… houve tantas novidades e mudanças no Transporte Rodoviário de Cargas como nos últimos cinco anos! Uma verdadeira enxurrada que inclui uma lei específica para regulamentar o setor, normas que permitiram o uso de composições com maior capacidade de carga, lançamentos seguidos de novos caminhões com várias faixas de potência, entrada de novas marcas de caminhões, compras e fusões de grandes transportadoras, aumento da concorrência, compressão do valor dos fretes… Tudo isso são tintas de um painel até então inédito no TRC. E nós, da Carga Pesada, que temos testemunhado e transmitido aos leitores a evolução do TRC nos últimos 25 anos, trazemos nesta reportagem especial de aniversário os depoimentos de diversos personagens com papel-chave no meio, analisando os grandes fatos dos últimos cinco anos e convergindo, praticamente todos, no sentido da palavra comprida como um rodotrem que dá título a este texto: a profissionalização é, cada vez mais, uma exigência para atuar no TRC. Não se trata de uma mera previsão. É um processo que está em pleno andamento – e que se instalou com uma rapidez impressionante nestes cinco anos.
Dilene Antonucci, Nelson Bortolin e Chico Amaro
Até parece que a tal de globalização finalmente chegou ao Transporte Rodoviário de Cargas do Brasil, com alguns anos de atraso. Para o bem ou para o mal, mas chegou. E tudo aconteceu de 2004 para cá (a globalização começou com a queda do Muro de Berlim, em 1989). Sua principal marca é a concentração econômica nas mãos de poucos grupos, que depois vão crescendo e se diversificando. Também são suas características a terceirização, a renovação tecnológica constante, que exige investimentos permanentes, a adoção de métodos administrativos rigorosos, criando um cenário no qual o pequeno operador econômico pode até sobreviver, mas só à base de muito trabalho, arrojo e atenção ao que está acontecendo à sua volta, para não ficar para trás.
A economia brasileira cresceu nestes cinco anos – e, com ela, cresceu o mercado do transporte de cargas. Mas a concentração é fato: o presidente da NTC&Logística, Flávio Benatti, calcula que pouco mais de 10% dos transportadores detêm 80% do PIB do setor. Essa mesma concentração também se encontra do lado de lá, nos embarcadores. Na área de grãos, por exemplo, quatro empresas são responsáveis pela contratação de 80% das viagens, segundo o presidente do Grupo G-10, de Maringá, o maior transportador de grãos do Brasil, Cláudio Adamucho. “É uma briga para combinar o frete”, diz ele. Nelson Dalóia, que até outro dia era presidente da Coopertrans, de Mauá (SP), cooperativa de transportadores de químicos, reforça: “Quando o cliente (a indústria) é um só, ele é forte e vai espremendo…”
Ao mesmo tempo, equipamentos para o transporte de cargas não nos faltam. Com a projeção internacional que a economia brasileira ganhou, chegaram novos fabricantes de caminhões, como a Iveco (e a MAN, que está para se instalar) e surgiram outras categorias de caminhões, com outras potências. “Hoje temos veículos adequados para cada tipo de carga, de topografia, de aplicação, de distância, em vez do veículo que servia para tudo”, observa Sérgio Gomes, diretor de Planejamento Estratégico da Volvo. Já no âmbito do Contran, a regulamentação dada pelas Resoluções 210 e 211 aumentou a capacidade de carga das composições rodoviárias, criando uma variedade de possibilidades que não se conheciam por aqui. Para o especialista João Batista Dominici, editor do Guia do TRC, essa ampliação foi mais um improviso encontrado de trazer, para a rodovia, as cargas que, num país do tamanho do Brasil, deveriam estar nos trens ou nos barcos.
Há um fato expressivo, bem recente, lembrado por Antônio Dadalti, vice-presidente comercial e institucional da Iveco Latin America, falando dos pequenos: “Até meados deste ano, não existia financiamento possível para o autônomo (trocar um caminhão velho por um melhor). O Procaminhoneiro criou essa possibilidade”. Mas ele lembra que, com uma frota velha como a nossa, não há quem queira comprar o caminhão usado, inviabilizando ações mais efetivas no sentido da necessária renovação da frota.
Em direção ao futuro
Qual será o cenário do TRC nos próximos anos? Nossos entrevistados, todos com uma visão ampla da realidade, são unânimes na crença de que a economia brasileira voltará a crescer na faixa de 4% a 5% já em 2010, como aconteceu em 2008, o que levará a um aumento do volume de cargas a serem transportadas. Esse fato, bastante positivo, será relativizado, no entanto, por fatores como estes:
os problemas de infraestrutura, especialmente a precariedade das estradas, vão se agravar, com o aumento do tráfego de veículos e a reconhecida inoperância governamental nessa área (embora Neuto Gonçalves dos Reis, assessor da NTC&Logística, lembre que os investimentos públicos em transporte tenham subido de R$ 1 bilhão em 2004 para R$ 5 bilhões em 2008);
a falta de motoristas capacitados vai piorar. Hoje existe um cálculo da falta de 100 mil motoristas de caminhão no Brasil;
a regulamentação do descanso dos motoristas é inevitável, todos os envolvidos – governo, profissionais, empresas – estão cientes de que essa providência é necessária para reduzir o número de acidentes de trânsito;
o aumento da eficiência do modal ferroviário no transporte agrícola reduziu os percursos dos caminhões. Segundo Cláudio Adamucho, do G-10, há cinco anos os percursos médios eram de 1.500 km. Em 2009, ficarão abaixo de 900 km.
