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Gerenciadores de risco e transportadores falam do aparato que é necessário hoje para transportar uma carga valiosa em razoável nível de segurança. Até helicóptero é usado na escolta. Mesmo assim, as quadrilhas agem – e matam

Nelson Bortolin

Com índices de sinistralidade estabilizados em altos patamares nos últimos anos, o transporte das cargas mais visadas pelos bandidos no Brasil passou a exigir um arsenal de guerra. Gerenciar risco por meio de rastreadores via satélite já não é suficiente. Para aceitar fazer o seguro de uma carga valiosa e de fácil escoamento no mercado paralelo, as seguradoras estão exigindo, além de outras providências, a escolta armada.

Às vezes, a escolta é feita por apenas um veículo, que segue atrás do caminhão, com um motorista e um segurança. Mas, dependendo da carga e da região por onde o carregamento vai passar, são usados dois veículos – um na frente e outro na retaguarda.

Em situações muito especiais, pode-se recorrer até a helicópteros. Como num caso contado pelo presidente da Associação Brasileira das Empresas de Gerenciamento de Riscos e de Tecnologia de Rastreamento e Monitoramento (Gristec), Cyro Buonavoglia. “Há pouco tempo, uma gerenciadora recebeu a informação de que um carregamento de eletroeletrônicos, que sairia de Santos para o Sul do País, seria abordado por bandidos. Foi preciso contratar um helicóptero para acompanhar a carga já escoltada em terra”, informou.

De acordo com Autair Iuga, presidente do Grupo Macor de segurança privada, não chega a ser incomum o acompanhamento aéreo de transporte de carga. Pelo menos uma vez a cada dois meses, sua empresa presta um serviço desse tipo. O custo para o cliente é de R$ 850 a hora. A escolta armada rodoviária sai a R$ 2,35 por quilômetro. Normalmente, as despesas são pagas pelos embarcadores.

Ailton Souza, da Rodobens: com as DDRs, taxas agravadas para o transportador

O diretor-geral da Corretora de Seguros Rodobens, Ailton Alves de Souza, diz que, por via de regra, as seguradoras exigem escolta para cargas com valor acima de R$ 100 mil. As apólices detalham todas as providências a serem tomadas pelo contratante para garantir o pagamento do prêmio caso ocorra um sinistro. “Por exemplo, eu tenho uma carga de medicamentos que não chega a R$ 100 mil. A seguradora determina que se faça rastreamento com todos os sistemas de atuadores, sensores de porta, sensor de baú, de carona, de desengate. E que os sinais do rastreador sejam enviados de dois em dois minutos”, explica.

Caso a carga seja mais valiosa, diz Souza, a seguradora pede uma escolta armada. “Não é sempre. Existem alguns medicamentos muito mais fáceis de escoar no mercado paralelo. Para esses, os critérios de gerenciamento de riscos são mais severos.”

O território por onde a carga vai passar também é levado em consideração. “Uma carga de eletroeletrônicos que desce de Manaus tem exigências de gerenciamento menos rigorosas no percurso até Goiânia. A partir daí, a seguradora exige escolta.” Souza ressalta que o rastreamento tornou-se uma exigência básica. “Com carga acima de R$ 30 mil, as seguradoras querem rastreamento.”

Gilberto Rodrigues, da Transportadora Sete Estradas: todo cuidado nas áreas de risco

Segundo Gilberto Rodrigues, gerente geral da Transportadora Sete Estradas, que carrega têxteis e produtos alimentícios, a escolta armada é utilizada em trechos com maiores índices de sinistros. Mas existe uma série de outras exigências das seguradoras que precisam ser seguidas à risca. Todos os caminhões da empresa são equipados com rastreadores híbridos, que funcionam por satélite e por celular.

“Temos de seguir rotas e pontos de parada previamente homologados pela gerenciadora de risco e existem horários determinados para rodar em áreas de risco”, explica o gerente. Ele diz que todo o pessoal envolvido na operação é cadastrado e tem seu passado levantado com relação a questões jurídicas e criminais.

A transportadora também utiliza as iscas – pequenos rastreadores que são colocados dentro da carga. Além do contrato com uma empresa terceirizada, a Sete Estradas mantém funcionários próprios no gerenciamento de risco. “Com o emprego de todos estes recursos, hoje o nosso índice de sinistros baixou para 0,1% a 0,2%.”

