autônomo. Em 2009, apareceu na capa da Carga Pesada, com seu primeiro zero-quilômetro. Virou empresário e hoje tem sete caminhões.
“Evoluí porque consegui ir comprando outros veículos e colocando terceiros para trabalhar”, justifica ele, que vem se dedicando ao transporte de iogurte para a Vigor. Outra razão para seu progresso é o fato de ter montado uma firma dentro do CD da embarcadora em Embu das Artes. É responsável pela carga e descarga na unidade. “Eu abracei a oportunidade que apareceu. Não ganho muito, mas uma coisa atrelada a outra dá resultado”, declara.
Calculando uma depreciação de R$ 2.500 por mês em cada caminhão, ele acha ilusório pensar que vai conseguir formar grande patrimônio atuando no transporte rodoviário de carga.