NELSON BORTOLIN
O pior da crise econômica já passou. É esse o sentimento que deve prevalecer entre transportadores que vão visitar a Fenatran 2017 – 21º Salão Internacional do Transporte Rodoviário de Carga, de 16 a 20 de outubro, em São Paulo. A percepção baseia-se nos mais recentes indicadores econômicos, segundo os quais o Brasil já está deixando para trás uma das mais graves recessões da sua história.
Na Fenatran anterior, em outubro de 2015, apenas duas montadoras marcaram presença – DAF e Volvo, as duas fabricantes instaladas no Paraná. O País estava prestes a fechar o ano com o maior encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) desde que o IBGE mede esse índice: 3,8%. Já a Fenatran 2017, na qual estarão presentes todas as principais marcas, começa com uma expectativa de que o PIB cresça 0,68% este ano e com uma previsão de 2,30% para 2018, segundo o Banco Central.
Em 2015, a inflação medida pelo IPCA estava em 9,9% ao ano. O mesmo indicador agora é de 2,4%. A taxa básica de juros, a Selic, estava em 14,25% ao ano – enorme. Agora, está em 8,25%, e fala-se que pode fechar o ano como a menor da história do Brasil: 7%.
“Não estamos no melhor dos mundos, não chegamos à recuperação que gostaríamos, mas estamos vendo uma grande conjunção de indicadores positivos”, afirma o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo (Setcesp), Tayguara Helou. Ele está confiante para 2018 e diz que, em 2019, o Brasil pode “arrebentar a boca do balão”, porque não há outro país em desenvolvimento tão interessante para o investidor estrangeiro. “A China é uma caixa-preta, ninguém sabe se seus indicadores econômicos são verdadeiros e quem quer investir lá tem de ser sócio do governo. Já a Rússia, a Índia e a África do Sul vivem problemas na esfera política que são ainda mais preocupantes do que os nossos”, afirma.
Helou ressalta que o Brasil irá “alimentar o mundo”, tem as maiores reservas de água e matérias-primas do planeta, conta com um povo criativo e um empresariado acostumado “a se virar nos 30”. “Não sobra alternativa. O mundo vai se voltar para o Brasil.” Internamente, o presidente do Setcesp acredita que uma nova liderança política poderá surpreender nas eleições presidenciais de 2018.
O empresário Gilberto Cantú, da transportadora paranaense Diamante, também acha que o pior já passou, “pelo menos na parte da economia”. Ele lamenta que a crise política esteja longe de terminar. “O bom é que nós conseguimos descolar a política da economia”, diz. “O Brasil resolveu arregaçar as mangas e trabalhar.”
Para Cantú, 2017 teve um alento que foi a aprovação da reforma trabalhista. “Ela torna mais fácil a relação entre patrões e empregados e nos dá mais segurança quanto aos passivos trabalhistas”, afirma. Para ele, a reforma, que passa a vigorar em novembro, é um incentivo para as empresas contratarem mais. “Vai ajudar a diminuir as relações informais de trabalho.”
Ramon Zuqui Paganini, da capixaba Jolivan Transporte, percebeu que o ambiente para negócios melhorou no País, mas ainda está desconfiado. “A gente achou que a crise estava acabando, aí vieram a público [em maio]os áudios da conversa do Temer com o Joesley, dono da JBS, e a coisa ficou feia de novo”, afirma. Mesmo assim, ele diz que tenta manter-se otimista. “Temos buscado reajustar os fretes porque acreditamos que o pior já tenha passado. A gente acredita sem acreditar ou não acredita acreditando”, declara.
Paganini considera que o fato de o BNDES ter deixado de financiar caminhões (pelo Finame) com juros muito baixos foi “um mal que pode vir para o bem”. “Ficou fácil comprar caminhão e o mercado ficou encharcado, com baixa demanda. Isso achatou demais o frete.” Para ele, a atual política de juros tem o poder de depurar o setor e elevar as tarifas.