O custo de um gerenciamento de risco “com qualidade e que atenda às necessidades de mercado”, de acordo com ele, fica em 1,5% a 2% do valor do frete.

Informação, a chave para a prevenção

Cyro Buonavoglia, gerenciador de risco: as seguradoras ditam as regras

Cyro Buonavoglia, presidente da Gristec, afirma que as gerenciadoras de riscos têm suas áreas de inteligência, que muitas vezes obtêm informações sobre os planos de bandidos, como no exemplo citado por ele no início da reportagem. “São coisas sobre as quais a gente não pode falar muito.” Normalmente, essas empresas têm em seus quadros militares reformados ou que deixaram as corporações.

Buonavoglia ressalta que, neste mercado, quem dita as regras são as seguradoras. “Elas dizem: eu compro seu risco, mas você vai fazer isso e aquilo. Se não fizer, não recebe o seguro em caso de sinistro.” As cargas mais visadas, segundo ele, são pneus, medicamentos, cabos, eletroeletrônicos e cigarros. Mas existem situações que levam os ladrões a ficarem de olho em outros produtos. “Por exemplo, no final do ano, existe a Operação Peru. Os embarcadores têm de tomar cuidados especiais porque é uma época em que esse tipo de carga é muito visado. É um produto de risco sazonal.”

Gustavo Caleffi, sócio-diretor da gaúcha Squadra Inteligência e Segurança, é um crítico do modelo de gerenciamento de risco muito focado em equipamentos “que podem ser burlados”. Prestador de serviços para seis embarcadores e duas transportadoras, ele defende maior controle de informações dentro das empresas e uma seleção rigorosa de pessoal.

“Nós estabelecemos para os clientes um fluxo de informações. Nem todo o mundo na empresa precisa saber tudo (em relação aos carregamentos, rotas e horários de viagens). Além disso, temos uma ferramenta de seleção que reduz o risco já na contratação de pessoal. Começamos a eliminar o problema por aí”, enfatiza.

Caleffi acredita que as quadrilhas de roubo de carga têm pessoas infiltradas nos embarcadores, transportadores e gerenciadores de riscos. “As informações para os bandidos partem de dentro das empresas. São funcionários em diversos níveis. Você nunca vai ver casos de roubo de carga em que as quadrilhas tenham roubado o que não lhes interessa. O roubo de carga é por encomenda”, sustenta. E acrescenta que um de seus clientes sofreu um roubo em que os bandidos abriram uma janela na lateral da carreta para chegar direto ao lugar onde a carga que eles queriam se encontrava. “Eles perderiam muito mais tempo para abrir o baú e tirar tudo o que estava na frente da mercadoria que buscavam.” Segundo Caleffi, em setembro dois funcionários de uma gerenciadora de risco catarinense foram presos por estarem a serviço de quadrilhas de roubo de carga.

Foram 13 mortes em 14 anos

Em 14 anos, o Grupo Macor de segurança perdeu 13 homens, mortos por bandidos. “Infelizmente o enfrentamento com quadrilhas e a troca de tiros são situações freqüentes para nós”, conta seu presidente, Autair Iuga.

O caso mais recente ocorreu em setembro, em Cordeirópolis (SP), quando um a empresa escoltava uma carga de eletroeletrônicos. O funcionário da Macor levou um tiro de raspão no joelho, mas um policial militar chamado para atender a ocorrência morreu com um disparo na cabeça.

Uma das principais atividades da Macor é a escolta no transporte de cargas. Tem 1.100 funcionários e 300 viaturas. De acordo com Iuga, a lei que regulamenta o serviço de segurança privada estabelece que uma escolta armada deve ser feita em viaturas com quatro portas, com o logotipo da empresa, sistema de radiocomunicação e os homens devem ter coletes à prova de balas. Normalmente, as escoltas nas estradas são feitas por dois homens: o motorista e o segurança, que viaja no banco de trás com um revólver e uma carabina calibre 12.

Vice-presidente da Federação Nacional das Empresas de Vigilância e Transporte de Valores (Fenavist), Iuga diz que tem alertado as autoridades e transportadores para dois trechos críticos para o roubo de carga: o Rodoanel Mário Covas e a Rodovia Adalberto Panzan, que liga a Bandeirantes e a Anhangüera, em Campinas.

