Nelson Bortolin, Janaina Garcia e Guto Rocha
É fácil dar um palpite sobre a razão mais comum para haver pressa no transporte de hortifrúti: a maioria dos fretes é feita em implementos sem refrigeração e a carga estraga se demorar a chegar ao destino. Outra razão aparece menos aos olhos do público, mas talvez seja mais forte: o setor é dominado pelo transporte de carga própria, isto é, os produtores e comerciantes têm seus caminhões, mas não são transportadores profissionais. Quando têm pressa na entrega, mandam o motorista – que é empregado deles – “se virar” pra cumprir o prazo, até com um dinheirinho por fora. E como os motoristas “se viram”?
G.H.S.A., pouco mais de 30 anos, admite que usa rebite. “Tem que tomar. Motorista que fala que não toma é mentiroso, ainda mais quando a gente é obrigado a cumprir horário”, afirma.
Ele tinha chegado a São Paulo com uma carga de abóbora, vinda de Minas Gerais, no dia 26 de julho, quando a reportagem o entrevistou na Ceagesp. Tinha saído às 8 da noite do dia 24 com a intenção de cobrir 900 km numa carreta comum até a tarde do dia seguinte. “Mas um acidente na Fernão Dias me atrasou e ao chegar encontrei a loja fechada”, explicou.
Ele diz que, com certas cargas, a pressão do patrão e do destinatário é maior, porque estragam mais rápido, como a banana-prata. “Com a abóbora, nem tanto. Aí a pressa é minha”, diz. Seu ganho é por comissão.
G.H.S.A. conta que ganha 12% da produção do caminhão. E mais uma “ajuda de custo” do embarcador, se cumprir o horário. “O sujeito me diz: ‘Se essa maçã chegar ao destino até as 16 horas, te dou R$ 100 pro guaraná’.”
Ezequias Correia dos Santos, 56 anos, de Londrina (PR), costuma fazer 2.280 km em 30 horas direto, sem dormir – mas fora do Brasil. Esse é o tempo que ele leva entre Foz do Iguaçu e Mendoza, na Argentina. É empregado da empresa Fruta da Alpha e traz frutas da região de Mendoza para Londrina, numa carreta refrigerada. Na volta, leva defensivos agrícolas.
Ezequias admite que já tomou rebite, mas parou. “De 1978 a 1991, quando fazia o rapidão para o Nordeste, eu tomava bastante. Agora, me basta o chimarrão.” Mesmo assim, justifica a pressa: “Caminhão tem de rodar. Senão, o motorista não ganha dinheiro e o patrão não consegue pagar o financiamento”.
Ele diz que, se a Lei do Descanso tiver de ser cumprida, “o Brasil quebra”. “O caminhoneiro, se estiver muito cansado, só precisa encostar e dormir um pouco para seguir viagem”, acredita.
Autônomo que escolhe hortifrúti pra transportar também já sabe: não dá pra vacilar. “Se parar pra descansar, no caso de algumas frutas, não chegam boas”, diz André Vieira da Silva, 32 anos, paulistano do Jaguaré. “Com perecíveis, só com dois motoristas para cumprir a lei, e olhe lá”, comenta.
Entrevistado na Ceagesp com uma carga de milho numa carreta comum, Silva diz que o milho murcha se ficar muito tempo parado. “Mesmo legumes e hortaliças como alface, por mais que você leve o produto em isopor e gelo, ele não chega 100%. Imagine parando 11 horas de um dia pro outro.”
O mineiro Antônio Carlos Souza Machado, de Frutal, diz que, se o motorista for cumprir a lei, perde o frete. “Não é só o problema da carga estragar. O dono quer vendê-la no melhor dia da semana. Então, os horários são bem apertados”, explica.