Motoristas respondem em pesquisa que sua renda líquida é de R$ 5 mil, mas admitem que não levam em conta todas as despesas
NELSON BORTOLIN
Um artigo publicado no Jornal O Estado de S. Paulo, dia 15 de agosto, causou polêmica e revolta no site e nas redes sociais da Revista Carga Pesada. Segundo a autora, uma advogada, os caminhoneiros têm renda média de R$ 4.600 mensais e pertencem à elite dos trabalhadores brasileiros. Por isso, na visão dela, não precisam de uma tabela de fretes.
A fonte da informação usada no texto é a pesquisa Perfil dos Caminhoneiros 2019, da Confederação Nacional do Transporte (CNT), segundo a qual os motoristas empregados têm salários de R$ 3.720 e os autônomos faturam líquidos R$ 5.011, resultando na média de R$ 4.609 por mês.
Quem tem alguma intimidade com a atividade sabe que não é bem assim. Em geral, o caminhoneiro autônomo considera como renda líquida o que sobrou do frete, depois de descontados os valores do combustível, do pedágio, da comida e de uma ou outra manutenção do veículo. “Às vezes, o caminhoneiro acha que está ganhando, mas não. Na verdade, está tendo prejuízo”, afirma o engenheiro de transporte Lauro Valdívia, da RLV Consultoria.
Quando se trata da manutenção, de acordo com Valdívia, o motorista não costuma fazer a conta correta. “A cada dia de trabalho, ele está gastando pneus e peças. São despesas que vai ter lá na frente e que não está contabilizando adequadamente. Precisa calcular e separar um dinheiro para isso todo o mês.”
No exemplo do engenheiro, no quadro abaixo, o caminhoneiro fez um frete de R$ 1.825 e achou que estava lucrando R$ 731,80, mas, na verdade, somente R$ 71,44 sobraram para ele.
O engenheiro diz que o autônomo precisa ter renda que justifique seu trabalho. “Tem de ser um valor maior do que recebe o empregado. Não há justificativa para ser autônomo, investir capital e trabalhar muito, se não for para ganhar mais”, ressalta. Do contrário, vale a pena procurar emprego nas transportadoras.
Valdívia duvida que, após fazer todas as contas, o caminhoneiro tenha renda mensal líquida de R$ 5 mil. “Para conseguir esse valor, ele tem de trabalhar de sol a sol, dirigir 18 horas por dia, todos os dias. E isso não é correto.”
Na estrada, com o contador
Para saber como os caminhoneiros estão lidando com suas finanças e apresentar algumas dicas a eles, a reportagem da Revista Carga Pesada foi até o Posto Portelão, em Cambé (PR), acompanhada do contador Rafael Mendes, da Menbert Gestão Contábil, representante do Sindicato dos Contabilistas de Londrina e Região (Sincolon).
O primeiro motorista a participar do bate-papo com ele foi o curitibano Davi Amâncio, 41 anos. O autônomo faz sua contabilidade de um jeito particular. Vai guardando na boleia todos os recibos de despesas num saco de lixo – daqueles que os postos distribuem aos clientes. Quando volta para casa, anota num caderno o valor do frete e os gastos com diesel, pedágio e comida. E faz uma conta simples para ver quanto sobra. As demais despesas ele anota, mas deixa para somar no final do ano.
“Vou ter de trocar o para-brisa porque jogaram uma pedra no caminhão. São R$ 500. Anoto, mas não tiro do frete agora. Só no final do ano vou fazer a conta”, explica. Entre as outras despesas que ele considera na contabilidade anual estão licenciamento, seguros, rastreamento, além da manutenção. “No ano passado, o resultado foi positivo. Sobraram uns R$ 50 mil depois de descontar as despesas.”
Embora não faça o cálculo da depreciação, o curitibano diz que vem guardando dinheiro todos os meses para a troca do caminhão mais para frente.
Ele reclama que a situação financeira dos motoristas poderia ser bem melhor se não tivesse a exploração dos intermediários. “Peguei um frete esses dias de Belo Horizonte para Cascavel (PR). No conhecimento, estava escrito que a transportadora recebeu R$ 9 mil. Mas eu recebi menos da metade, R$ 4 mil”, conta.
