Luciano Alves Pereira
Revista Carga Pesada
Sabida por muitos, repercute a notícia de que a Mannesmann programa a desativação da sua tradicional usina no Barreiro, bairro a leste da cidade. Desativar não é bem o termo. A empresa deverá apagar os dois alto-fornos, acesos há não menos que 62 anos. A medida tem a ver também com o encolhimento da atividade econômica e suas conseqüências no desemprego devem se agravar na capital.
A empresa alemã passou a ser francesa, controlada pela Vallourec, que por sua vez associou-se à Sumitomo japonesa e, em nome destas (V&S), foi construída uma nova planta em Jeceaba, a 100 quilômetros da anterior no eixo da ferrovia MRS, rumo ao sul.
A Mannesmann teve passagem na história, que merece ser lembrada. A inauguração ocorreu em agosto de 1954, poucos dias antes do suicídio do presidente Getúlio Vargas, o qual esteve presente à solenidade. Junto, o então governador de Minas, Juscelino Kubitschek. Em fevereiro de 2016, as siderúrgicas acima anunciaram a respectiva fusão, “buscando melhor explorar suas sinergias, melhorando sua competitividade”, diz o comunicado das mesmas.
No entanto, o que se quer registrar nessa alteração de domicílio é a sua correlação com o TRC. Sem abandonar o antigo nome, sabe-se que a Mannesmann produz tubos sem costura de variados calibres. Sua utilização básica na indústria automotiva é conhecida: fabricação de amortecedores. Também na indústria de armamentos. Já os produtos mais parrudos vão para a indústria de petróleo e gás.
O escoamento dessa produção sempre dependeu do TRC. E começou logo em 1954. Eram embarques de amarrados de peças de até 14 metros de comprimento. No primeiro momento, seguiam parte nos vagões da Estrada de Ferro Central do Brasil, cujo nome mudou depois para RFFSA e hoje é a MRS. Em pouco tempo, o TRC se adequou e tal carga longa tornou-se incentivadora de uso das carretas, inclusive extensíveis. A Scania – hoje com 59 anos de Brasil – e os fabricantes de carretas de três eixos se beneficiaram dessa oferta de carga. Assim a Mannesmann virou o maior polo de carregamento rodoviário da capital.
João Bueno de Carvalho, saudoso pioneiro do ramo e fundador da Transcomércio, de Contagem, tornou-se um dos vários que logo trocaram os caminhões truques por carretas. Posteriormente, associou-se a Paulo Sérgio Silva, na constituição da Tora Transportes, de Contagem (MG). João Bueno era de Maria da Fé, no Sul de Minas e, como ele, vários outros, ao longo da rodovia Fernão Dias (era a BR-55), tinham suas placas vistas na porta da embarcadora.
O hoje autônomo José Leandro Clementino, nascido em Patos de Minas, foi testemunha desse movimento de cargueiros. Ele se lembra de caminhões de Itapeva, Bragança Paulista, Oliveira, Lavras, Itaguara, etc. Por seus quase 60 anos de vida profissional estradeira, Zé Leandro acumula vasta experiência ao volante, quando chegou a ser motorista da lendária Transoto Ltda., de Belo Horizonte.
Disciplina – A empresa foi fundada em 1951, por Oto e por seu prestígio no mercado de então, tornou-se exclusiva no escoamento da Mannesmann desde os primeiros embarques. Zé Leandro lembra que o predomínio se estendia à ferrovia (EFCB). Ou seja, “até esta pegava frete carreteiro no redespacho emitido pela Transoto”, lembra. Dito exclusivismo abarcou também o transporte de funcionários. Uma bem cuidada frota de ônibus Scania – assim como a de caminhões –, com carrocerias Ciferal, dedicava-se ao transporte do pessoal de casa à siderúrgica e vice-versa.
Zé Leandro esteve na Transoto de 1979 a 1986, como motorista de caminhão e destaca o rigor organizacional do Sr. Oto. “A disciplina de trabalho era igual à do Exército”, diz o profissional. “Ele gostava de ser chamado de comandante e dar carona a quem quer que fosse era motivo de demissão sumária”, acrescenta. No início dos anos 1990, a Mannesmann alterou os termos do contrato de prestação de serviço. A Transoto não concordou e outras transportadoras a substituíram tanto na carga quanto no transporte de pessoal.
Como ainda tem gente que se lembra, a frota do Sr. Oto rodava no capricho, contando com pesadões americanos importados, das marcas International, GMC e Mack. Já no meio da sua história, foram-lhe comprados os Scania, sempre na configuração 6×4 (LT) e trucados L 76. Unidades Mercedes-Benz também compunham o plantel. Essa frota tinha personalidade conferida pela pintura verde-garrafa, com resumidos detalhes em amarelo. O parachoque dianteiro vinha sempre coroado pelo que alguns chamam de grade empurra-boi. Tudo bem cuidado, “nos trinques”, como arremata Zé Leandro. Para ele, esse ‘estado de coisas’ combinava com o seu jeito de ser e, portanto, de trabalhar. E lembra, por exemplo, que no ano que vem ele completa 60 anos de volante profissional rodoviário, “sem nunca ter se envolvido em acidente”. Há décadas adquiriu seu conjunto cavalo-carreta Scania e está, no momento, padecendo de falta jamais vista ou falada de carga e frete.