Para empresários, Jair Bolsonaro vai combater a burocracia e começar a destravar a economia; caminhoneiros acreditam que ele vai tratar a categoria de forma especial
NELSON BORTOLIN
As eleições deste ano renovaram as expectativas dos transportadores. Eles acreditam que o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) será capaz de destravar o desenvolvimento econômico do País.
A Carga Pesada conversou com empresários e caminhoneiros, que afirmam acreditar na valorização da iniciativa privada e da categoria pelo capitão reformado.
Um deles é o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga do Estado de São Paulo (Setcesp), Tayguara Helou. “O pessoal está dizendo que o Brasil vai dar certo, que o Brasil está mudando. Para mim, o Brasil já deu certo, já mudou”, afirma.
Além de Bolsonaro, apresentado como uma novidade na política apesar de ser deputado federal há 27 anos, o empresário ressalta a renovação do Legislativo. “Foram eleitas pessoas que estiveram na iniciativa privada e conhecem o funcionamento das empresas e do mercado”, alega.
A grande expectativa do presidente do Setcesp é que seja feito um processo de desburocratização no País, com redução de leis e normas que emperram os negócios. “Espero que ocorra imediatamente uma grande redução de normas tributárias e fiscais. É um absurdo que nossas empresas precisem contar com departamentos contábeis tão grandes só porque, a cada minuto, surge uma nova norma”, critica.
E cita um exemplo do setor de transporte. “Hoje, a movimentação de produtos químicos exige uma licença nacional. Exige também licenças estaduais. São 12 dessas licenças, e ainda é preciso obter licença municipal para operar em São Paulo.”
De acordo com Helou, o empresário brasileiro gasta “de 45% a 55%” do seu tempo resolvendo problemas burocráticos. “Imagine se usasse esse tempo para inovar e ampliar negócios.”
Ele também espera que o próximo governo consiga reposicionar o Brasil no cenário mundial, com o desenvolvimento da indústria. “Hoje, temos um sistema em que a matéria-prima sai da América do Sul ou do Sul da África e dá uma volta enorme até os Tigres Asiáticos, onde é transformada e faz o caminho de volta para os maiores mercados consumidores, que são América do Norte e Europa”, explica.
Para ele, o Brasil tem um “posicionamento geográfico e logístico” que poderia atender de forma mais eficaz esses mercados consumidores. “Temos a matéria-prima, a mão de obra, e proximidade desses mercados. Imagine se o Brasil fosse industrializado da forma correta, com um parque industrial moderno e inovador.”
O presidente do Setcesp não se ilude quanto à redução imediata da carga tributária. Para ele, isso só ocorrerá com a diminuição da máquina pública. “E não estou falando meramente de diminuir o número de ministérios, mas de fazer uma gestão pública mais eficiente, como nas empresas, com orçamento rígido e controle de despesas.”
SINTONIA – O presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Paraná (Setcepar), Marcos Egídio Battistella, concorda com o colega do Setcesp: a prioridade do novo governo deve ser a reforma tributária.
A quantidade de impostos e taxas, de acordo com o empresário, é muito grande e as empresas perdem muito tempo para administrá-las. Ele acredita que, se o sistema fosse mais simples, o governo teria mais controle sobre os impostos e a sonegação diminuiria. “Assim, todo o mundo pagava certinho e haveria espaço para se pagar menos”, ressalta. O empresário acredita ainda que a medida estimularia os informais a regularizarem seus negócios.
Battistella também espera que Bolsonaro mantenha a atual política de ajustes do preço do diesel e não volte com as oscilações diárias. “A gente acredita que a Petrobras precisa fazer os ajustes conforme o mercado internacional, mas precisamos trabalhar com o mínimo de previsibilidade. Se ficar como está hoje, é razoável”, alega.
Questionado se espera alguma mudança na lei trabalhista, devido às declarações de Bolsonaro de que os brasileiros precisam escolher entre ter empregos e direitos, ele afirma que não. “Nem mesmo a reforma mexeu nos direitos trabalhistas. Ela apenas deixou a relação do empregador com o empregado mais clara. Acho que está bom assim.”
O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de São Paulo (Sindicam), Norival Almeida, também se diz otimista em relação ao novo governo. “Bolsonaro se comprometeu conosco durante a campanha. Eu tenho esperança, como a maioria da população, que ele vai cumprir o que disse. Nem tudo, porque ele também prometeu bobagens. Temos de ter paciência, esperar pra ver o que vai acontecer”, declara.
Ao contrário do presidente do Setcepar, Almeida acredita que a Petrobras adotará uma nova política e vai baixar o valor do diesel. “O próprio Bolsonaro diz que só 20% do diesel é importado”, afirma. Por causa disso, na visão do presidente do Sindicam, não se justifica a paridade de preço com o mercado internacional.
Não se pode pagar para trabalhar
Sem as tabelas de frete elaboradas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a atividade de transporte de carga fica inviável. A opinião é do professor da Universidade Mackenzie e consultor em transportes Murillo Torelli Pinto (foto). Segundo ele, se for para trabalhar com valores abaixo dos das tabelas, é melhor deixar o caminhão parado no pátio.
“As tabelas precisam ser mantidas neste momento de economia fraca que estamos. Se a economia voltar a crescer e o mercado de carga voltar a ter demanda maior, aí os preços se ajustam e as tabelas podem ser dispensadas”, afirma.
O professor fez um levantamento de fretes agrícolas e constatou que eles estão praticamente congelados desde 2008. “Peguei algumas rotas como entre Uberaba e Santos. O frete por tonelada hoje gira entre R$ 80 e R$ 100. Há dez anos era o mesmo valor.”
