SETEMBRO 2010
Nelson Bortolin
A lei é clara – como diria o comentarista de futebol da televisão. O pagamento de fretes a caminhoneiros autônomos através de carta-frete está proibido. Não pode mais ser feito. Agora tem que ser em dinheiro, através de depósito em conta bancária do autônomo “ou por outro meio de pagamento regulamentado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT”.
É o que diz a Lei 12.249, publicada em 14 de junho, num trecho que modifica a Lei 11.442, aquela que regulamentou o TRC. Adeus, carta-frete. Adeus, jeitinho brasileiro, que com a carta-frete torna a vida do caminhoneiro muito mais cara e difícil, enquanto transportadoras, embarcadores, fornecedores de combustíveis, peças e serviços ganham nas costas dele (veja como na pág. ___).
Sendo a lei tão clara, nem haveria o que discutir: cada caminhoneiro devia ter uma conta bancária, combinar as datas de pagamento do frete de cada contrato, trabalhar tranqüilo, esperar o dinheiro aparecer na conta e depois gastar do jeito que achasse melhor.
Só que, neste Brasil de tantos perigos para os mais fracos diante dos mais fortes, as lideranças dos caminhoneiros autônomos preferem ficar atentos à regulamentação que a ANTT vai fazer da forma de pagamento dos fretes daqui para a frente. Querem um sistema automatizado, com transações confiáveis e confidenciais e, principalmente, que não tenha custo para o motorista.
A ANTT deve publicar em breve uma proposta de resolução em seu site na internet (www.antt.gov.br), e esperará sugestões de emendas por 30 dias. Depois, sairá a resolução mesmo e um prazo para que todos passem a cumprir a nova sistemática.
As lideranças dos autônomos também querem que, se houver intermediação de administradores de cartões nas transações (Visa, Master, Pamcary, Dbtrans e outros), os valores recebidos dos contratantes sejam imediatamente repassados aos caminhoneiros. E que a ANTT proíba as administradoras de restringirem cadastros por motivos de proteção ao crédito. E as obrigue a fornecer gratuitamente aos caminhoneiros os extratos dos fretes feitos.
O que, no fundo, a nova lei deseja fazer, é trazer para a luz do dia muitas operações de transporte de cargas que, hoje, se escondem atrás dos pagamentos com carta-frete. Esse é um jogo em que impostos deixam de ser recolhidos – por transportadoras, embarcadores e pelos próprios caminhoneiros.
MAIS DETALHES – Se é para botar ordem na casa, as lideranças dos autônomos querem que outras medidas sejam previstas na resolução da ANTT. Por exemplo: o contrato de frete deve ser mais detalhado. Além das informações já obrigatórias, como valor do frete, descontos de impostos e vale-pedágio, que constem o destino da carga, data e horário do início do serviço e da descarga, com a assinatura do recebedor.
Uma coisa é certa: o fim da carta-frete é uma unanimidade entre as lideranças da categoria. “A carta-frete é a escravidão do caminhoneiro. O motorista nunca vê a cor do dinheiro”, afirma Diumar Bueno, presidente do Sindicam-PR e da Fenacam.
Para o presidente da Abcam, José da Fonseca Lopes, um dos maiores benefícios da nova lei é que o caminhoneiro terá como comprovar renda e obter financiamento. “Até hoje, 90% dos motoristas não têm comprovante de rendimento e não podem obter crédito. Ou seja, não são tratados como cidadãos”.
Bem relacionado no Governo Federal, o presidente da Unicam, José Araújo da Silva, o China, diz que a ANTT está trabalhando para fazer uma legislação que “não prejudique ninguém”. A Unicam foi a entidade que apresentou a proposta de fim da carta-frete, dentro do projeto de readequação do Procaminhoneiro.“A carta-frete está com os dias contados. São 50 anos de escravatura que chegam ao fim”.