É fácil evitar acidentes no transporte rodoviário, poupando vidas e evitando prejuízos materiais, como se viu em recente curso dado na Escola de Transportes. Só que o conhecimento necessário para um trabalho correto nas operações de transporte não está à disposição de qualquer um. Deveria, mas não está
Chico Amaro
As causas dos acidentes de trânsito com caminhões vão muito além das simples imprudência, negligência ou imperícia que normalmente são atribuídas aos motoristas. No curso “Como reduzir acidentes no transporte rodoviário de cargas”, realizado no dia 13 de setembro, em São Paulo, pela Escola de Transportes, ligada ao Portal Guia do Transportador de Cargas (www.guiadotrc.com.br), o instrutor Rubem Penteado de Melo mostrou isso. Mas o principal é que ele mostrou também como é fácil conhecer as principais causas de acidentes com caminhões e como seria fácil tomar medidas para preveni-los, se houvesse vontade dos envolvidos com o transporte e das autoridades, a quem cabe fazer leis e fiscalizar sua aplicação.
Por si só, os títulos dos módulos do curso de seis horas dado por Melo apontam, por um lado, as causas de todos os tipos de acidentes que podem ocorrer no uso e na operação de caminhões, e, por outro, as precauções que deveriam ser tomadas para evitá-los. Os títulos são estes: a distribuição de peso nos veículos, amarração da carga (forças envolvidas), tombamento dos veículos de carga, tanques com volume parcial, o caso dos CVCs, acidentes comuns (efeito “L” ou canivete, falha nos freios etc.), mitos e manias no transporte de carga, medidas para prevenção do motorista, medidas de prevenção da manutenção e inspeção preventiva.
Melo, que é engenheiro mecânico e diretor da Transtech Ivesur Brasil, de Curitiba, todos os dias “entra embaixo” de vários caminhões para fazer inspeção de segurança e conversa com pelo menos cinco motoristas, o que lhe deu enorme conhecimento sobre as práticas dos transportadores na manutenção dos veículos. Daí ele foi juntando conteúdo para chegar a montar uma aula bastante completa, ilustrada com grande quantidade de fotos e desenhos e ainda com filmes feitos em outros países, principalmente os EUA, onde o valor do conhecimento, como verdadeiro instrumento de crescimento individual e social, é muito maior que no Brasil. A aula, com todos os textos, fotos e legendas, transformou-se numa rica apostila de 112 páginas, que os 25 participantes do curso da Escola do Transporte puderam levar para casa – ou melhor, para o trabalho.
PESO – Entre estes estava Márcio Couto, encarregado geral da BBSA Transportes, do Rio de Janeiro, que tem 15 caminhões e cujo principal cliente é a Michelin. Márcio gostou de fazer o curso só para confirmar que quase tudo o que o instrutor ensinou a BBSA já faz – tanto que, nos últimos 15 anos, seus caminhões só se envolveram em dois acidentes sérios, um “L” e um abalroamento. Mesmo assim, ele aprendeu coisas que tiveram resultado imediato: “A distribuição do peso estava dando problema na balança em algumas viagens. Mas, com aquilo que o instrutor mostrou, conversamos com o embarcador e a situação já melhorou”, disse ele, duas semanas depois do curso, à Carga Pesada.
O que o instrutor mostrou é que, além de não existirem “manuais de instruções”, escritos numa linguagem simples, e outros materiais didáticos à disposição dos que trabalham em operações de transporte, no Brasil somos vítimas, também, de uma cultura em que o “costume” errado vale mais que a palavra técnica. “Muitas vezes, ao fazer inspeção na Transtech, encontro motoristas que discordam do diagnóstico e teimam que vão ‘desfazer’ o que nós determinamos que precisa ser feito. Eu digo apenas: ‘Da porta pra fora, o que você fizer é problema seu. Mas o seu caminhão só sai autorizado daqui com tal providência tomada’”, comentou Melo com seus alunos. Melo chegou a escrever uma relação de 18 mitos e manias do transportador, teimosias comuns que, se fossem deixadas de lado, já dariam uma boa economia em prejuízos materiais e humanos.
