Paulo Douglas de Moraes, do MPT, afirma que o “sistema” leva o motorista a se drogar
Nelson Bortolin – Revista Carga Pesada
O sistema leva o caminhoneiro a usar drogas. A opinião é do procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campo Grande (MS). Ele é conhecido no meio do transporte por seu trabalho em defesa dos caminhoneiros. Para o procurador, a obrigatoriedade do exame toxicológico, que completou um ano em março, vem ajudando a evitar acidentes de caminhão no País. Confira entrevista concedida por ele à Carga Pesada.
– Muita tente reclama que o exame toxicológico é discriminatório em relação aos motoristas profissionais. Dizem que deveria ser exigido de todos os condutores. O senhor concorda?
Não é discriminatório em absoluto. Discriminação é quando você trata alguém igual desigualmente. O que estamos aqui é tratando um desigual desigualmente, na medida em que o motorista não pode ser considerado um profissional do volante igual aos demais motoristas que não retiram desta atividade o seu sustento.
O motorista fica um número abusivo de horas ao volante, portanto, ele se expõe e expõe quem cruza com ele a riscos de maneira desproporcional. Com o agravante de que está conduzindo um veículo, que quando colide, o estrago é muito grande.
Fazer o exame não é discriminação, mas o uso do exame pode ser discriminatório. Por exemplo, a atual reforma trabalhista traz um verdadeiro absurdo no que diz respeito ao motorista. Ela inclui no artigo 482 (da CLT) uma alínea nova. É uma nova modalidade de justa causa. Diz que, se o profissional perder sua habilitação para o trabalho, isso representa justa causa para que seja dispensado.
O sistema leva o motorista ao uso do drogas, ao excesso de jornada. Agora, esse motorista que foi viciado pelo sistema de repente ganha justa causa? Isso é discriminatório, é injusto. Ele deve ser tratado e deve voltar ao mercado de trabalho em condições seguras.
– E se o trabalhador se recusar ao tratamento?
Ninguém é obrigado a trabalhar sequer. Ainda mais se submeter a tratamento médico contra a sua vontade. Temos que ter uma regra. Quando o uso de drogas for detectado como doença e uma doença com nexo de causalidade com a atividade que o motorista exerce, ele deve ser submetido a tratamento. E aí, como já disse, ser recuperado e retornar.
Mas, se o motorista se opor, é importante demarcar até que momento a empresa tem governabilidade sobre essa situação. Como funciona com as doenças ocupacionais, até a constatação da doença, a empresa tem responsabilidade direta inclusive por fazer os exames de saúde dentro de um programa de controle de saúde ocupacional. Se constatar que o cidadão está doente, ela encaminha ao INSS e a partir daí a discussão é com o INSS.
Se o motorista se recusa ao tratamento, é uma conduta que vai envolver SUS e INSS. Quando superado esse impasse, esse trabalhador periodicamente vai ser submetido a perícias junto ao INSS. E aí ele vai estar apto ou inapto. Se está apto, volta a atividade. Se está inapto, aí tem uma pergunta: ele está inapto para exercer toda função ou aquela que ele exercia?
Ele pode ser readaptado em outra função. Se estiver inapto para sempre, vai ser aposentado por invalidez.
– A empresa pode demitir por justa causa?
O que demarca a governabilidade é a confirmação da doença. A partir daí, tem de aguardar as definições do INSS. Agora, ele se recusou ao tratamento e foi readaptado. Continua fazendo uso de drogas e começa a ter comportamento incompatível, pode ser enquadrando em outras alíneas que justificam a justa causa. Não porque se recusou ao tratamento, mas porque se enquadrou em outra hipótese em razão de sua conduta.
– Se o motorista chega a empresa com exame positivo. Diz que não é dependente, mas faz uso recreativo. E alega que não vai se tratar, o que a empresa deve fazer?
Se ficar constatado que o uso é recreativo, ele deve ser demitido por justa causa imediatamente. Aí não estamos diante de um doente, mas de um motorista inconsequente que se utiliza de um produto que prejudica seu estado de vigília. Faz isso intencionalmente, aí sim temos uma conduta totalmente incompatível com a função que ele exerce e, por vontade própria, não por imposição do sistema.
– Como é possível confirmar se o motorista faz uso recreativo de drogas ou é dependente? O exame toxicológico não resolve essa questão.
Resolve sim, o exame de larga janela tem a capacidade de apontar se há dependência ou não. A cada centímetro do cabelo, tem um mês de história do uso de substância. Se tem 10 centímetros de cabelo, tem dez meses de história. O exame consegue checar a frequência do uso. A metodologia aponta se é dependente ou não.
– O senhor acha que o exame vem ajudando a diminuir os acidentes com caminhões no Brasil?
Não tenho a menor dúvida. O que eu venho dizendo é que exigência do exame é um elemento importante, mas não pode vir desacompanhada de uma revisão normativa que limite a jornada a patamares suportáveis. Preciso superar a incoerência da lei 13.103 (que aumentou a carga de trabalho dos motoristas). Temos que efetivamente garantir que o motorista possa dirigir em condições compatíveis com seus limites biológicos.
A entrevista com o procurador faz parte de uma reportagem maior da próxima edição da Carga Pesada, que começa a circular ainda nesta semana. A revista traz um balanço do primeiro ano de obrigatoriedade do exame toxicológico, para o qual foram entrevistados representantes de todos os lados envolvidos nesta questão: caminhoneiros, empresários do transporte, laboratórios, e Poder Público.