J. Pedro Corrêa diz que o Brasil precisa de 52 semanas nacionais do trânsito
Começou e promete ser intensa. É a Semana Nacional do Trânsito que se comemora no Brasil de 18 a 25 de setembro, todos os anos. Precisamos dela? De verdade, precisaríamos dela 52 semanas por ano e durante muitos e muitos anos. Somos pobres de cultura de trânsito, nossa educação para o trânsito é pobre, o número de acidentes é absurdamente alto, nossa infraestrutura continua muito aquém da necessária, nosso comportamento é detestável e nosso governo ataca na contramão.
São razões suficientes para explicar porque precisamos muitas e muitas semanas de trânsito. Pelo visto vamos bater o recorde de eventos durante este período falando de trânsito. Com a descoberta de que não precisamos mais nos deslocar para assistir ou palestrar nestes encontros, já que as lives têm dado conta desta tarefa, é de se supor que esta semana do trânsito deixe um saldo positivo junto à sociedade.
Só eu, devo participar de 10 eventos nestes 7 dias. Uma agenda e tanto. A contribuição efetiva que vejo nestas semanas do trânsito é que elas trazem à tona o tema da segurança, a necessidade de baixar a acidentalidade e sempre tem uma ideia nova para ficar na lembrança do usuário do trânsito, isto é, todos nós.
É bem verdade que boa parte destes eventos não têm o devido planejamento, são organizados às pressas e por isso acabam não acrescentando muito ao conhecimento geral. Ainda assim, têm o lado positivo de que aumentam o tamanho da onda e sempre arregimentam mais um bocado de gente para fazer parte do time que se interessa pelo trânsito e isto ajuda.
Muitos me perguntam como será o novo normal do trânsito, se depois da pandemia vamos ter um trânsito melhor já que andamos falando muito dos benefícios que o Covid 19 trouxe ás nossas cidades: mais paz nos centros urbanos, menos movimento, menos poluição, mais incentivo às bicicletas e aos modais ativos (não motorizados), etc.
Tenho dito que não há porque esperar um novo normal se não fizemos nada de novo para mudar a estrutura que tínhamos e criar condições para um sistema de trânsito melhor, onde as modificações pretendidas na infraestrutura das cidades tenham sido iniciadas ou pelo menos projetadas.
Assim, se não fizemos a lição de casa, a não ser falar dela, não podemos pretender uma boa nota. Não vejo no horizonte brasileiro nada que justifique uma esperança imediata de um trânsito melhor. Ao contrário: agora mesmo, estamos vendo a parte final da tramitação de um Projeto de Lei que passou pela Câmara dos Deputados, sofreu mudanças no Senado e está voltando à Câmara para ser aprovado… afrouxando o Código de Trânsito!
É inimaginável que pessoas de nível no Congresso Nacional consigam ver que “flexibilizando” nossa Lei maior de trânsito, iremos ajudar o País a diminuir o número de infrações e de violência no trânsito. Promessas de campanha! Esta, talvez, seja uma boa, clara e final lição da pandemia a todos nós: se quisermos melhorar o trânsito, temos de identificar os pontos onde pretendemos as melhorias e realizar ações concretas para que elas ocorram.
Mas isto já sabíamos há muito tempo e não precisávamos de uma pandemia que já se alastra há mais de meio ano e sabe-se lá quando vai terminar. Os caminhos para chegar a um trânsito decente e que possa nos dar um certo orgulho estão sendo mostrados pelos países avançados ao longo das últimas décadas: muito trabalho de correção, organização, endurecimento das leis, fiscalização rigorosa, educação, comunicação, parceria estreita com a sociedade e, claro, recursos.
Nada impossível e nem que esteja fora do nosso alcance em qualquer área. Se aproveitarmos o embalo da II Década Mundial de Segurança no Trânsito, que vai de 2021 a 2030, e nos dedicarmos com seriedade a esta tarefa, a próxima geração de brasileiros vai se beneficiar de um trânsito melhor. Caso contrário, estaremos estimulando a prática do grande esporte nacional que é falar mal do trânsito, meter o pau no governo, na própria inapetência da sociedade, repetindo que “acidente de trânsito é vontade de Deus, coisa do destino”.
Quando ouço que “trânsito é isto mesmo, o que se há de fazer!”, respondo sempre: tem, sim, o que fazer. Basta ter vontade!