Mais de um ano depois da grande greve que parou o Brasil, o clima nas estradas continua de reclamação e desânimo com as condições de trabalho e os custos cada vez mais altos principalmente do diesel e do pedágio.
Para completar, e justamente quando estamos fechando mais uma edição especial do Mês do Caminhoneiro, a grande esperança que foi depositada na aprovação da Tabela Mínima de Fretes acabou virando mais uma decepção com os valores, em alguns casos, mais de 40% abaixo do que havia sido proposto logo depois do movimento de maio de 2018.
Como fazemos há 34 anos, desde que a Revista Carga Pesada começou a circular, fomos para as estradas ouvir estes profissionais falarem do seu dia a dia e das suas expectativas de melhoria das condições de trabalho. Até para que não ocorra no Brasil o que já se observa em alguns países onde ninguém mais quer ser motorista de caminhão.
Rochester Tiago Xavier Rocha, de São José do Rio Preto (SP), é caminhoneiro há 9 anos. Ele está terminando de pagar o Scania 112, ano 86, que comprou do patrão: “Ele me deu uma chance, foi um negócio de pai para filho”.
Apaixonado pela profissão, ele diz que é isso que o mantém na estrada, já que os números não têm ajudado muito: “O que a gente fatura fica tudo em despesa. Se fosse para financiar um caminhão hoje no banco, eu não teria coragem. Você fatura 45 mil brutos por mês. É um bom valor. Mas quando tira o líquido, sobram sete mil reais. Nesta viagem, de Guarulhos a Penápolis, gastei R$ 470,00 só de pedágio. Agora estourou o rolamento do eixo traseiro, mais R$ 500,00. Metade do frete ficou só aí”, calcula.
Aos 37 anos de idade, Rochester acha que depois da greve não mudou nada. Para ele, é preciso que o caminhoneiro seja mais respeitado nos postos e em pontos de carga e descarga: “É muito descaso. Às vezes você fica quatro ou cinco dias parado aguardando carga”.
Embora seja apaixonado pela profissão, já pensou em mudar de ramo. O pai – que já foi caminhoneiro – tem um sítio com pecuária. E o irmão está em Portugal trabalhando como pedreiro e faturando 2.800 euros por mês, que também seria o salário médio dos motoristas na Europa. São duas possibilidades que ele e a esposa estão considerando se as condições de trabalho não melhorarem.
Evandro Rosseti, de Marialva (PR), é caminhoneiro há 9 anos e dirige um Scania seminovo de propriedade do sogro. Com 32 anos de idade, ele pertence a uma família de caminhoneiros.
Lembra que uma das conquistas da greve foi a tabela de fretes. Mas, como não há fiscalização, não tem funcionado: “O que trouxe melhoria para o frete foi a safra de milho”, opina. Tracionando uma bicaçamba, ele estava a caminho do Mato Grosso para retornar com milho para Paranaguá.
Gosta do que faz, mas queria mais valorização profissional, ser mais respeitado nas paradas e locais de carga e descarga, com banheiros melhores, por exemplo: “Agora nas férias, se quiser levar esposa e filho, não tem um local com segurança para parar. Estrada boa, só se pagar pedágio”, reclama. O filho Miguel, de 5 anos, também gosta muito de caminhão, mas Leandro diz que trabalha para ele ter a opção de não ter que viver longe de casa.
Marlene Heinen e o esposo Eleseu, de Planalto (PR), viajam juntos num Iveco Stralis 410. Na sua opinião, para quem tem um caminhão apenas, a situação está muito difícil: “No ano passado funcionou depois da greve, o frete melhorou. Mas este ano não. Mesmo com a safra, se tem muito caminhão, o valor do frete cai. Falam que não deveríamos carregar se o valor estiver abaixo da tabela, mas temos contas para pagar. Não podemos ficar parados esperando para ver se o frete melhora”, opina. Para ela, por enquanto, a mobilização dos caminhoneiros não resolveu muita coisa. O que melhorou foi em função da safra, não da greve.
MOTORISTAS – “Depois da greve, a classe de motoristas profissionais passou a ser mais respeitada”, opina Johnny Amaral, que transporta produtos da PepsiCo, de Sete Lagoas (MG). “Neste sentido, foi um divisor de águas para melhor.” Do ponto de vista prático, no entanto, para os motoristas assalariados como ele não mudou nada. No geral, ele acredita que a tendência é melhorar com as reformas que estão sendo feitas pelo governo.
Para José Claudemir, de Araraquara (SP), a greve mostrou que sem o caminhoneiro o Brasil não anda e que esta profissão tem que ser mais valorizada: “Mas, infelizmente, pouca coisa mudou, a situação está complicada para o grande empresário e principalmente para empresas menores e para aquele que tem apenas um caminhão. Acreditamos que haveria muita mudança, mas a tabela de frete, por exemplo, ainda não vigorou. E os preços do diesel e do pedágio estão um absurdo. Nós continuamos na luta, fazendo fretes para levar um pouco de tranquilidade para nossas famílias, e na esperança de que um dia as coisas melhorem”, concluiu.
EMPRESÁRIO – Fábio Augusto Evangelista entrou no negócio de transportes em 93 com um Mercedes-Benz toco 1113. De lá para cá foi crescendo até chegar à frota atual de 23 veículos. Sua empresa, a FBF Transportes, com sede em Marília (SP), atua desde 2008 no transporte de combustível.
Apesar de sua estrutura e experiência empresarial, também está preocupado com as perspectivas do setor. “O investimento em caminhões novos é muito alto. Além disso, o frete é caro para quem paga e pouco para quem recebe em função do alto custo do combustível e do pedágio. Nossa expectativa é que, com a privatização das refinarias, caia o preço do diesel, como aconteceu com os telefones celulares. Se bem que, na operação de Santos a Paulínia, por exemplo, gastamos mais com pedágio que com diesel”, compara.
Ele também concorda que é muito grande o descaso com o motorista: “Em países como os Estados Unidos já está faltando motorista. Aqui no Brasil também. Ninguém quer que o filho seja motorista. É preciso melhorar as condições de trabalho deste profissional”, conclui.