Osni Roman, presidente da Coopercarga, de Concórdia (SC), afirma que a depressão na economia foi resolvida e já se nota um pequeno crescimento. “Alguns clientes estão com um volume um pouco maior de cargas”, observa. Quanto ao futuro, seu otimismo é moderado. Prefere dizer que não acredita que possa acontecer nenhuma “catástrofe muito grande”.
Para Giuseppe Lumare Júnior, diretor comercial da Braspress, “os sinais de melhoria estão claros e se refletem no crescimento do fluxo de cargas”. Mas, segundo ele, a atividade do transporte vive um dilema: “A oferta nem sempre encontra o nível adequado de demanda. Nas crises, as transportadoras são obrigadas a ajustar a oferta e depois, abruptamente, são obrigadas a reativar sua capacidade operativa para dar conta do crescimento da demanda”.
A queda na demanda, ressalta Lumare, fechou muitas transportadoras. “Ao fim e ao cabo, aquelas que chegaram vivas ao fim da longa travessia do deserto poderão recuperar parte das perdas que sofreram durante a crise.”
Para o diretor, 2018 será um ano melhor. Mas a rentabilidade do setor só vai se recuperar quando os fretes voltarem aos níveis anteriores à crise. “Esse movimento deve ocorrer naturalmente, à medida que a alta capacidade ociosa dos transportadores for sendo preenchida.”
Presidente do G10, grupo de transporte de Maringá (PR), Cláudio Adamuccio diz que o pior já passou. “O excedente de caminhão que existia em 2013 diminuiu. O equilíbrio melhorou graças ao aumento da produção agrícola”, afirma. Para Adamuccio, o transporte está entrando numa nova era. “Cada vez mais é preciso profissionalismo na gestão. Até essa crise, havia muitas pessoas que entravam no transporte porque tinham um dinheirinho, porque um vizinho dizia para elas comprarem um caminhão. Era só ir ao banco e pegar o financiamento. Agora essas pessoas estão vendo que não é assim.” A lei do novo marco regulatório, na opinião de Adamuccio, será uma barreira para os aventureiros. “E quem não entender de transporte não vai ficar no ramo”, completa.
O ano que vem, na visão do presidente do G10, “será a continuidade de 2017”. “O crescimento do PIB será muito pequeno, a safra não vai superar a de 2017, será um pouco menor. Não vejo grandes mudanças, nem oportunidades de recuperarmos nossas margens achatadas.”
O diretor executivo da Associação dos Transportadores de Mato Grosso (ATC), Miguel Mendes, informa que a supersafra 2016/17 trouxe alívio para quem trabalha no escoamento de grãos, mas a situação ainda é muito difícil. “As transportadoras continuam no vermelho, tentando se recuperar. Muita gente que entrou no mercado só porque havia caminhões para vender com o financiamento barato do Finame ainda continua concorrendo com os transportadores profissionais.”
Com os pés no chao
Apesar de a maioria concordar que o pior já passou, alguns caminhoneiros ainda estão muito preocupados com os reflexos da crise. O gaúcho Eliardo Locatelli diz que, no ramo do transporte, a crise está bem visível nos fretes defasados e nos aumentos de preço do óleo diesel.
O corte dos grandes incentivos do BNDES para a compra de caminhões tem seu lado bom, na visão de Locatelli. “Sobrava um dinheirinho, o pessoal comprava caminhão. Agora, só compra quem é do ramo.” O lado ruim é que, daqui a cinco anos, “a frota brasileira vai estar ainda mais velha”.
Johnny Amaral, motorista da PepsiCo, de Sete Lagoas (MG), afirma que o pior passou, mas que a situação do Brasil está “em banho-maria”. “Nas estradas está todo o mundo esperando que o ano que vem seja melhor, por causa das eleições”, diz. Por enquanto, o desânimo é grande.