O goiano Aldo Jacó Michelin, 65 anos, reclamou da mesma coisa. “A transportadora pega um frete por R$ 14.500 e oferece para o caminhoneiro somente R$ 4.500.”
Recém-aposentado com um salário mínimo, o veterano não tem controle nenhum das finanças. “Se eu fizer conta, eu desisto”, declara, ressaltando que não anota nada e não sabe quanto ganha por mês. “O que sobrou no fim da viagem sobrou.”
Ele tem um Jacaré 1978 e não vê nenhuma possibilidade de trocar de caminhão. “Se eu conseguisse vender o meu por R$ 30 mil, teria sorte. Não tem como comprar outro.”
O contador Rafael Mendes pediu aos caminhoneiros que tenham ao menos um controle básico das finanças. Segundo ele, sem fazer contas, fica difícil ver a cor do dinheiro. “O investimento que vocês fazem hoje para trabalhar é maior que o de muitas empresas. É preciso pensar nisso. O negócio de vocês tem de dar lucro.”
Ele ressalta que atualmente a tecnologia oferece várias ferramentas que podem ajudar na contabilidade. E sugeriu o aplicativo Carrorama, que pode ser baixado gratuitamente nas lojas para android e iphone. “Em vez de deixar para marcar no caderno quando chega em casa, você já vai registrando no aplicativo nas paradas das viagens. Vai facilitar sua vida”, disse Mendes ao caminhoneiro de Curitiba.
Amâncio já tem smartphone e contrata fretes pelos aplicativos. Mas, para o colega goiano, fica mais difícil. Ele não tem intimidade com a tecnologia e exibe um celular antigo, para o qual não é possível baixar aplicativos. “Não tem problema, o senhor pode usar o papel mesmo”, orienta o contador.
Cuidado com o futuro
Tão importante quanto fazer a contabilidade corretamente é o caminhoneiro pensar na sua aposentadoria. Mesmo com a reforma da Previdência em curso, segundo o contador Rafael Mendes, o INSS ainda é uma garantia importante para o futuro dos brasileiros, principalmente daqueles que já estão no mercado de trabalho.
A contribuição do caminhoneiro autônomo para a Previdência se dá por meio do conhecimento, no qual a transportadora desconta 11% do valor do frete. O contador explica que o contratante ainda deve repassar sua parte de 20% sobre a base reduzida de 20% do valor bruto do frete.
A empresa que contrata é obrigada a repassar os dois valores em nome do autônomo para a Previdência. Se não fizer isso, está incorrendo no crime de apropriação indébita, o que é muito comum no setor de transporte. E deve ser denunciada.
Recentemente, Rafael Mendes tirou o extrato da conta do INSS para um amigo caminhoneiro que tem 30 anos de estrada. “Não havia repasse algum.” O mesmo ocorreu com o caminhoneiro goiano. Ele se aposentou por idade ao completar 65 anos. Mas, se dependesse dos repasses dos contratantes ao INSS, não teria conseguido a aposentadoria. “Faz 15 anos que sou autônomo. Quando fui ao INSS, não tinha depósito nenhum. Descontaram de mim, mas não repassaram.”
O contador aconselha os caminhoneiros a tirarem seus extratos previdenciários. Pode ser pelo telefone 135 ou pelo aplicativo Meu INSS. “Tem de dar uma conferida pelo menos a cada dois meses.”
Para garantir a aposentadoria, Mendes sugere aos motoristas que façam o recolhimento mensal por conta própria. Assim, o futuro fica garantido. Os repasses que contratantes fazem ao INSS ajudam a melhorar a média sobre a qual será calculado o benefício.
3 Comentários
Boa tarde sou mineiro de Belo Horizonte e estou me pre parando para tornar me caminhoneiro autônomo, porém tenho dúvidas a cerca de que seguimento engresar, o que mais vantajoso do ponto de vista regional ou nacional ou seja: cacamba basculante, baú, graneleiro se houver alguém que possa me ajudar a definir a melhor estratégia.
Penso comprar meu caminhão cavalo mecânico para agregar tiro um bom salário
Qual o salário de um conjunto graneleiro?
Não do motorista e sim só do caminhão agregado