E acrescentou outra coisa comum de acontecer, capaz de jogar por terra qualquer esforço para evitar acidentes: “É quando, na transportadora, o problema mecânico já está diagnosticado e o caminhão ia ser recolhido para manutenção, mas chega alguém da logística e diz que precisa do caminhão para uma viagem urgente, ‘porque eu não posso deixar de atender este cliente’, e então o conserto é adiado, em prejuízo da segurança de todos”.
A escolha por valorizar o conhecimento, como se vê, é uma opção da empresa e do caminhoneiro. E se fosse adotada, quanta vida se salvaria, quanto prejuízo poderia ser evitado… Melo mostrou, por exemplo, que para sair seguro e tranqüilo um motorista de carga perigosa só precisa fazer um check list de 38 itens, coisa que demora apenas 10 minutos. E se não for carga perigosa, demora ainda menos!
Algumas empresas já tomam muitos dos cuidados sugeridos por Rubem Penteado de Melo. Mas o “costume”, apoiado na inércia das autoridades, continua vivo e conspirando contra a segurança no transporte.
Mitos e manias no transporte de cargas
18 atitudes condenáveis do transportador, listadas por Rubem Penteado de Melo
- 1 – Repicar o acelerador nas trocas de marcha.
Nos veículos atuais, não serve para nada. Só aumenta o
consumo de diesel. - 2 – Acionar a embreagem duas vezes por troca de marcha.
O mesmo. Aumenta o desgaste do conjunto. - 3 – Acelerar antes de desligar o motor.
O mesmo. E pode causar danos na turbina, por falta de lubrificação. - 4 – Colocar carpete nos pedais para dirigir descalço.
O pé pode escorregar. - 5 – Colocar extintor trancado na caixa de ferramentas da carroceria.
Dificulta o acesso em caso de incêndio. - 6 – Isolar a maçaneta da porta do carona para evitar ladrão.
Dificulta a ação do bombeiro em caso de socorro pelo lado direito. - 7 – “Um ou dois parafusos de roda faltando não fazem diferença”.
Não é verdade. Todos os parafusos e porcas de roda são necessários. Se não fizesse diferença, a fábrica já largaria com menos. - 8 – Remover os amortecedores e a barra estabilizadora, porque “caminhão não precisa”.
O mesmo. Se pudesse andar sem, a fábrica não colocaria esses componentes. - 9 – Parar o caminhão vazio apenas com a marcha engatada, sem puxar o estacionário (“está leve, não precisa”).
Não é verdade. O freio de estacionamento deve ser acionado. - 10 – Não usar o cinto de segurança (“em caminhão não precisa”).
Obviamente, para dirigir caminhão também se deve usar o cinto. - 11 – Colocar películas no pára-brisas e adesivos grandes de santos e santas no meio do pára-brisas.
Reduz o campo de visão do motorista. - 12 – Afastar as lonas de freio do eixo dianteiro porque “é perigoso, dá L”.
Não é verdade. O “L” é causado pelo travamento do eixo traseiro do cavalo-mecânico. Eliminar o freio dianteiro põe em risco o conjunto e aumenta o risco de “L”. - 13 – Soldar a barra curta de direção para poder trocar os pivôs sem trocar a barra.
Não se deve soldar a barra. - 14 – Pino-rei e gavião da quinta-roda: “Gastou, enche de solda”.
Esses componentes são feitos em aço especial e não podem ser preenchidos por solda. Gastou, tem que colocar um novo. - 15 – “Máquina pesada não precisa amarrar.”
Não é verdade. Tem que amarrar – e bem. - 16 – “Em dia de chuva, suspendo o terceiro eixo porque fica mais seguro.”
Não é verdade. Dois eixos carregados no piso transmitem mais força lateral do que um eixo sobrecarregado. É o contrário, portanto. - 17 – “Contêiner sem os locks é melhor: se tombar, não leva o caminhão.”
Obviamente, o contêiner tem que andar com os locks travados. - 18 – “Tem um monte de eixo. Se isolar uma ou duas cuícas de freio, não faz diferença.”
Faz muita diferença. Uma cuíca isolada pode ser o suficiente para um conjunto carregado perder sua capacidade de frenagem e provocar uma tragédia.