Ex-policial militar, ele diz que o tipo de escolta varia de acordo com a carga e as exigências das seguradoras. Na maior parte das vezes, é feita com apenas uma viatura. Acompanhamento aéreo só em casos especiais. “Por exemplo, você vai transportar uma carga de medicamento que está em fase de regularização pela Anvisa. Não é só o valor da mercadoria, mas também o nome do fabricante que está em jogo se houver um sinistro.”

Iuga explica que, no Brasil, as empresas privadas não estão autorizadas a fazer escoltas aéreas armadas. “É um apoio à escolta terrestre. Um consultor de segurança segue no helicóptero com comunicação com as viaturas. O trajeto é todo filmado, gravado em DVD e entregue ao contratante.”

Medicamentos são muito visados

Quase todo o transporte de medicamentos em rodovias no Brasil é feito sob escolta. Só no Norte e em parte do Nordeste isso não acontece, segundo Jorge Fróes de Aguilar, diretor executivo da Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico (Abafarma). “A seguradora, quando aceita fazer o seguro, faz várias exigências. Com escolta é um valor, sem escolta é outro, a franquia é maior ou menor conforme a situação”, explica.

Fróes de Aguilar, da Abafarma: solução está na rastreabilidade

Ele diz que o problema começou a ficar sério há cerca de 10 anos. “Até então, a gente trabalhava com mais segurança.” De acordo com Fróes, o atual cenário apertou as margens de lucro dos distribuidores. “O remédio tem preço controlado. As distribuidoras têm uma margem de 9% de desconto para trabalhar e estão gastando um terço disso em gerenciamento de risco”, informa. Segundo o diretor, não há dúvida de que existe uma rede receptadora que envolve empresas estabelecidas. “O bandido normalmente vai com destino certo.”

Fróes diz que a esperança da Abafarma está numa medida que se espera seja implantada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): a rastreabilidade dos produtos farmacêuticos. “Da forma como está hoje, um mesmo lote de medicamentos é distribuído por todo o País. A idéia é que cada caixa de remédio tenha seu número.”

Roubos estabilizaram na casa dos 11 mil

Levantamento feito pelo assessor de segurança do Setcesp, coronel Paulo Roberto de Souza, mostra que foram registrados no ano passado, em todo o País, 11.700 casos de roubo de carga – número próximo dos 11.400 de 2006 e 11.550 de 2005. Os valores subtraídos foram respectivamente de R$ 735 milhões, R$ 710 milhões e R$ 700 milhões.

Só no Estado de São Paulo, no primeiro semestre deste ano houve 3.098 roubos de cargas, que resultaram num prejuízo de R$ 109,632 milhões, segundo o coronel. Os produtos mais visados foram os eletroeletrônicos (R$ 26,556 milhões), seguidos dos metalúrgicos (R$ 14,147 milhões) e as cargas fracionadas (R$ 13,848 milhões).

O roubo de cargas se concentra na região Sudeste – 79% dos casos registrados no País. Quase a metade disso (40%) acontece na Grande São Paulo.

Empresas de rastreamento se consolidam no País

Em não mais que 15 anos, o Brasil se tornou um dos países mais avançados em rastreamento de transporte de carga. Quando a tecnologia chegou ao País, o foco era a segurança, em virtude do boom do roubo de cargas. Atualmente, as empresas de rastreamento oferecem produtos variados que também atendem às necessidades da logística.

Cileneu Nunes, da OmniLink: da segurança à logística

“Hoje existem opções de sistemas muito sofisticados, tanto nas medidas preventivas com nas medidas reativas de proteção ao veículo e à carga”, diz o presidente da OmniLink Tecnologia, Cileneu Nunes. “Mas também temos funções avançadas de logística, que se integram nas cadeias de suprimentos, desde o fornecimento just-in-time nas indústrias até a roteirização da distribuição.”

A OmniLink, que recentemente concluiu um processo de fusão no qual foram incorporadas a Hal9000, a Rodosis, a ControlLoc e a CData, aposta no investimento em tecnologia. “Fomos os primeiros a utilizar o conceito de inteligência embarcada e a incorporar a telefonia celular como meio de comunicação dos rastreadores.”