Torelli ressalta que as tradings vêm ameaçando adquirir frota própria para elas mesmas fazerem o transporte, já que consideram caros os valores da tabela. Mas ele não acredita que isso vá ocorrer. O professor estima que cada uma das grandes tradings (ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus) teria de adquirir 1.500 veículos. “Teriam de contratar milhares de motoristas, acho que nem tem essa mão de obra disponível. E não conseguiriam reduzir significativamente o custo do transporte. Não enxergo vantagem para elas”, afirma.
Sem tabelas de frete, é greve na certa
Nas estradas, a expectativa é que Jair Bolsonaro mantenha as tabelas de frete. Se elas forem revogadas, os caminhoneiros dizem que voltam a fazer greve imediatamente. “O Bolsonaro disse que apoia os caminhoneiros”, diz Diego Martins, autônomo de Cambé (PR). Implantadas para atender os caminhoneiros que fizeram greve em maio, as tabelas melhoraram a receita de Martins em cerca de 20%. “Agora dá para pagar a manutenção do veículo”, diz ele, que transporta carga em geral.
O gaúcho Cláudio Silva conta que sua vida melhorou bastante com a implantação das tabelas. “Depois que entrou o frete mínimo, consigo fazer manutenção no caminhão, trabalho mais sossegado. Sem a tabela não tem margem para trabalhar”, alega.
Assis Silveira, autônomo de Santo Antônio da Patrulha (RS), garante que não pega nenhum trabalho com preços menores que os das tabelas. “Ofereceram um frete por R$ 4 mil (de Londrina ao Rio Grande do Sul). Pela tabela, deveria ser por R$ 5.934. Não peguei. Prefiro ficar esperando.” Se o próximo governo não mantiver a tabela, o motorista diz que a greve será imediata. “E vai ser pior que a deste ano.”
Na opinião de Eduardo Aparecido Vanso, de Londrina, as tabelas serão mantidas. “Já mostramos nossa força. Se tentarem tirar a tabela, nós aramos de novo. Tem de parar.”
FALA BOLSONARO
A Carga Pesada enviou questionamento sobre a tabela de frete para a assessoria do futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes. Mas não obteve retorno. Em reportagem publicada pela Agência Estado dia 23 de setembro com o título “Revogar tabela do frete é maior desafio”, o então candidato Jair Bolsonaro demonstra ser contrário. “Tabelar, aí não dá certo! Isso vai na contramão da pessoa que eu confio para tratar nossa economia (o economista Paulo Guedes).”
Ninguém viu
Já quem transporta grãos ainda não viu as tabelas funcionarem. “Ninguém paga a tabela não”, diz Clóvis Alberto Marcondes, de Tamarana (PR). Mas ele tem fé no novo governo. “Espero que mude muita coisa, principalmente que baixem os preços do diesel e do pedágio. Deus abençoe que ele (Bolsonaro) resolva isso.”
Marcondes diz que nunca viu funcionários da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) fiscalizando o cumprimento das tabelas. “Daqui (Londrina) para Paranaguá, estão pagando R$ 48, R$ 50 a tonelada. Pela tabela tinha de ser R$ 90”, conta.
Nunca carreguei pela tabela. Não conheço ninguém que consegue receber o valor mínimo”, afirma Renato Marcos da Silva. Ao contrário dos colegas, ele não se sente otimista com o novo governo. “Acho que vai continuar do mesmo jeito. A gente vai empurrando com a barriga.”
Já o presidente do Sindicam em São Paulo, Norival Almeida, diz que as tabelas de frete não devem ser algo permanente. “Mas acho que o Bolsonaro vai tentar mantê-las no começo do mandato”, afirma. Mesmo que sejam revogadas, Almeida acredita que o novo governo tomará outras medidas visando melhorar a vida dos caminhoneiros.
Empresas também se beneficiam
As tabelas de frete também melhoraram a vida das empresas de transporte. É o que diz o diretor da D’Granel, Flávio Morais. “Confesso que no nosso segmento melhorou muito”, afirma.
Ele conta como seria a reação do cliente se pedisse um reajuste de 50% no frete antes da tabela. “O cliente iria dizer que estamos loucos, que o aumento é abusivo, inconstitucional.” Como agora é lei, de acordo com Morais, o cliente não tem como escapar.
O diretor alega que a D’Granel consegue fretes acima dos valores mínimos fixados pela ANTT em 98% dos casos. As transportadoras precisam cobrar a mais para terem margem para repassar aos terceiros. “Eu não posso pagar ao autônomo menos do que está previsto nas tabelas. Então preciso cobrar acima.”
Morais acredita que a empresa que remunera seus agregados em valores abaixo dos das tabelas assume o risco de ter de pagar o dobro no futuro, caso seja acionada na Justiça.
Dizendo-se “nem contra nem a favor” da tabela, o presidente do Setcesp, Tayguara Helou, defende que elas precisam de ajustes. “Há problemas de aplicabilidade, de cálculos e conceito. Você pega a tabela de carga perigosa e ela é mais barata que a de carga geral, o que não faz sentido. Outro problema é que, quando você calcula um frete de 100 km, você tem um valor x, mas se for de 101 km, você tem um valor menor”, critica.
Helou defende um sistema diferente, levando em consideração que, ao operar com fretes muito baixos, o transportador não consegue fazer a manutenção correta de sua frota, aumentando o risco de acidentes e os riscos ambientais para toda a sociedade. “Minha proposta é que, a partir da elaboração de preços mínimos, todo operador que queira trabalhar com valores abaixo da tabela assuma 100% da responsabilidade desta postura”, ressalta.
O empresário defende ainda que as tabelas mínimas levem em conta o modelo e a marca dos veículos. “Um caminhão não tem o mesmo desempenho que outro. Como não temos milhares de montadoras, não é impossível fazer essas tabelas específicas”, alega.