Nelson Bortolin
Revista Carga Pesada
Ao contrário do que muita gente pensa, não é preciso uma regulamentação específica para a configuração 8×2. Quem garante isso é o gerente da Divisão de Engenharia de Produto da Noma do Brasil, José Correia de Araújo. Em entrevista exclusiva para a Carga Pesada, ele explicou porque engatar uma carreta LS num cavalo 8×2 é ilegal.
Segundo o gerente, desde o último trimestre do ano passado, a produção de carreta 8×2 na Noma cresceu de 3% para 10% do total de implementos na fábrica. Questionado se acha que a nova configuração irá substituir o bitrem no transporte do agronegócio, ele nega firmemente. “Temos de parar de usar a palavra substituição no que diz respeito a questão logística”, afirma.
De acordo com o engenheiro, a grande desvantagem do caminhão 8×2 é não permitir o acoplamento de diferences implementos. Leia a seguir a entrevista completa concedida por Araújo à reportagem.
Quando conversamos na Fenatran, vocês da Noma não estavam muito empolgados com o 8×2…
Desde 2009, a gente levou o primeiro 8×2 para a Fenatran e sempre tivemos expectativas de que a configuração é viável, dependendo da operação do cliente. O que a gente também tinha é a consciência de que, por se tratar de uma configuração que altera o caminhão, esse caminhão acaba sendo escravo desta configuração. Não pode ser usado em outro.
É preciso um tempo para o mercado assimilar essa nova solução. E desde então o que a gente vem acompanhando é que o mercado começou de fato a enxergar o ganho que ele pode ter. Temos sentido isso principalmente no último trimestre de 2013 e agora no primeiro de 2014.
A demanda tem sido surpreendente?
Não é uma demanda surpreendente, mas uma percepção bastante positiva de que o mercado está partindo para isso.
Vocês tinham uma preocupação de que o 8×2 não se mostrasse viável na roça por causa das curvas de nível. A gente tem conversado com o pessoal de grãos e eles não estão tendo problemas com 8×2 na roça…
Estive recentemente no Mato Grosso e estava conversando com clientes justamente sobre 8×2. Quando falamos da curva de nível, de fato continuamos com a mesma posição. Tanto é que ficamos sabendo de duas situações lá que o 8×2 apresentou problema. Acontece que o transporte de grãos hoje no Mato Grosso não depende mais daquele acesso tão crítico, do relevo acidentado. Então na maior parte dos casos o transporte é feito em estradas que não apresentam problemas para o 8×2. Vai até melhor que a Vanderléia. Se não houver uma condição de estrada crítica, vai bem.
Você acha que a tendência é de 8×2 substituir o bitrem no agronegócio?
Não. Temos de parar de usar a palavra substituição no que diz respeito a questão logística. Existem regiões onde o bitrem é imbatível para acesso, manobras e para rentabilidade. Também porque permite flexibilidade já que o cliente tem várias configurações. Tem outras situações que o 8×2 apresenta rentabilidade muito maior.
Temos um cliente aqui de São Paulo que está indo todo para o 8×2 que para ele dará rentabilidade maior. Mas ele tem uma operação específica e não vai precisar de cavalo para outra configuração. O que começa acontecer é uma competição entre bitrem, vanderleia e 8×2. O que precisa é a gente cada vez mais fazer conta e ver qual é a melhor solução possível.
Vocês estão recebendo mais encomendas de 8×2?
O 8×2 (antes do último trimestre do ano passado) representava nem 3% da nossa produção e hoje representa 10%.
Esta carreta ganhou um nome?
Vem sendo chamada de carreta 8×2. Embora ela venha como referência no transporte de grãos, fizemos muitas para transporte de combustível (tanque). E na linha basculante também está tendo bastante aceitação, em furgão, sider, todos os segmentos conseguem fazer o 8×2
Ela tem o mesmo comprimento da LS?
O comprimento total segue a mesma normativa da LS, que é no mínimo 16 metros e no máximo 18,60 metros. O cavalo é mais comprido. Em função de ter de incluir o quarto eixo (direcional) no caminhão a gente acaba tendo de aumentar o comprimento do caminhão de meio metro a um metro. E isso é o que a gente perde de comprimento da carreta. O máximo de uma LS é 15 metros e o máximo de uma 8×2 são 14,5 metros.
E os eixos são mais para trás, não é?
Quando a gente inclui um quarto eixo no caminhão aumentamos a capacidade de carga em 6 mil quilos no caminhão. Então tem de jogar carga em cima da quinta roda. Para conseguir isso a gente tem de jogar os eixos da carreta lá para trás. Ficam praticamente encostados no parachoque do semirreboque para ter a equalização da carga.
São mais reforçadas também não é?
Hoje temos visto no mercado a pessoa pegar uma carreta de 6×2, colocar os eixos para trás e acoplar no 8×2. Entendemos que é errado porque a carreta 8×2, já que estamos falando em aumento da capacidade de carga, precisa ter uma estrutura mais reforçada. É outro produto.
Existe regulamentação para essa configuração? Se você pegar um 8×2 e colocar uma LS, esta configuração contraria alguma norma?
A configuração 8×2 é prevista na resolução 210 e na portaria 63 do Contran. É uma configuração homologada. Com relação a colocar uma carreta LS puxada pelo cavalo 8×2, isso está errado porque, para que tenha uma configuração de acordo com os aspectos legais, é preciso obedecer à distribuição de peso por eixo prevista na resolução 210 e na portaria 63.
A portaria 63 diz que o PBTC de uma configuração 8×2 é 54,5 toneladas. Para conseguir isso, tem de ter uma distribuição de peso nos eixos da carreta de 25,5 toneladas, mais 17 toneladas no eixo em tandem do cavalo, mais 6 no direcional do cavalo e mais 6 no primeiro eixo do cavalo.
Se gente somar tudo isso vai dar 54,5 toneladas. Então para que a gente tenha um produto que atenda os requisitos legais esse produto tem de seguir esta relação de carga por eixo. Quando você pega a carreta LS, que é para um cavalo 6×2, e coloca num caminhão 8×2, essa distribuição de carga não acontece mais. Porque a posição dos eixos da LS está projetada para o cavalo 6×2 e não para o 8×2. Então vai existir uma sobrecarga nos eixos da carreta e vai faltar carga na tração do caminhão. Então vamos ter um produto que vai estar fora dos requisitos legais de distribuição de carga por eixo.
Ou seja, o guarda pode multar e apreender?
Se passar numa balança que apura por eixo, vai ser multado e pode ter o veículo apreendido.
Então não é necessária uma resolução dizendo que a carreta 8×2 tem de ser assim ou assado?
Não precisa. Está muito claro na resolução 210. Não tem nada a ver esse comentário de que precisa de resolução específica para 8×2. Nada a ver. O que tem de fazer é seguir a legislação que já existe. Se engatar uma carreta 6×2 num 8×2 vai ter um problema legal porque não terá distribuição correta de carga por eixo.
Fora isso, é importante destacar que, quando começa a ter excesso de peso nos eixos, além de danificar a malha rodoviária, acaba ocasionando problemas sérios no equipamento: gasta mais lonas de freios, problema de quebra de eixo, trinca o produto, porque a carga não está corretamente distribuída.
Clique aqui e leia reportagem especial da Carga Pesada sobre o 8×2.