Outra grande do setor, a OnixSat, tem investido em telemetria e lançou recentemente a sonda de combustível, que permite ao transportador acompanhar à distância e em tempo real o nível de diesel nos tanques de seus veículos. “É uma exclusividade OnixSat. Junto com outras ferramentas da Telemetria OnixSat, a sonda vai informar quanto o caminhão está gastando ou gastou de combustível num determinado relevo e comparar isso com outros dados, como a rotação e a velocidade”, afirma o diretor de Marketing e Vendas da OnixSat, Wagner Eloy.

A OnixSat é pioneira no desenvolvimento dos rastreadores híbridos, que funcionam por satélite e por celular. E também desenvolveu o OnixSpy, rastreador portátil que é acoplado na carga e auxilia na sua recuperação em caso de sinistro. “Este é um mercado extremamente técnico. As empresas de rastreamento que não estão investindo no desenvolvimento de novos produtos não estão tendo sucesso no mercado”, avalia Eloy.

No seguro, economia do embarcador prejudica o transportador

Os seguros existentes no mercado de transporte de carga são três, um feito pelo embarcador e dois pelos transportadores (veja abaixo). O RR (Riscos Rodoviários) é para o dono da carga. É obrigatório. O RCTR/C (Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga), também obrigatório, deve ser feito pela empresa de transporte, mas cobre apenas prejuízos pelos quais o próprio transportador seja responsável, como colisão, capotamento e abalroamento. O terceiro, também feito pelas transportadoras, é opcional: RCF-DC (Responsabilidade Civil – Desaparecimento de Carga).

Tradicionalmente, segundo o assessor de Seguros da NTC&Logística, Daniel Siebner, as empresas de transporte repassavam os custos dos seguros ao embarcador. Mas, nos últimos anos, um movimento iniciado pelos embarcadores de medicamentos, que depois se expandiu, colocou donos de cargas e transportadores em conflito sobre seguros.

Conforme Siebner, em virtude das dificuldades em segurar seus produtos e não querendo mais arcar com os custos dos seguros de responsabilidade civil das transportadoras, os fabricantes de medicamentos passaram a negociar com suas seguradoras a isenção do transportador rodoviário de sua responsabilidade nos sinistros, através da cláusula das Dispensas de Direito de Regresso (DDR), de forma que ele fica dispensado de fazer o RCF-DC.

Ocorre que a isenção fica condicionada à aplicação dos Planos de Gerenciamento de Riscos (PGRs) e se limita aos riscos cobertos pelas apólices do embarcador. “Não existe uma padronização mínima destes PGRs, o que acarreta em mais custos e riscos para as transportadoras”, afirma Siebner. “Uma transportadora com cargas visadas de diferentes embarcadores, num único embarque, deverá seguir PGRs distintos para cada embarcador, mesmo que se trate do mesmo tipo de mercadoria, trajeto e operação.”

O assessor disse que conversou recentemente com um transportador que tinha 50 diferentes planos de gerenciamento de riscos para atender. “Imagine que as seguradoras de cada embarcador apresentem planos diferentes, de onde o caminhão pode parar ou não pode. Com vários planos desses no mesmo carregamento, como atender a todos?”

E as seguradoras, explica o assessor, mesmo com as DDRs, vão “procurar pêlo em ovo” em caso de sinistro, para mostrar que as transportadoras não seguiram à risca o que foi predeterminado e assim não fazerem a indenização.O diretor-geral da Rodobens Corretora de Seguros, Ailton Alves de Souza, aponta outro problema. Segundo ele, quando os embarcadores fazem as DDRs para não arcar com o seguro de responsabilidade civil, os transportadores acabam perdendo capacidade de negociação diante das seguradoras. “Suas taxas podem ser agravadas em função disso.”

Souza diz que, em virtude do grande crescimento dos sinistros nas rodovias, poucas seguradoras permanecem no negócio. “Das cerca de 140 companhias do País, só 18 fazem seguro nesta área.” Ele afirma que os sinistros estão consumindo 72% das receitas das seguradoras que atuam na área de transporte de carga. “A margem que fica para as companhias está diminuindo cada vez mais por conta da elevação da sinistralidade.”

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