os caminhões ficarão mais caros, primeiro, em 2010, com a exigência de 6×4 para puxar bitrem, e depois, em 2012, com a exigência de motores Euro 5 para redução de emissões;
o diesel, muito provavelmente, também ficará mais caro, pois terá que ser um diesel melhor (e com mais biodiesel misturado) para não estragar os motores Euro 5;
embora o governo continue muito tímido e não passe do discurso sem prazo, será inevitável criar algum programa de renovação de frota. Como lembrou Dadalti, não adianta nada “colocar uma ínfima parte da frota já em emissões tipo Euro 5 e permitir que mais da metade da frota rode na posição Euro zero”.
Tudo isso nos leva a dizer: o TRC terá que continuar a perseguir a eficiência, desenvolver tecnologias e logística, enxugar custos, enfrentar o achatamento de fretes. Mas, em compensação, as melhores oportunidades para quem encarar com garra o desafio da profissionalização talvez ainda estejam por vir.
Entrevistados da Carga Pesada
“Sem inflação, torna-se fácil ter uma noção precisa dos custos. A questão está em reduzi-los. Há 10 anos ou mais, o diesel tinha um peso de 17% no transporte; hoje, em algumas operações, passa de 40%. Em contrapartida, os pneus caíram de 15% para 5%, graças à evolução tecnológica – sua eficiência mais que triplicou em 25 anos. Os motores rodavam até 300 mil km, mas hoje não é raro um motor passar de um milhão de km.” Cláudio Adamucho, presidente do G-10
“De 2000 a 2008, a idade da frota de caminhões do Brasil caiu de 20 anos para 16 anos. Antes não tínhamos financiamento possível para o autônomo, agora temos o Procaminhoneiro. Mas não basta: para comprar um caminhão melhor, ele tem que vender o dele. E quem vai querer comprar um caminhão tão velho? Ninguém.” Antônio Dadalti, vice-presidente comercial e institucional da Iveco
“Se a economia voltar a crescer de 4% a 5% ao ano, tenho convicção de que teremos um gargalo na infraestrutura rodoviária, crescerão os riscos e as mortes nas rodovias. Isso tem ficado no acostamento das prioridades para o desenvolvimento.” Dagnor Schneider, presidente da Coopercarga
“O evento mais importante para o transporte de cargas nos últimos anos foi o aumento da capacidade de carga das configurações em geral, com as resoluções 210 e 211. Elas representam o limite do que se poderia fazer para tentar compensar a falta de investimentos em infraestrutura, sem os quais a participação do modal ferroviário e da navegação de cabotagem é pequena comparada com outros países com as dimensões do Brasil.” João Batista Dominici, editor do Guia do TRC
“Acredito que não passe de quatro mil o número de empresas de transporte de cargas no Brasil. E um número bem pequeno – talvez 400 ou 500 empresas – responde por 80% do PIB do nosso transporte de cargas. O restante são empresas menores.” Flávio Benatti, presidente da NTC&Logística
“O frete está uma guerra. É a concorrência. Há 15 anos, ganhávamos muito melhor (no transporte de químicos). A carreta puxava 25 t de líquido, hoje puxa 32, 33, 34 t. Só aí você já vê que o frete ficou menor. Além disso, antes você carregava na indústria e quem pagava era o cliente. Você tinha uma média de 100 clientes, era mais fácil negociar o frete com cada um. Hoje é a indústria que paga, você tem um cliente só, ele é forte e vai espremendo…” Nelson Dalóia, ex-presidente da Coopertans, de Mauá (SP)
“A economia cresceu, nos últimos cinco anos, e o transporte de cargas cresceu com ela. Em 2004, o Brasil consumiu 39 bilhões de litros de diesel; em 2008, chegamos a 44,7 bilhões e fecharemos 2009 com 43 bilhões. Outro indicador: o transporte ferroviário de cargas cresceu 53% desde 2004.” Neuto Gonçalves dos Reis, assessor técnico da NTC&Logística
“Hoje existem motores mais potentes e mais concorrentes na fabricação de pesados. A faixa dos motores de 12 a 13 litros tinha três fabricantes, agora tem cinco e logo serão seis. O mesmo acontece em outras faixas, que atendem à especialização cada vez maior do transporte. Cinco fabricantes oferecem modelos com motores de sete litros, na faixa de 300 cv; também cinco fazem motores de nove a 11 litros, com 340 a 380 cv. A Volvo está presente em todas essas categorias.” Sérgio Gomes, diretor de Planejamento Estratégico da Volvo
“Temos uma safra nova de motoristas que estão mais orientados na profissão. Os veículos eletrônicos exigiram mais conhecimento, existe mais responsabilidade com o meio ambiente. E as empresas também estão mais conscientes, aplicam mais logística, respeitam um pouco mais o trabalhador. Hoje, se a transportadora não for eficiente, ela perde o cliente. Isso trouxe um conjunto de melhoras para o setor.” Norival Almeida, presidente do Sindicam-SP