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Os 60 anos da Mercedes e da Mercedinha

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Edição 188 – out/nov/2016

Luciano Alves Pereira

 

Em 28 de setembro passado, a Mercedes-Benz do Brasil completou 60 anos no País, mas as comemorações oficiais já tinham sido feitas. Na mesma semana houve a IAA 2016, em Hannover, na Alemanha, a maior feira de caminhões, ônibus e afins do mundo (veja na pág. 12). Lá é que a Daimler (agora sem Benz) tinha que se dedicar a fazer sua estrela brilhar. Nisso, a data exata quase que passa em brancas nuvens no Brasil. Quase porque o caminhão-show L-312, de Francisco Lopes da Silva, de Contagem (MG), proporcionou o registro. Sua Mercedinha, ano 1957, com carroceria aberta, correu para a estrada, com faixas alusivas ao aniversário nas laterais.baixa2-img_0572

Mercedinha, sim, no feminino. É como era conhecida em Minas. Variava: podia ser também Bicudinha ou Torpedinha. Sempre no feminino. Por quê? Talvez… É chute: talvez porque seu cofre do motor se abra como asa-delta ou como uma donzela se desfazendo do porta-seios. Quer gesto mais delicado?

O caso do passeio da Mercedinha ocorreu nos dias 28 e 29 de setembro e contou com o patrocínio da Cardiesel, concessionária MB de Belo Horizonte, pertencente ao Grupo VDL. A Cardiesel produziu as faixas com cumprimentos à montadora e a Mercedinha foi rodar pelo Anel Rodoviário de Belo Horizonte, onde o trânsito é de 150 mil veículos a cada 24 horas. A passagem do L-312 virou um evento, ao qual não faltaram buzinadas dos passantes e visitas de curiosos e nostálgicos, quando o caminhão parava nos postos de combustíveis do trecho.

A Cardiesel (MB de BH) valorizou o esforço preservacionista de Chico Lopes, fixando faixas alusivas nas laterais da Mercedinha 1957

A Cardiesel (MB de BH) valorizou o esforço preservacionista de Chico Lopes, fixando faixas alusivas nas laterais da Mercedinha 1957

Nestas seis décadas, a Mercedes mudou a paisagem do Brasil. Menos por suas inspiradas tiradas de marketing do que pela larga aceitação dos produtos movidos a diesel. Eles provocaram completa virada no mercado. Nesse período, o engatinhante TRC tirou cargas dos trens do governo. Que perderam também passageiros. E o TRC foi além. Os ruidosos caminhões passaram a ser causa das mágoas dos boiadeiros, que ficaram sem suas boiadas levadas chão afora.

Não faltam hoje “entendidos” para culpar o ex-presidente Juscelino Kubitschek pela dita opção rodoviária no transporte, ocorrida em seu governo. O caminhão/ônibus Mercedes teve a ver com a coisa. JK esteve na festa de inauguração de São Bernardo do Campo (SP), naquele 28 de setembro. Era a primeira fábrica Mercedes fora da Alemanha no pós-segunda guerra mundialbaixa4-img_0526

Os produtos Mercedes eram barulhentos, vibravam que nem martelete hidráulico. Mas tinham freio combinado ar/óleo mais confiável que o das marcas americanas, dependentes da geração de vácuo. Os mais destemidos começaram a usar os primeiros L-312 e sentiram sua superioridade quanto à durabilidade dos componentes e ao rendimento km/litro. Vale citar que os modelos iniciais saídos de São Bernardo ainda eram herança do programa de guerra da Alemanha nazista.

UNANIMIDADE − Talvez mais rápidos nas decisões, os empresários e autônomos do transporte de passageiros viraram o leme para a Mercedes e a marca se tornou unanimidade em ônibus, quero dizer, lotações encarroçadas nas fábricas nacionais da Grassi, Vieira, Metropolitana, Cirb etc. E o Rio de Janeiro passou a andar de Mercedes, além dos trens da Central. Os operadores da linha Tijuca-Copacabana (entre outras) deixaram os Chevrolet, Ford e Dodge e foram para o L-312, que saía de fábrica como caminhão, tinha a cabine vendida para terceiros e recebia a carroceria de lotação. O torpedo permanecia e o salão tinha capacidade para 25 lugares. Por aí.baixa3-img_0524

Veio o governador Carlos Lacerda, primeiro eleito para o abandonado Estado da Guanabara (a capital foi para Brasília) e proibiu as tais lotações. Os bondes também foram se aposentando. O poder concedente passou a pedir ônibus. Mas a Mercedes já lançara o LP-321, cara-chata. Esse também ganhou um apelido feminino em Minas: Saruana. Seu chassi pelado permitia melhor aproveitamento, abrigando o cofre do motor dentro do salão.

Os primeiros passos da Mercedes no Brasil representaram o surgimento da indústria automotiva no País. Hoje estamos numa situação de irônico desencanto. Em 1956, o descortinar do horizonte mostrava um cenário de amplas oportunidades numa economia em expansão. Confiava-se no futuro. Em 2016, sombrio contraste. Exatamente no mês do 60º aniversário, merecedor de festejos nas ruas e estradas, Philipp Schiemer, atual presidente da MB, expressa seu amargor em entrevista à revista Veja de 14 de setembro: “A situação está tão ruim que, se não forem tomadas providências agora, as consequências serão fatais. Isso é muito claro. A indústria no Brasil está à beira da morte”.

Apesar do dito contundente, prefiro fechar os olhos à titubeante realidade. E que esta não se atreva a me tirar a voz, porque quero e vou gritar: Parabéns, Mercedes-Benz!7-img_0614

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