O que levaremos da crise
Dizem que de toda crise se tira alguma coisa. Depois de quase três anos com a economia encolhendo, os transportadores afirmam estar levando algum aprendizado da recessão. Para o presidente do Setcesp, Tayguara Helou, o TRC aprendeu três coisas neste período: a ser mais eficiente, a inovar e a ser disruptivo, ou seja, a romper com os modelos existentes. “Aprendemos a pensar não apenas em nós, mas nas necessidades de nossos clientes.”
O empresário Gilberto Cantú diz que o setor passou a olhar mais para seus processos e a cortar gordura. “Quando a economia está bem, a gente tem uma tendência natural de relaxar, de não olhar tanto nossos custos, ao contrário do que está acontecendo agora.” Miguel Mendes, da ATC, concorda. “Quando tem muito dinheiro entrando, nem sempre se percebe onde está o desperdício. Quando vem a crise, toda a gestão precisa ser revista.”
Segundo o presidente da Coopercarga, Osni Roman, o aprendizado é grande. “Volta e meia temos uma crise, mas essa foi muito longa e nos ensinou várias coisas: a persistência, a redução de custos, que nós devemos realmente nos voltar para o nosso negócio, para aquilo que sabemos fazer.” Ele acha que “quem conseguiu passar pela crise está mais preparado para as oportunidades que virão pela frente”.
Cláudio Adamuccio diz que o G10 aprendeu com a crise que não são os lucros que asseguram a continuidade da vida de uma empresa, mas sim o caixa. “As crises são cíclicas e outras virão. A gente deve estar preparado com os fluxos organizados. Administrar bem o caixa é o segredo para enfrentar as crises”, afirmou.
O caminhoneiro Johnny Amaral diz que o ensinamento da crise é que não se deve dar um passo maior que a perna. “A gente tem sempre que trabalhar com a cabeça no lugar, fazer um planejamento adequado para não ser pego de surpresa por uma crise como esta, que o Brasil nunca tinha visto antes”, afirma.
Para o motorista Eliardo Locatelli, o aprendizado é mais cívico. “A lição que todos devemos levar é a consciência na hora de votar, porque a crise não foi culpa nossa, mas da roubalheira em Brasília.” Ele diz também que vai passar a se preocupar em manter reservas financeiras para não sofrer tanto como nos últimos anos.
O otimismo do concessionário
O mercado brasileiro de caminhões deve fechar o ano com uma leve queda, depois de um tombo de 30% em 2016, em relação a 2015. Mas, para a Federação Nacional da Distribuição dos Veículos Automotores (Fenabrave), a pequena retração em 2017, estimada em 2%, não deve ser motivo de desânimo. “O que faz vender caminhão é PIB (Produto Interno Bruto)”, afirma o presidente da entidade, Alarico Assumpção Júnior, que é concessionário Volvo em Minas Gerais. Ele lembra que a economia do País recuou 7% em 2015 e 2016, mas vai crescer neste e no próximo ano.
“Nosso otimismo se justifica porque já tem analista falando que vamos crescer 1% neste ano e 3% no próximo. Estamos com a inflação dentro da meta e os juros podem chegar a menos de 7% (ao ano). O cenário é muito positivo”, ressalta, acrescentando que seu único receio é com a política. “Se a política não atrapalhar, será muito bom.”
Assumpção não acredita que a alta de juros do Finame irá atrapalhar o mercado de caminhões. “Teremos outras modalidades. O mercado vai se adequar”, afirma. Para ele, a inflação baixa irá compensar as taxas menos amigáveis do BNDES. . “A gente precisa saber o que quer de nossas vidas. Sou concessionário de caminhões há 39 anos, sou feliz nessa atividade. Quem é feliz no que faz, faz de forma diferente.” O empresário aconselha os colegas a investirem em pessoal e a buscar a inovação. “Não há mais espaço para aventureiros”, declara.
Na visão dele, o Brasil está no caminho certo. “Temos que seguir pensando positivo. A cada dia que vejo uma empresa ser aberta, gerando emprego e riqueza, eu fico muito feliz. É gostoso quando cai a noite e vejo mais um luminoso que acende.”